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Como descobrir se tenho “Síndrome do Impostor”?
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Como descobrir se tenho “Síndrome do Impostor”?

Apesar de não ser considerado pela Organização Mundial da Saúde – OMS um transtorno psicológico, certos acometimentos, embora considerados “comuns”, como ansiedade, insegurança e dúvidas, quando em demasia, podem caracterizar um quadro, chamado por especialistas de “Síndrome do Impostor”.

Também conhecida como fenômeno do impostor, essa síndrome é caraterizada por uma incapacidade de aceitar o próprio sucesso, em uma falsa ideia de “ser uma fraude”, para si e para os outros. “O indivíduo possui dificuldades em reconhecer suas evoluções e conquistas, mesmo em um contexto que as deixe evidentes”, esclarece a psicóloga do Grupo São Cristóvão Saúde, Aline Melo. Segundo a especialista, embora não seja oficialmente reconhecida como um quadro clínico, deve ser avaliada e reconhecida como desordem psicológica por um profissional qualificado.

+ 5 passos para ter mais responsabilidade afetiva

As pessoas que sofrem com a “Síndrome do Impostor” possuem medo de exposição, intolerância às próprias falhas, dificuldades em lidar com elogios e estão mais propensas a desenvolver quadros de ansiedade e estresse, além de terem a autoestima e a autoconfiança extremamente abaladas. De acordo com Aline Melo, “ambientes de trabalho e acadêmicos podem gerar grande impacto na vida desses indivíduos, pois há forte tendência na autossabotagem, por meio de percepções distorcidas e dificuldade em aceitar novos desafios, por receio de ser descoberto como uma fraude”. Ainda segundo a psicóloga, “as habilidades sociais também são afetadas, gerando baixo convívio social e maior isolamento”.

Essa desordem pode estar relacionada a experiências desde a infância, como excesso de cobranças absorvidas como crenças e reforçam a dificuldade de fortalecer a autoconfiança, uma vez que o paciente se sabota constantemente. Segundo a psicóloga, “o tratamento se faz por meio da psicoterapia, no intuito de colaborar com o paciente no processo de internalizar suas qualidades e competências”.

O autoconhecimento por meio da autoconscientização desses comportamentos e percepções é uma ferramenta de extremo impacto. “Outro ponto que pode colaborar para uma melhor avaliação e interrupção desse ciclo é a confrontação de pensamentos autossabotadores, de maneira saudável e produtiva, baseado nas evidências positivas percebidas no cotidiano e em seus resultados”, complementa Aline.

Validar e buscar a aceitação de feedbacks sobre suas conquistas também pode ser uma forma de trabalhar diariamente essas percepções, de modo mais racional e técnico. O acompanhamento psicológico ajudará a descobrir quais são seus pontos fortes e talentos, de modo a fortalecê-los, assim como respeitar suas falhas e limitações, reformular o pensamento e compreender que ninguém é perfeito. Sendo assim, caso haja identificação com um ou mais pontos descritos acima, a busca por um profissional da saúde como mentor é essencial para direcionamento do paciente, para auxiliar na identificação de gatilhos e reduzir sofrimentos desnecessários.

Review: Casamento às cegas - Brasil (2021)
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Review: Casamento às cegas – Brasil (2021)

Casamento às cegas é um reality show brasileiro da Netflix, que assim como a maioria, importou seu formato de fora do país. Consiste em um experimento: no início, homens e mulheres conversam entre si em uma cabine, um sem ver o outro. E a partir disso, precisam dar um match e se pedirem em casamento, para que então, possam se conhecer pessoalmente. Essa primeira fase, tem uma vibe meio “Solitários”, exibido pelo SBT há alguns anos. Os homens podem interagir entre si e as mulheres também, mas homens e mulheres só interagem na cabine. A primeira coisa que me chama a atenção nesse ponto é: temos apenas casais héteros e cisgêneros, dentro do padrão.

