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It A Coisa
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Crítica: It – A Coisa (2017)

Um grupo de sete adolescentes de Derry, uma cidade no Maine, formam o auto-intitulado “Losers Club” – o clube dos perdedores. A pacata rotina da cidade é abalada quando crianças começam a desaparecer e tudo o que pode ser encontrado delas são partes de seus corpos. Logo, os integrantes do “Losers Club” acabam ficando face a face com o responsável pelos crimes: o palhaço Pennywise.

Antes de assistir ao filme, fiquei num dilema sobre ir e não ir. Não ir porque não gosto de filmes de terror. “Ah mas Gabu, nem é de terror”, disseram. Então resolvi ir ver e tirar minhas próprias conclusões antes de ficar nesse “é terror” ou “não é terror”. Não li o livro e nem conhecia a história antes. Não vi o primeiro filme, também. Fui sem saber de nada e minha opinião aqui é baseada unicamente no que tive de impressão nesse longa em específico.

“It: A Coisa”, ou só “It”, começa com uma atmosfera maligna, talvez ocasionada pelas cenas iniciais em chuva, com tempo cinza e com crianças, uma delas, adoecida, montando um barquinho de papel para o irmão menor brincar na chuva. Nisso, já vemos aquela fórmula dos filmes de terror: casa americana antiga, vazia e com porão escuro que esconde alguma coisa que ainda não enxergamos mas que a qualquer momento vai pular na sua tela para dar um susto. Não deu, então seguimos com a trama, até que Georgie, o garotinho sai para brincar com seu barco de papel na rua.

Seguindo o barco, ele acaba por cair em um bueiro. Nele, Georgie tem seu primeiro contato com Pennywise, um palhaço maligno que acaba por comer seu braço e logo em seguida, o arrastar para dentro do bueiro. Sem rodeios mesmo, de maneira rápida e chocante. Mas o terror sangrento mesmo, começa e acaba aí, porque depois a trama decai até ficar negativa.

Senti falta das consequências do sumiço do Georgie, o corte temporal foi um tanto brusco e pulou para outra cena onde já somos introduzidos as crianças principais da história, e em seus dramas pessoais, também mal desenvolvidos. Me parece que pegaram a fórmula “Stranger Things” de fazer sucesso e adaptaram para uma história creepy do Stephen King. Os personagens são cativantes, a história interessante, mas o argumento, aliado ao roteiro – que apesar de bom, não me pareceu conjugado com o argumento -, só vai caindo do terror comum para um filme de suspense que joga coisas na tela para te fazer pular da cadeira, sem nenhuma razão aparente.

Claro, que no meio dos sustos, das mortes, esgoto e sangue, a fórmula hollywoodiana se faz presente através de um romance desnecessário entre as crianças, que agora beiram a pré-adolescência e de repente se descobrem apaixonadas. Pareceu um filme de princesas da Disney em que “só o beijo do amor verdadeiro é capaz de salvar a donzela do perigo”, de flutuar para sempre na fossa de Pennywise.

São tratados assuntos importantes, como a hipocondria e o abuso infantil, mas também jogados sem nenhum contexto, detalhamento e correlação com outros fatos da trama. A gente entente que It se apresenta como seu maior medo, mas a falta de desenvolvimento psicológico das personagens me deixou um pouco incomodado, ficando somente na superficialidade tênue do “vou gritar quando aparecer na minha frente”. Sério, não senti aprofundamento apesar de ter me apegado as personagens, ainda que bem de leve. Não sou muito fã de protagonistas crianças.

Ainda me pareceu um pouco Harry Potter – mas sem a ânsia de querer saber o que acontece, é previsível ao extremo -, com a jornada do herói bastante presente do início ao fim, exceto que, como já citei, ao invés de avançar para o ápice, ela já começa nele e cai para o final insosso onde os mocinhos vencem o vilão com uma barra de metal – mesmo ele sendo um ser demoníaco de outro planeta capaz de te matar com uma só mordida.

“Ah Gabu, mas você não entendeu o contexto do filme”, talvez você tenha razão. Mas não é trabalho de uma obra cinematográfica cativar não só aqueles que já são fãs de longa data mas também quem nunca ouviu falar sobre? Fica aí o questionamento e também a minha decepção por perder algumas horas com um filme que começa e termina basicamente no mesmo lugar com fatos previsíveis misturados com cenas desconexas que apenas te dão aquele sustinho para que você saia da sala se sentindo “caramba, que filme de medo, hein?”.

Pennywise, volte daqui 27 anos. Não foi dessa vez que você me conquistou com sua previsibilidade. Not today, satan, not today.

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Crítica: Bingo – O Rei das Manhãs (2017)

Bingo – O Rei das Manhãs conta a história do ator Arlindo Barreto, que durante os anos 80, animou as manhãs da garotada na tela do SBT na pele do incrível palhaço Bozo. O nome no filme, Bingo, foi escolhido para que o filme não fosse de alguma forma censurado ou processado pelos detentores da marca do famoso palhaço. Inclusive, algumas referências no filme foram trocadas, mas com uma semelhança que deixa claro sobre o que é tratado: a TV Globo por exemplo, sendo citada com Rede Mundial ou o SBT, que na época se chamava TVS e no filme é retratado como TVP.