Review: Elite (2018)

Depois que os casais se conversam, o experimento de Casamento às cegas vai para a segunda fase: a de formar casais. São cinco que conseguem dar o match e vão para uma espécie de lua de mel, em um resort, com tudo o que tem direito, para que possam se conhecer melhor. Nas conversas das cabines, me lembro de pensar: meu Deus, por que esse pessoal todo não se junta e faz um pacote de terapia? É nítido que a paixão que eles criam pelo outro, é por suas próprias fantasias e projeções. Você compra uma ideia na cabine que já vem de você, mas que parece estar no outro e acredita que aquilo é amor. Depois, na lua de mel, apesar dos primeiros atritos, tudo ainda é fácil. É simples dizer que ama o outro em um resort cinco estrelas, com champanhe e nenhuma preocupação cotidiana.

Na terceira fase do experimento, a coisa começa a ficar complicada: os casais vão morar juntos, experimentar a rotina de verdade de um casamento. Aqui, é o retrato mais real de uma vida conjunta. Os problemas surgem, o jeito do outro incomoda, tudo o que era uma qualidade nas conversas das cabines é um defeito agora… Mas, tudo é em nome do amor, certo? O fato é que é impossível amar o que não se vê e o que não se conhece. Os participantes são movidos pela paixão e pela fantasia que nutre esse sentimento e acham que isso é amor, quando na verdade, amor é escolha, é construção, é ver o outro como ele é. O amor é enxergar o outro despido de nossas projeções e de nossas fantasias e idealizações.

Em Casamento às cegas vemos as pessoas entrarem em atrito por perceberem que o outro não é responsável pelas suas expectativas. Compra-se uma ideia invisível, na cabine, que alimenta de forma não saudável uma ilusão do imaginário coletivo das pessoas. E quando a projeção já está estabilizada, ela é colocada com toda força no colo do outro, que não corresponde às expectativas. Afinal, a expectativa é sempre nossa. Ao meu ver, o programa escancara as vulnerabilidades de seres humanos imperfeitos e, talvez, os faça enxergar que primeiro vem o amor próprio, depois o amor recíproco. É preciso entender que quem segura os seus B.Os é você, e não o outro. O outro precisa vir para somar e essa é uma construção diária e que pode levar tempo.

A mensagem que o reality show nos deixa é que precisamos enxergar a outra pessoa para então, poder ama-la. Quando tornamos o outro invisível, alimentamos as nossas projeções e expectativas e as colocamos acima da pessoa humana real e tangível que está na nossa frente, com erros, acertos, desejos e sentimentos. O outro pode sim, corresponder ao que esperamos. Mas, não é sempre que vai ser assim. O que nós esperamos é fantasia. O que acontece no real é distante do que acontece no nosso imaginário. E é isso que Casamento às cegas nos mostra, de forma tão dolorida, disfarçada de programa de entretenimento.

Depressão ou só tristeza?
Atualizações

Depressão ou só tristeza?

Contrariando o pensamento de muitos, a depressão não é um sinal de fraqueza, falta de pensamentos positivos ou alguma condição que possa ser superada por esforço ou força de vontade de quem a tem. Tampouco se trata de apenas uma “mudança de humor” ou um baixo astral passageiro. Desde o início da pandemia e com a incerteza do futuro, notou-se uma crescente no número de pessoas sofrendo por estresse, ansiedade e depressão. Porém, como identificarmos se um ente querido está realmente sofrendo com esta doença?

+ Ter um pet em casa pode servir de apoio à depressão

Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o “Mal do Século”, o quadro depressivo é um Transtorno Afetivo (ou do humor), caracterizado por uma alteração psíquica e orgânica global e como consequência, altera na maneira de valorizar a realidade e a vida. De acordo com a psicóloga do Grupo São Cristóvão Saúde, Aline Melo, “é importante ressaltarmos que o paciente que sofre dela não tem controle ou não age propositalmente nos sintomas que ocorrem devido ao quadro”, revela a especialista.

Para auxiliar quem está passando por tais dificuldades, além de agir de maneira acolhedora, paciente e amorosa, é necessário ter conhecimento sobre a doença para fortalecer o outro no enfrentamento desse processo. “O não entender do quadro faz o parceiro pensar que, assim como um momento de tristeza, as sensações de quem sofre dessa doença também vão passar logo, ou mesmo comparam o quadro da pessoa com outras situações de sofrimento, com o objetivo de fazê-la sentir-se melhor e diminuir sua dor. Porém, o impacto desta atitude é profundamente negativo e pode gerar um sentimento de culpa no paciente ou de que estão minimizando sua dor”, revela a psicóloga do Grupo São Cristóvão Saúde.

Não se pode afirmar a causa exata da depressão, pois varia entre indivíduos. Antes de bater o martelo no diagnóstico, é possível que o médico peça alguns outros exames para verificar se não há outra doença que possa estar causando os sintomas. Problemas de tireoide, por exemplo, podem causar sintomas idênticos aos de um transtorno depressivo. Dentre os fatores de risco que podem ser um gatilho para desencadear o transtorno, podemos citar:

• Hereditariedade (tendência familiar)

• Efeitos colaterais derivados de medicamentos

• Eventos emocionalmente angustiantes, especialmente quando envolvem uma perda

• Alterações dos níveis hormonais (quando se trata do sexo feminino)

• Certas doenças físicas

Com o isolamento por conta do Covid-19, sentimentos de solidão e tristeza podem surgir, dificultando ainda mais o acolhimento do outro. Sendo assim, a especialista recomenda procurar assistência caso apresente alguns dos sintomas abaixo por duas ou mais semanas:

• Tristeza

• Desânimo e fadiga

• Insônia

• Perda ou aumento de apetite

• Falta de esperança

• Dificuldade em sentir prazer nas coisas

• Sonolência excessiva

• Sentimento de culpa

• Falta de concentração

• Libido baixa

• Sentimentos de medo e vazio

• Insegurança

• Dores pelo corpo, como dor de barriga, tensão nos ombros ou nuca, dor de cabeça, pressão no peito ou até mesmo prisão de ventre

Trazer para perto outras pessoas da família ou de confiança pode contribuir para a melhora deste sentimento. Ao não darmos a devida atenção aos sintomas, um episódio de depressão não tratado costuma durar cerca de seis meses, mas, às vezes, prolonga-se por dois anos ou mais e tendem a se repetir diversas vezes ao longo da vida.

Desse modo, além de procurar profissionais da saúde que possam auxiliar nestes momentos delicados, a principal dica é o autoconhecimento. Leituras de autoajuda, podcasts e outros materiais são ferramentas podem proporcionar conhecimento sobre o tema, mas não substituem o atendimento terapêutico. “Quanto mais compreendermos nosso funcionamento emocional, fica mais fácil de identificarmos quando algo não anda bem em nosso psicológico e tratarmos antes que vire uma patologia mais grave”, finaliza Aline Melo.

As 5 linguagens do amor
Livros, Resenhas

Resenha: As 5 linguagens do amor, Gary Chapman

As 5 linguagens do amor foi um livro que apareceu várias vezes na minha vida e eu o ignorei. Certa vez, fiz leitura de mapa astral e a astróloga me indicou. Não li. Minha analista me indicou inúmeras vezes. Ignorei de novo até que encontrei uma promoção na Amazon e comprei. O resultado? Devorei em dois dias e me arrependi de não ter lido antes.

As diferenças gritantes no jeito de ser e de agir de homens e mulheres já não são novidade há tempos. O que continua sendo um dilema é como fazer dar certo uma relação entre duas pessoas que às vezes parecem ter vindo de planetas distintos. Compreender essas diferenças é parte da solução e é nisso que Gary Chapman vai ajudar você. Com mais de 30 anos de experiência no aconselhamento de casais, ele percebeu que cada um de nós adota uma linguagem pela qual damos e recebemos amor. Quando o casal não entende corretamente a linguagem predominante de cada um, a comunicação é afetada, impedindo que se sintam amados, aceitos e valorizados. Nesta terceira edição de sua clássica obra sobre relacionamentos, que já vendeu mais de 8 milhões de exemplares, Gary Chapman não só explica as cinco linguagens como apresenta um questionário para os maridos e outro para as esposas descobrirem a sua linguagem de amor. Além disso, uma seção especial de perguntas e respostas vai esclarecer todas as suas dúvidas e lhe dar o direcionamento sobre como expressar melhor seu amor a seu cônjuge e ajudará você a compreender a forma dele manifestar o amor. Gary Chapman identificou cinco formas através das quais as pessoas expressam e recebem as manifestações de amor: palavras de afirmação; tempo de qualidade; presentes; atos de serviço; toque físico. Aprendam, você e seu cônjuge, a se comunicar através dessas linguagens e experimentem como é ser realmente amado e compreendido.