Tudo no filme beira o insano e inacreditável. Do tipo que te faz sair da sala de cinema querendo pesquisar sobre os fatos mostrados na tela, saber se aconteceu realmente, como foi a repercussão na época. Se atualmente algumas coisas soam pesadas, imagine como eram há quase 40 anos. Mas aí nos lembramos de quando uma girlband cantou no programa da XuxaDon’t want no short dick man (Não quero um homem de pau pequeno)” com várias crianças dançando ao seu redor e aquele clique vem na cabeça: “isso deve ter ido ao ar e ninguém criticou”. É como se no passado as coisas eram levadas com mais leveza. Uma das partes mais divertidas da produção é quando a cantora Gretchen (interpretada por Emanuelle Araújo) se apresenta no programa do simpático palhaço com o hit “Conga La Conga” usando um vestido curtíssimo e os câmeras ousando nos takes da moça.

O filme mostra o começo do vício de drogas do ator e como isso interfere com sua vida profissional e pessoal de uma forma irreverente, mas também muito tocante em certos pontos. A vida de Arlindo que durante muito tempo era regada a muito álcool e sexo foram inseridas de uma forma que não demonstrou em nenhum momento alguma vulgaridade ou exageros. Foi tudo feito de uma forma muito bem arquitetada.

A direção de fotografia também foi muito bem desenvolvida e os planos são muito bem feitos. Desde os começo, quando se mostra a antiga carreira do nosso ‘Bozo’ na pornochachada ao fim de sua carreira na TV, o filme apresenta transições excelentes.

Destaque para as atuações de Vladimir Brichta na pele do protagonista: parece que foi tudo pensado para ele. Caiu como uma luva. Ana Lúcia Torres e Leandra Leal também estavam no ponto e a química das duas com o personagem deixavam seus núcleos ainda mais críveis. 

Bingo – O Rei das Manhãs é um dos primeiros filmes que exploram elementos tangíveis da história brasileira. Sem medo de ousar, sem se esconder ou sem querer agradar aos envolvidos. Vale lembrar, é uma produção da Warner Bros e é um dos poucos produtos nacionais que chegam aos cinemas sem passar pela Globo Filmes, e talvez isso surpreenda: um filme de excelente qualidade que não precisou da gigante para ter um bom resultado final. Que isso seja apenas o primeiro passo para mais produtos deste porte por aí.

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Crítica: Death Note (2017)

A adaptação norte-americana do mangá/anime Death Note estreou nessa sexta-feira (25/08) no catálogo da Netflix. Dirigido por Adam Wingard e estrelado por Nat Wolf, o filme acompanha um jovem estudante, Light Turner (Nat Wolf), um jovem isolado e inteligente, que acha um caderno com um misterioso poder: o dono do caderno tem o poder de matar quem ele quiser apenas escrevendo o nome de sua vítima em suas páginas. O caderno pertencia ao deus da morte/shinigami, Ryuk (com voz de Willem Dafoe), e a criatura passa a explicar as regras do caderno para Light, que passa a usar o caderno como para matar criminosos, e assim “fazer um bem para a sociedade e o mundo”.

Light também tem o auxílio de Mia Sutton (Margaret Qualley), uma outra estudante, e juntos vão eliminando um criminoso por vez; e sob a alcunha de Kira, ganham o apelo popular, que torcem para que cada vez mais criminosos sejam punidos, e assim a “justiça” ser finalmente feita.  A onda de assassinatos chama a atenção de L ( Keith Stanfield), o maior detetive do mundo, que passa a investigar as misteriosas mortes.

O filme já sofria com várias polêmicas, mas a principal delas é o fato de eles usarem do artifício do whitewashing e colocarem um ator branco em vez de um ator asiático para protagonizarem o longa. A situação só piora devido a “desculpas” dos produtores que disseram que “não acharam um ator asiático que falasse inglês fluentemente”.   

Death Note dividiu opiniões antes mesmo de ser lançado, com pessoas achando que poderia ser uma boa adaptação, por ser um original da Netflix; outros já acreditando que o filme seria tão ruim quanto Dragon Ball Evolution. Estas últimas não poderiam estar mais certas, Death Note é um filme tão ruim quanto Dragon Ball Evolution, se não pior. Isso, é claro, se o enxergarmos como uma adaptação. Se assistirmos Death Note como um filme isolado, sem compararmos com o anime ou o mangá; ainda continua um filme muito ruim, porém que rende boas risadas.

Imagem: Netflix

ATENÇÃO: ALGUNS SPOILERS ABAIXO

Eu, particularmente, já estava propensa a achar Death Note um filme ruim, desde a escolha, mais uma vez, de “embranquecerem” um personagem oriental com a “desculpa” de que a história se passa no ocidente. Existem asiáticos nascidos nos EUA, e são tão americanos quanto o Nat Wolf. Porém, não irei me estender sobre o assunto, pois não tenho propriedade para isso, mas fiquem com um vídeo do canal Yo Ban Boo  em que eles explicam o quão errado foi a escolha de colocarem um protagonista branco. No vídeo eles também falam sobre o L ser interpretado por um ator negro, e como diferente da escolha de seu protagonista, essa troca de etnia foi válida:

No entanto, partindo do filme em si, Death Note é um filme com muitos problemas: desde um roteiro fraco, atuações medíocres (tirando Keith Stanfield, que fez o ótimo Get Out e a dublagem de Willen Dafoe) e uma trilha sonora que não condiz com as cenas do filme. E isso se o analisarmos como um filme isolado. Ao compararmos com o seu material de origem, o longa só piora. Temos um Light Turner emburrecido e que nem de longe lembra o estrategista frio, calculista e narcisista que Light Yagami é no anime/mangá. Não sei se foi uma má direção de Adam Wingard, mas Nat Wolf fez uma interpretação caricata que beira ao satírico, uma interpretação bem vergonha alheia.

Imagem: Netflix

A caricatura/sátira é algo presente durante todo o filme, desde a escolha da trilha sonora (nos créditos do filme toca The Power of Love, que você deve conhecer como O amor e o poder), as cenas de mortes bizarras, as interpretações cheias de caras e bocas, principalmente de seu protagonista, além de diálogos rasos e cheias de frases de efeito. Na cena em que Ryuk aparece para Light temos uma das cenas mais engraçadas da história dos filmes.

Não sei se a cena deveria ter esse efeito cômico. E é aí que está a minha dúvida quanto a produção do filme: Death Note é um filme muito ruim que não se leva a sério em nenhum momento ou é um filme muito ruim que se leva a sério até demais? Eu realmente quero acreditar que seja a primeira opção.

O romance entre Light e Mia é outro elemento mal trabalhado no filme, com a personagem confiando rapidamente no garoto, sem questionar (muito), o fato de ele possuir um caderno com o poder de matar pessoas e falar sozinho (só o possuidor do caderno pode ver Ryuk). Mia é a que ficou com a personalidade psicopata e narcisística de Light, querendo matar todos que ficavam em seu caminho. Era ela, inclusive, que deveria ter ficado com o caderno desde o início, quem sabe o filme seria “mais interessante” (se desconsiderarmos totalmente o anime/mangá).

Imagem: Netflix

L é o personagem que mais se assemelha a sua contraparte no anime e no mangá. Apesar do roteiro emburrecer e descaracterizar o personagem durante todo o filme, Keith Stanfield pegou os maneirismos e peculiaridades do personagem, e fez uma interpretação bem convincente do detetive, que no início do filme, é sim inteligente. Porém, o roteiro tem tantos furos, que o personagem começa a tomar atitudes não condizentes consigo mesmo; como por exemplo, em nenhum momento questionar como Kira matava as suas vítimas, fazendo que o fato de ele ter descoberto que Light era Kira irrelevante (além de ser visto como um maluco que cismou com um adolescente).

Imagem: Netflix

Em suma, Death Note é um filme muito ruim, e ao assisti-lo o encarei como um daqueles filmes trash de terror com elementos de comédia, o famoso terrir. E se o assistirmos dessa forma, até que o filme se torna divertido, e você não sente que perdeu 1h e 40 min da sua vida.

Death Note já está disponível no catálogo da Netflix.

Annabelle-Criação-6-1
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Crítica de Cinema: Annabelle 2 – A Criação do Mal (2017)

O sucesso de Invocação do Mal (2013) acabou originando um interessante universo cinematográfico, que chega agora ao seu quarto capítulo com Annabelle 2 – A Criação do Mal. Mas, diferente do que o título em português sugere (o título original Annabelle: Creation é bem mais apropriado), o filme não é uma sequência, e sim um prelúdio ao primeiro (e morno) Annabelle, de 2014.

Na história, um artesão fabricante de bonecas e sua esposa sofrem com a morte brutal de sua pequena filha. Anos depois, o casal decide acolher algumas garotas órfãs, na esperança de diminuir a dor da perda. Mas a presença das meninas acaba despertando uma força maligna que estava escondida ali.

O diretor David F. Sandberg, também responsável pelo eficiente Quando as Luzes se Apagam (2016), entende que esse novo capítulo é parte de um universo maior, e que certas convenções devem ser respeitadas. Se o primeiro filme falhava na construção de um clima de tensão constante, marca registrada desse mundo concebido por James Wan, Annabelle 2 – A Criação do Mal segue a cartilha do mestre e consegue deixar o espectador sempre apreensivo.

A linguagem cinematográfica, utilizada para criar a atmosfera do filme, é semelhante a que foi utilizada nos dois capítulos de Invocação do Mal, com o uso de travellings, planos-sequência, transições de foco, etc. A boa construção de cenário, os figurinos e a maquiagem também colaboram para deixar a história ainda mais plausível. Mas talvez o maior mérito de Annabelle 2 seja o desenvolvimento do universo cinematográfico, preenchendo lacunas deixadas no longa anterior, trazendo alguns easter eggs que fazem referência aos outros filmes e dão uma deixa do que vem a seguir.

Annabelle 2 – A Criação do Mal não é um filme original, mas sabe usar bem os clichês do gênero a favor de sua história e cumpre o que promete.

Dica do Beco: não saia do cinema até o fim dos créditos!

Fonte: divulgação
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Crítica: O filme da minha vida (2017)

Antes, eu só via o início e o fim dos filmes. O início, para conhecer a história; e o fim, gostava de assistir porque o fim é sempre bonito.

Assim se inicia O Filme da Minha Vida, longa brasileiro que estreou nos cinemas em 3 de agosto. Primeira adaptação dos parceiros Selton Mello e Marcelo Vindicatto, o filme é baseado na obra Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta (o qual faz uma participação especial em cena que se passa no bordel).