O livro de Gary Chapman, logo de cara, pode parecer um daqueles livros de autoajuda coach cristão, que logo de cara eu odiaria. Acho que foi por isso que resisti a tanto tempo, mas, resolvi dar uma chance e me surpreendi. Ele, que é consultor conjugal, identificou em seus pacientes um padrão na hora de demonstrar e receber amor, o que ele chamou de linguagens do amor. No decorrer do livro, ele explica sobre cada uma delas.

+ Histeria e gaslighting: o machismo presente na sociedade contemporânea

O negócio é o seguinte, segundo o autor: as pessoas precisam de amor para sobreviverem, como uma necessidade quase fisiológica. E, dentro de nós, existem “tanques de amor” que de vez em quando estão cheios e de vez em quando, vazios. E esses tanques se mantém cheios quando as pessoas com as quais nos relacionamos (amorosamente ou não) nos demonstram amor na nossa linguagem do amor, ou seja, da forma com a qual vamos nos sentir plenamente amados.

Palavras de afirmação

Quem tem as palavras de afirmação como linguagem de amor primária, precisa ouvir das pessoas que mais ama e considera, o quanto ela é importante. Elogios, palavras positivas, apoio, palavras encorajadoras… Segundo Gary, para quem possui esse funcionamento, as palavras são muito importantes, sobretudo aquelas que funcionam como um reforço positivo. “Você caprichou nessa refeição” ou “Você fica muito bem nessa roupa” são formas de demonstrar o amor para quem tem essa linguagem primária.

Linguagens do amor: Tempo de qualidade

Para quem precisa de tempo de qualidade para se sentir amado, precisa ser entendido. Essa pessoa sente o amor quando pessoas próximas passam um tempo com ela, mas não só presentes fisicamente, mas sim, fazendo algo que seja agradável. Vendo um filme, tendo uma conversa boa, um debate saudável… Pessoas que possuem o tempo de qualidade como linguagem de amor primária gostam de compartilhar o dia e se sentirem importantes. Se você tirar cinco minutinhos do seu dia e entrar na livraria preferida dela, com ela, o tanque de amor já irá nas alturas.

Presentes

Presentes são a linguagem de amor mais fácil de ser compreendida, pelo menos para a maioria das pessoas. São aqueles indivíduos que se sentem amados com a presença da outra pessoa, mesmo que seja para não fazer nada, ou então, são pessoas que se sentem queridas quando são lembradas quando alguém vai viajar e lhes traz um presentinho, por exemplo. Se você ama alguém que tem a linguagem dos presentes, você pode até colher uma florzinha na rua e trazer para ela quando chegar, ela se sentirá a pessoa mais amada do mundo todinho!

Linguagens do amor: Atos de serviço

Para quem se sente amado com atos de serviço, se sentirá amado quando você fizer qualquer coisa para servi-lo. Por exemplo, se você vai até a casa de um amigo que tem os atos de serviço como uma das linguagens do amor primárias e lavar a louça após o jantar, tenha certeza que ele se sentirá a pessoa mais amada do mundo por você. No entanto, não são apenas trabalhos domésticos que contam: qualquer ação pequena significa o mundo para essas pessoas.

Toque físico

Essa linguagem de amor é autoexplicativa. São pessoas que se sentem amadas quando são tocadas, mas não unicamente numa relação sexual, por exemplo. São pessoas que gostam de receberem pequenos toques no ombro, nas mãos, nos braços por exemplo, de forma que se sintam plenamente amadas. Se você der um abraço na pessoa que tem o toque físico como uma das linguagens do amor primárias, pronto, você a ganhou.

O livro, basicamente, se dedica a explicar em detalhes cada uma dessas linguagens do amor e a exemplificar como elas funcionam. Ele também serve como base para aprender a descobrir a sua linguagem de amor primária e a expressar da melhor forma com as pessoas que você ama.

No entanto, como nem tudo são flores, algumas partes do livro deixaram muito a desejar, na minha opinião. Em alguns momentos, o autor utiliza da culpabilização de vítimas de traição e abuso psicológico, sob a justificativa de que essas pessoas não estariam se expressando na linguagem de amor certa dos seus companheiros. Essas partes, assim como todas em que ele começa a colocar a Bíblia no meio, se tornaram totalmente dispensáveis para mim. Foquei na mensagem principal do livro e, no geral, ela foi boa. Só é preciso saber filtrar.