Terceiro longa do Selton-diretor, o filme conta com a participação de um time que já trabalhou com ele em O Palhaço (2011) e, por isso mesmo, foi escolhido minuciosamente pelo diretor: Vania Catani na produção; Claudio Amaral Peixoto na direção de arte; figurino de Kika Lopes; e, a maravilhosa trilha musical de Plínio Profeta. Além de Walter Carvalho na direção de fotografia, o qual já havia trabalho com o Selton-ator em Lavoura Arcaica (2001).

A história principal é apresentada logo de cara, com narração do personagem principal Tony Terranova (Johnny Massaro). Filho de pai francês e mãe brasileira, Tony vai estudar na cidade grande “para ser alguém na vida” e, quando volta formado como professor, seu pai Nicolas (Vincent Cassel) sobe no mesmo trem para voltar para a França.

Fonte: Globofilmes

Saí do cinema aérea, como na cena em que Tony flutua ao admirar as irmãs Madeira, Luna (Bruna Linzmeyer) e Petra (Beatriz Arantes). Eu tinha acabado de assistir a um drama, por que estava tão feliz?

A explicação veio pela trilha sonora que não saiu da minha cabeça, cheguei em casa cantando “Coração de papel”, sucesso de Sérgio Reis na década de 60.

Filmado na serra gaúcha, a obra traz uma atmosfera de saudosismo, seja pela já mencionada trilha sonora (que inclui “I Put Spell On You”; “Errei, Sim”; “Hier Encore”; “Comme d’habitude” e “Voilà”), seja pela fotografia ferrugem de Walter ou pela cuidadosa direção de arte de Claudio.

Além dos já mencionados elementos técnicos, são vários elementos narrativos que reverenciam o passado: as brincadeiras das crianças no colégio, os primeiros amores, a descoberta do sexo, o cinema em preto e branco, os cartazes da antiga Vera Cruz, a viagem de trem.

À saudade, vem se juntar a ausência. Depois da partida do pai, encontramos Tony em um estado de profunda melancolia. Não consegue trilhar seu próprio caminho, nem desenvolver uma relação amorosa com sua melhor amiga Luna. A figura paterna não está mais presente, porém, deixa uma sombra da qual Tony não consegue se libertar. Tony não vive, apenas espera. Olha para as fotografias na parede que congelam o passado à que ele tanto se apega. Sonha com o pai, lembra-se de sua infância, olha para a antiga moto de Nicolas e mal consegue encará-la: “Nas costas da memória sigo revirando as suas lembranças”.

Assim como Tony, a primeira metade do filme é arrastada, lenta, guiada pelo sonho. Em certo momento, Luna diz à sua irmã Petra que quando ela foi embora de casa, o tempo para Luna parou. O mesmo acontece para Tony, a imagem do relógio parado é a sua vida, contudo, ela pode ser consertada, e o ponteiro voltar a girar.

Depois de escrever uma carta ao pai, Tony chega à conclusão de que “é hora de encontrar o mundo” e, neste ponto, a narrativa ganha ritmo mais acelerado. Seguindo os conselhos do amigo Paco (Selton Mello) de que “cara feia não bota ninguém pra frente” e “toca os teus caminhos, guri”; Tony pode agora desenvolver sua paixão por Luna, permitir-se ser feliz, caminhar. E é exatamente quando se decide seguir para o futuro, que o passado enfim se resolve.

ATENÇÃO: O TRECHO ABAIXO CONTÉM SPOILERS

No alto do cinema, na sala de projeção, enquanto Tony e Luna assistem a O Rio Vermelho (1948, de Howard Hawks), o projecionista ouve com atenção a uma fala do filme: “toda vez você olhará para trás, esperando me ver, mas a única vez que você não olhar, eu estarei lá”. O projecionista se revela sendo Nicolas, que decide voltar à vida do filho.

O diálogo com a linguagem cinematográfica também é estabelecido, seja no título do filme (“o filme da minha vida” seria O Rio Vermelho ou a própria história de Tony cheia de reviravoltas?), nas idas à sessão, nos cartazes, no projetor ou nos rolos de película.

Interessante notar que a obra chama atenção a todo o momento para si, para a importância de não se perder uma palavra, um detalhe, porque “o meio é tão importante como o final”. Parece dizer em cada cena “para, olha, escuta. Tudo tem seu tempo, espera”.

Do ponto de vista do roteiro, tal atenção fica evidente nas frases que se encaixam perfeitamente (e explicam) a história dos personagens. Até mesmo a frase original do filme O Rio Vermelho (“toda vez que você olhar para trás, espere me ver, porque uma vez você se virará e eu estarei lá”) acaba por ser modificada para se encaixar melhor à narrativa.

Com relação à direção, Selton opta por se utilizar, em boa parte do filme, de planos próximos dos personagens, mostrando a importância de suas expressões e sentimentos.

Fonte: making of

Após o reaparecimento de Nicolas, Selton consegue amarrar perfeitamente toda a tensão construída até aquele momento. Tudo é explicado. O sobressalto de Paco ao ouvir Tony falar das belezas de Petra; o sumiço da moça; o não recebimento de nenhuma carta do pai; a grande atenção dada ao fato de Tony querer ir ao cinema; a insistência de Paco em fazer com que Tony esqueça o pai; o interesse daquele pela mãe deste; a menção de Tony ao fato de que não precisa de luvas de boxe, pois nunca bateu em ninguém.

A interpretação de Johnny Massaro consegue mostrar a trajetória do herói durante a narrativa: de garoto melancólico vivendo à sombra do pai, a senhor de seu próprio destino. O arco dos personagens Paco e Nicolas também se desenvolve e conseguimos ver nitidamente sua transformação.

Os trilhos e o trem são, na verdade, o maior signo e metáfora dentro da obra. Rolando Boldrin interpreta o maquinista Giuseppe, personagem criado especialmente para ele e que não está presente no livro de Skármeta. Boldrin é uma figura mítica dentro da obra, assim como Caronte carrega as almas dos recém-mortos, Giuseppe é aquele que leva os corpos dos vivos aos seus destinos, “para resolver seus problemas”.

Fonte: Globofilmes

O único pecado da obra talvez resida justamente na transparência de seu campo metafórico, com frases explicativas e filosóficas colocadas durante todo o filme, o que acaba por trazer seu significado “mastigado” demais ao espectador. Um bom enigma é aquele que não se deixa revelar tão facilmente e que, por isso mesmo, faz com que sua descoberta seja mais satisfatória.

O primeiro e um dos últimos planos do filme mostram o mesmo enquadramento: a linha de trem à esquerda, uma estrada de chão à direita. No início, um trem passa enquanto a estrada permanece vazia, é Tony que trilhará seu caminho para descobrir seu lugar no mundo.

No fim, o mesmo trem passa novamente, levando a mãe de Tonny, Sofia (Ondina Clais), única personagem que não é desenvolvida durante a narrativa, enquanto Tony e Luna seguem de moto pela estrada da direita.

É a vez de Sofia ser levada pelo trem para seu destino, para que sua trajetória se desenvolva, enquanto Tony, que já passou simbólica e literalmente por esse percurso, corre livre e satisfeito seu próprio caminho.

 

*Agradecimento especial à Beatriz Abrucez pela revisão do texto

Malasartes
Malasartes
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Crítica de Cinema: Malasartes e o Duelo com a Morte (2017)

Pedro Malasartes (ou Malazartes) é um tradicional personagem do folclore cultural português e brasileiro.  Os primeiros registros do personagem datam dos séculos XIII e XIV, na Europa. No Brasil, o caipira chegou a participar das histórias do Sítio do Picapau Amarelo, e foi imortalizado por Mazzaropi (1912-1981) no filme As Aventuras de Pedro Malazartes, de 1960. Depois de um tempo esquecido, Pedro Malasartes está de volta aos cinemas numa superprodução, dirigida por Paulo Morelli, (do premiado Entre Nós), recheada de efeitos visuais.

Na trama, Pedro Malasartes (Jesuíta Barbosa) vive de pequenos golpes para levantar um dinheiro aqui e ali e conseguir se sustentar. O caipira tem um fraco por mulheres, mas seu coração bate forte mesmo por Áurea (Ísis Valverde), sua paixão. Mas Áurea tem um irmão, Próspero (Milhem Cortaz), que não quer ver o malandro nem pintado de ouro, e muito menos se engraçando com sua irmã. Paralelamente, a Morte (Júlio Andrade) não aguenta mais passar a eternidade tirando vidas, e planeja uma aposentadoria. Mas é preciso alguém para assumir tal tarefa. É nesse cenário que os caminhos de Malasartes e da Morte se cruzam.

Malasartes e o Duelo com a Morte se divide entre o real e o fantástico. Entre a vila do interior, onde Malasartes aplica seus golpes, e algum lugar sombrio, onde a Morte reina. Essa mistura remete diretamente a obra de Ariano Suassuna, O Auto da Compadecida, que se tornou um clássico do cinema nacional, ao ser adaptado por Guel Arraes, em 2000.

Do orçamento de R$ 9,5 milhões de reais, R$ 2 milhões foram dedicados somente aos efeitos visuais. Boa parte desses efeitos foram usados para criar o universo paralelo fantástico onde vive a Morte. Se por um lado a computação gráfica convence, já que é uma história que mistura realidade e fantasia, por outro, o uso excessivo desses efeitos acaba comprometendo a narrativa do filme. O espetáculo visual acaba deixando a trama um pouco de lado. Mas mesmo assim, Malasartes e o Duelo com a Morte é divertido, leve e envolvente. E o elenco afiado certamente contribui para a diversão.

Jesuíta Barbosa, que costuma atuar em dramas muito densos, esbanja carisma como protagonista e Ísis Valverde (atualmente no ar como a ardilosa Ritinha, na novela A Força do Querer) diverte como a doce e ciumenta Áurea. O inseparável amigo Candinho, interpretado por Augusto Madeira, completa o trio de “heróis às avessas”. Destaque também para Júlio Andrade, que faz da Morte um vilão bem caricato, porém convincente. O elenco ainda tem participações de Leandro Hassum e Vera Holtz.

Malasartes e o Duelo com a Morte é uma divertida comédia, bem brasileira, que resgata um importante personagem da nossa cultura para uma nova geração.