O incômodo
Livros

O incômodo: nova tradução de texto clássico de Freud é lançada pela editora Blucher

A editora Blucher acaba de lançar O incômodo, a nova tradução do psicanalista e tradutor Paulo Sérgio de Souza Jr. para o texto clássico de Sigmund Freud Das Unheimliche, de 1919. Além do ensaio de Freud, o volume é composto por dois outros textos, até então inéditos em português: “Psicologia do incômodo” [Zur Psychologie des Unheimlichen, 1906], de Ernst Jentsch e “Das zonas do incômodo” [Aus den Zonen des Unheimlichen, 2016], de Peter-André Alt.

“Os três textos são importantes para a compreensão do termo e da sensação que traduzimos como incômodo. Psicologia do incômodo é o primeiro a tratar desse afeto, e é com Jentsch que Freud dialoga em seu ensaio – às vezes concordando, outras divergindo, em relação ao que é por ele apresentado”, diz Souza Jr.

Já Alt, que é biógrafo de Freud, contextualiza o que estava se passando no movimento psicanalítico quando O incômodo foi escrito. “Nesse período, em que aconteceu o suicídio de um de seus discípulos, pode-se perceber a complexa relação de Freud com os seguidores que ele não conseguia ‘acomodar’, como queria, em sua doutrina. Além disso, foi nessa época que ocorreu a reformulação dos estados europeus após a Primeira Guerra, e, ao menos para Freud, esse sentimento ligado à perturbação da orientação e à estrangeiridade estava presente, como se pode ler em sua correspondência”, conta o tradutor.

Obra de peso – Curiosamente, embora Freud tenha considerado O incômodo um texto menor em sua obra, a história mostrou o contrário, fazendo com que o ensaio se tornasse importante para muitas áreas além da psicanálise: filosofia, artes plásticas, literatura, cinema… O incômodo já havia sido traduzido para o português em outras oportunidades, o que reforça a relevância da obra: primeiro com o título O estranho – traduzido do inglês -, depois O inquietante e O infamiliar, ambos vertidos do original em alemão, como é o caso de O incômodo.

Significado dúbio – Souza Jr. explica que nas traduções anteriores de Das Unheimliche foram utilizadas palavras distintas para se referir ao afeto que é tema do texto, a partir de diferentes perspectivas. O desafio dessa tradução, segundo ele, foi justamente contemplar a sutileza linguística que está em jogo não só no título, mas no texto todo: um meio-termo entre o familiar e o desconhecido, que traz inquietação e interesse, podendo ser sinistro ou carregado de suspense.

Outro ponto importante nessa tradução do ensaio, em que há um diálogo com a língua, foi a necessidade do uso de uma palavra coloquial, que funcionasse bem como adjetivo e como substantivo, como é o caso de incômodo. “Isso porque, embora o texto de Freud seja sobre questões complexas que demandam reflexão, ele se utilizava da clínica para desenvolver a sua teoria – e, assim, fazia uso de palavras cotidianas. É um termo comum, que não atrai grandes suspeitas; e por isso, ao ser desdobrado, é capaz de provocar a sensação que o texto procura descrever”, diz.

O termo em alemão tem muitos sentidos e Freud usou exemplos de diferentes naturezas, como a sensação incômoda de visualizar o mesmo número repetidas vezes ao longo do dia”, explica. “Pode-se pensar o incômodo como um afeto relacionado com o sentimento de desorientação, de não se sentir em casa ou bem acomodado [Heim significa “lar” em alemão], e à situação de suspense – interlúdio entre uma ação e outra, quando ainda se desconhece o que vai acontecer”, explica Souza Jr.

Ele ressalta que incômodo está ligado geograficamente a um não cômodo – ou um lugar fora de casa -, mas também ao que já foi cômodo e cuja lembrança nos atrai na mesma medida em que é perturbadora. “É este o giro freudiano no argumento de Jentsch, ao pensar o in-cômodo como aquilo que está não só fora ou contra, mais no interior do cômodo – Freud falará do útero como a primeira morada, o cômodo primordial, por exemplo.”