Imagem: Divulgação
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CRÍTICA: Se eu fosse você 2 (2009)

“Se eu fosse você 2” continua contando as peripécias do casal Cláudio (Tony Ramos) e Helena (Glória Pires). Anos depois da troca de corpos que eles sofreram no primeiro filme, há uma nova crise que os levam à beira do divórcio. Bem no meio do processo, uma nova situação acontece e eles são novamente jogados um no corpo do outro. Junto com isso, um novo drama se instaura na família: a filha do casal, Bia (Isabelle Dummond), já com 18 anos, está grávida do namorado e eles vão casar. Então, recapitulando: divórcio, gravidez inesperada, casamento e…outra gravidez inesperada. É isso mesmo, Helena estava grávida antes da troca e, agora, Cláudio vai viver essa experiência no corpo dela. Sonho de toda mulher, né?

Imagem: Divulgação

Imagem: Divulgação

A comédia honra a franquia e damos muitas risadas ao ver Tony Ramos e Glória Pires interpretando um ao outro fingindo ser o outro. É complicado, mas muito engraçado, apesar de, na minha opinião, o primeiro filme ter sido melhor. Talvez por ser novidade ou pelo roteiro ser mais elaborado, o que sempre costuma acontecer com as franquias. Cheio de atores globais como é de praxe nos filmes nacionais, o filme traz só nomes de peso como Isabelle Drummond, Cássio Gabus Mendes, Adriane Galisteu, Ary Fontoura e o saudoso Chico Anysio. Como aconteceu no primeiro filme, questões profundas são abordadas com muito humor, mas não deixam de trazer uma profunda reflexão. Um dos maiores dilemas é quando a Bia questiona seu próprio casamento por não achar que será feliz, já que os pais que eram seu maior exemplo estão se separando.

Imagem: Divulgação

Imagem: Divulgação

O filme estreou nos cinemas nacionais em 2009, produzido pela Globo Filmes e dirigido por Daniel Filho, mas não foi muito bem recebido pela crítica. Muitos criticam o final já conhecido e as piadas repetidas focadas sempre nas diferenças entre homens e mulheres e na graça de vê-los tentando se adaptar ao mundo um do outro. Como quando Helena no corpo do Cláudio vai ao shopping e reclama sobre a falta de opções de cores para roupas masculinas, sendo rotulada como gay pela vendedora. Ou quando Cláudio no corpo de Helena sugere que o casamento da filha seja uma festa junina e se irrita por não saber a diferença entre vários tons de branco. Realmente, não há nenhuma surpresa no roteiro, nenhuma reviravolta bombástica, mas temos que levar em consideração que é um filme leve com o objetivo simples de distração. Aquele filminho para assistir com a família em um domingo à tarde e rir sem muita coisa para pensar. Aliás, temos que admitir que as diferenças entre os sexos são uma fonte inesgotável para piadas.

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Crítica: O Círculo (2017)

Baseado no livro homônimo de Dave Eggers (a resenha do livro já está disponível no Beco). Roteiro: James Ponsoldt e Dave Eggers. Direção: James Ponsoldt. Elenco: Emma Watson, Ellar Coltrane, Glenne Headly, Bill Paxton, Karen Gillan, Tom Hanks, John Boyega, Patton Oswalt e outros.

O Círculo (2017) tenta desenvolver uma reflexão importante a respeito da influência da tecnologia nas relações humanas, e como consequência interferindo nas condições de poder político e social, mas peca ao apresentar argumentos rasos e representar um mundo demasiadamente ingênuo. Mae (Emma Watson) é uma menina simples, trabalhadora e, aparentemente, sem grandes ambições além de conseguir dar suporte financeiro a sua família, já que seu pai (Bill Paxton) tem esclerose múltipla e os tratamentos são muito caros. A reviravolta na vida da personagem acontece quando ela consegue uma entrevista de emprego, através da amiga Annie (Karen Gillan), no Círculo, uma empresa de tecnologia aos moldes do Google e do Facebook que mascara jornadas de trabalhos exaustivas com um ambiente descontraído e divertido. Começando como uma simples atendente de telemarketing, logo que Mae começa a trabalhar no Círculo surge a necessidade de morar no campus para que ela possa aproveitar as atividades “extracurriculares” (outra estratégia para desconstruir a ideia moderna do trabalho, fazendo parecer que ali é uma espécie de universidade), há uma constante necessidade de compartilhar na rede tudo o que se está fazendo (“sharing is caring” é o lema da empresa), e se isso já não fosse controle o suficiente, o desempenho dos funcionários é medido através de notas dadas pelos usuários que buscam o atendimento da empresa.

O Círculo, como uma grande empresa de tecnologia, se estende em muitos segmentos da vida digital, isso inclui ter uma rede social própria, o TrueYou (parece algo que você conhece?), e criar hardwares de vigilância, como uma câmera do tamanho de uma bola de gude e totalmente transparente. Como parte da iniciativa chamada SeeChange, Bailey (Tom Hanks), o CEO do Círculo, dá um discurso apresentando a nova câmera e suas vantagens como instrumento de mobilização social, através dessa iniciativa seria possível mostrar o que verdadeiramente acontece em tempo real, em qualquer lugar. O primeiro uso da câmera foi para supervisionar uma política, tornando-a “transparente” e colocando em pauta a premissa de “quem não deve, não teme”. Você deve pensar, é nessa parte que alguém desconfia da violação do direito à privacidade, certo? Mais ou menos. Mae só vê as reais intenções da empresa quando conhece, sem saber, o programador/criador do TrueYou (John Boyega) e ele a alerta sobre os planos de Bailey em fazer disso uma realidade para todos os membros do governo. No entanto, mesmo sabendo dos planos da empresa, Mae acredita fortemente na legitimidade da atividade de vigilância proposta pelo Círculo.

É quando Mae invade o lugar que frequenta quase que diariamente para alugar um Caiaque, e se afoga no rio, que a trama começa apresentar seus argumentos sobre esta constante vigilância proposta pelo Círculo. O que Mae não sabia é que perto deste lugar havia uma das câmeras da iniciativa SeeChange, gravando a personagem se esgueirando para passar entre as grades fechadas do recinto, e Mae só é salva pois no momento de captura da infração pela câmera a polícia foi acionada. Após o incidente, a personagem é chamada pelo seu chefe, que a faz ver o “lado bom” da vigilância. Exercitando a lógica, Bailey mostra a Mae que ela cometeu um crime pois acreditava que ninguém estava olhando, logo, uma super vigilância faria com que as pessoas pensassem duas vezes antes de infringir a lei. Mae não só acredita no discurso de Bailey como decide, ela mesma, se tornar “transparente”, tendo a sua vida mostrada 24h por dia, destruindo totalmente a fronteira entre o público e o privado.

Os personagens tocam em assuntos delicados quando a trama parece apenas tratá-los de maneira superficial. Dessa forma, ao ouvir termos como “uma verdadeira democracia”, ou até mesmo o conceito de se tornar “transparente”, devem ser mencionados sempre com aspas pois o roteiro se quer tenta esclarecer as ideias por trás desses termos, quando não os trata de forma equivocada. Ser “transparente” em O Círculo não é ser “limpo” perante a sociedade e estar dentro da lei, mas fazer parte de uma massa homogênea sem identidade. O conceito de total vigilância apresentado no filme lembra o dispositivo panóptico de Foucault, “unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente”. Se tornando mais um instrumento de poder, Foucault coloca que esta prisão de vigilância permanente e onipresente torna tudo visível, desde que o próprio instrumento se torne invisível. É através do disfarce que se exerce o poder vigilante, como o questionamento do autor em Vigiar e Punir: “devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?”.

Além de trazer uma discussão rasa, as relações entre os personagens que participam de grandes arcos narrativos, como Mercer (Ellar Coltrane) e Annie, são fracas demais para desempenhar papéis tão decisivos na trama. A narrativa de O Círculo está longe de ser apenas ficcional, claro. Sabemos que nossos dados, nossa localização, o que fazemos, o que comemos, onde fomos ontem e onde estamos agora, tudo está na nuvem. Mas o filme, apesar de ter em mãos uma discussão importantíssima e que não é recente, tende para um lado argumentativo que corrobora com a ideia de que ser “transparente” é a solução de grande parte dos problemas da sociedade: a criminalidade, a corrupção, a violência, etc. A trama ignora totalmente o fato de que estes problemas são sintomáticos, isto é, por trás deles há uma série de outras mazelas sociais e políticas.

O Círculo pode até tentar trazer os dois lados da discussão, mas o seu final parece atestar que abrir mão da privacidade para sanar problemas sociais é uma ótima ideia, e parece não levar em conta que este é um dos primeiros passos para um regime totalitário, indo totalmente contra todo o conceito (equivocado) de “verdadeira democracia”. Deve-se assistir O Círculo tendo em mente a famosa frase de Foucault: “a visibilidade é uma armadilha”.

Críticas de Cinema, Filmes

Crítica: War Machine (2017)

Baseado no livro The Operators: The Wild and Terrifying Inside Story of America’s War in Afghanistan de Michael Hastings. Direção e roteiro por David Michôd. Elenco: Brad Pitt, Anthony Hayes, John Magaro, Anthony Michael Hall, Emory Cohen, Topher Grace, Ben Kingsley, Scoot McNairy.

War Machine (2017), um filme original da Netflix, traz uma sátira a respeito das instituições norte-americanas envolvidas nos conflitos do oriente médio. Narrado por Sean (Scoot McNairy), um jornalista da revista Rolling Stones que mais tarde realiza um ponto-chave no desfecho da trama, o filme apresenta a história do General McMahon (Brad Pitt), um oficial do exército famoso por seu carisma, disciplina e pensamento estratégico, que substitui a liderança do combate no Afeganistão com uma equipe selecionada a dedo, contando com cargos específicos além dos tradicionais postos militares, como por exemplo um diretor operacional, um relações públicas, um publicitário e um especialista em tecnologia.

McMahon é um general, é autor de um livro (sim, ele também escreveu sobre suas experiências), é um líder, é um “herói”. Sua equipe o vê com profunda admiração e respeito, não somente por ele ser superior a eles, mas de uma maneira como se o general desse sentido a suas vidas. McMahon e sua equipe internalizam um discurso assistencialista, e formam uma operação que ultrapassa alguns limites para alcançar seus objetivos (o que acontece com mais frequência do que gostaríamos), provando que o próprio governo subestima o poder político do exército. Dessa forma, é natural que ao ter seu pedido negado para receber mais tropas, o general arquitete um plano que envolve vazar um relatório governamental da situação no oriente médio, participar de uma entrevista televisiva, e permitir que um jornalista da Rolling Stones acompanhe sua equipe durante alguns eventos na Europa.

David Michôd coloca em pauta na narrativa uma reflexão importante para uma sociedade como a nossa, apresentando as mazelas da interferência política, econômica e social norte-americana no território do oriente médio, o diretor e roteirista de War Machine expõe uma sociedade que vive de tensionamentos e da sua constante exploração midiática. Mantendo um olhar crítico, mas ao mesmo tempo delicado, sobre o tema, o filme respeita dualidades relevantes que são evidenciadas através de uma política alemã vivida por Tilda Swinton: o general McMahon realmente acredita que está ajudando o povo ou tudo isso se trata de uma realização pessoal? Se a operação liderada por ele no Afeganistão é assistencialista, por que ele vive repetindo que irá vencer a guerra?

Para justificar sua atividade McMahon tem na ponta da língua o velho discurso progressista de Tio Sam (que mais parece um disco quebrado): eliminar os rebeldes, estabelecer um governo democrático, ajudar na construção da infraestrutura local e desenvolver o mercado. A crítica feita em War Machine para discutir as incongruências dessa falatória é sutil e carregada de ironia, como na cena em que McMahon visita uma plantação – que supostamente seria para alavancar a agricultura local, dar empregos e etc – da planta que origina a heroína. Ele questiona o produtor (um norte-americano, por sinal) se não há outra planta possível de se cultivar ali, e a resposta é tão sincera que beira a comédia: sim, eles poderiam estar plantando algodão, mas isso prejudicaria o mercado norte-americano de algodão, então é melhor plantar heroína. A construção do personagem de McMahon também leva em conta essa carga satírica da trama, e Brad Pitt faz uma caricatura na medida certa para este papel, adicionando caras e bocas à interpretação do general, além de um estilo de corrida característica dos rangers do exército norte-americano.

O fio condutor de todas essas reflexões é a mídia. É através dela que McMahon chama a atenção do governo para atender sua demanda, e é através dela que sua carreira acaba. Através do artigo publicado por Sean na Rolling Stones, revela-se o caráter ambivalente da mídia, mostrando o seu poder e, sobretudo, seu potencial – muitas vezes ignorado ou usado erroneamente – para mudar o curso da história. Porém, ao mesmo tempo que McMahon é demitido de seu cargo, o diretor David Michôd realça que o general é substituível, como qualquer um no sistema capitalista. A cara da mudança é um novo general e uma nova equipe com, aparentemente, o mesmo sistema. Até que ponto há uma mudança?

Baywatch - S.O.S. Malibu
Críticas de Cinema, Filmes

Crítica: Baywatch – S.O.S. Malibu (2017)

Quando você começa a assistir um filme e já sabe o que esperar dele logo nos primeiros dois minutos. Ver Baywatch é como se sentir um roteirista de cinema, pois facilmente você prevê o que vai acontecer em seguida. Não tem aquele elemento surpresa que te faz pensar “nossa, não esperava por isso”.

O filme se limita a mostrar aquele estereótipo de praia cercada por mulheres esculturais, homens másculos e teor sexual nas alturas. No meio disso, existe o enredo, que é aquele tipo bem previsível que falamos acima. Estar na equipe de salva-vidas de Malibu é o sonho de muitos jovens, que ano após ano tentam ingressar nessa elite comandada por  Mitch Buchannon (Dwayne Johnson), o queridão de tudo e todos. Enquanto novos recrutam passam por provas para conquistar um lugar ao sol, chega Matt Brody (Zac Efron), nadador olímpico com uma série de problemas de imagens (remete bastante a Michael Phelps), que precisa cumprir condicional fazendo trabalhos comunitários. Já conseguiu adivinhar o que acontece?

Imagem: Divulgação

É a partir daí que embarcamos naquela montanha-russa sem loopings, não tão alta e que a gente já sabe que o máximo que vai ter no final é um riso ou outro: o garoto ruim que tenta se redimir, quer beijar uma moça bonita… e sem se esquecer de talvez o a melhor coisa disso tudo: C.J. Parker e Ronnie (Jon Pass) naquele esquema de mulher super atraente que se apaixona pelo gordinho nerd. Ronnie inclusive é capaz de arrancar algumas risadas tentando provar ser atlético quando comparado a Brody.

Belinda faz ponta no filme – Imagem: Divulgação

Um dos pontos altos (ou talvez único) foi a participação da atriz e cantora mexicana Belinda, que é resgatada de um barco pegando fogo. O que tinha tudo para ser um excelente plot foi ofuscado pelos efeitos especiais dignos de uma novela do SBT. Ou daqueles vídeos do Youtube em que alguém simula fogo. Uma tomada tão grotesca que durante o filme todo você volta a se lembrar “como deixaram isso passar?”.

Dito tudo isso, o segredo para assistir Baywatch e sair com uma impressão positiva é entender que o próprio filme não se leva a sério; É a comédia pastelona que aparenta ser nos posters de divulgação. É clichê e irônico ao mesmo tempo. Com abuso das cenas de slow motion que de primeira é engraçado mas depois se torna uma muleta chata. Ah, e tem a Pamela Anderson no final, que aparece durante 5 segundos. Fora isso, um filme pra quando não se tem uma outra melhor opção.