Etimologia e clínica – A opção por traduzir Unheimliche como incômodo se amparou numa ampla pesquisa em dicionários da época, sobretudo os mencionados por Freud, e do trabalho clínico do tradutor, que tem formação em linguística. “Freud começa o texto mencionando um verbete inteiro de dicionário. Na tradução, fiz o mesmo a partir de uma série de dicionários portugueses e brasileiros, desde o século XVIII até hoje. A hipótese é que, se Freud precisou usar o verbete de um dicionário, é sinal de que, por se tratar de uma palavra comum, da qual se sabe o significado corrente, interessava listar os seus sentidos mais surpreendentes e pouco convencionais”, diz.

Mas o lampejo da tradução veio da clínica. Freud usava muito de sua clínica para compor seus artigos; da mesma forma, a tradução do título de O incômodo também se deu a partir dela. “Um analisante estava relatando um sonho ruim, mas que não era exatamente um pesadelo, em sua casa de infância. E então descreveu a cena como algo esquisito, sombrio e de difícil compreensão etc. Ele foi usando todos os termos tradicionalmente relacionados ao sentimento de Unheimliche para, no final da descrição, dizer que, resumindo, tinha sido algo incômodo. Estava lá a tradução de unheimlich para o português brasileiro que eu estava buscando, em meio aos cômodos incômodos de uma casa de infância”, diz Souza Jr.

O incômodo inaugura a série intitulada pequena biblioteca invulgar. De acordo com Souza Jr., que também coordena as novas publicações, a coletânea contará com a tradução de textos inusitados e pouco conhecidos da psicanálise. Entre eles estão os escritos de Bertha Pappenheim – paciente documentada pelo médico e fisiologista Josef Breuer, e que ganhou o pseudônimo de “Anna O.”, no livro que ele escreveu com Freud, Estudos sobre a histeria. Embora Pappenheim tenha ficado conhecida como “a paciente de Breuer”, ela foi uma importante líder feminista, atuando fortemente no campo da assistência social e publicando textos de naturezas diversas.

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Sobre o autor: Médico neurologista e psiquiatra, Sigmund Freud foi criador da psicanálise. Ele iniciou os estudos na área a partir da utilização de técnicas de hipnose para o tratamento de pacientes com histeria. Com a técnica, concluiu que a causa da histeria era psicológica, e não orgânica. Mais tarde desenvolveu conceitos como o inconsciente e uma série de teorias da psicanálise.

Ficha técnica:
Título: O incômodo
Autor: Sigmund Freud
Número de páginas: 160
Formato: 14 x 21 cm
Preço: R$ 40,00
ISBN: 978-65-5506-257-1

Psicanalista especializada em Covid, deitada no divã
Atualizações

A Covid e a impossibilidade de vivenciar o luto

“A Covid é uma doença ainda desconhecida, que tem desdobramentos diferentes em cada pessoa, que traz junto com o diagnóstico uma incerteza, um medo do futuro e isso, por si só, já é de um impacto grande nas famílias”. A frase é de Cláudia Barroso, psicanalista que lidera o Bem me Care, que trata famílias que receberam um diagnóstico difícil e precisam lidar com as mudanças que as doenças, síndromes ou situações envolvidas trazem para o novo contexto.

“Alguns aspectos do desenrolar dessa doença pervertem tudo o que conhecíamos até agora em relação a ter um ente adoecido na família. Nosso comportamento padrão é se colocar imediatamente no lugar daquele que ‘não está doente’, se diferenciando ‘daquele que está doente’ e, a partir desse posicionamento psíquico, eu posso destinar minha energia e meus cuidados ao adoecido”, explica Cláudia. Com a Covid, esse movimento é impedido: “eu reconheço o outro adoecido, mas, além de não poder cuidar dele, eu ainda preciso me preservar pois também não estou livre de adoecer”, essa dinâmica nunca existiu antes, lembra ela.

Cláudia lembra: “agora, eu sinto medo pelo outro mas sinto por mim também. E, na eventual morte daquele que estava doente, eu não consigo me entregar totalmente ao processo de luto, porque ainda estou lutando para preservar minha própria vida. O processo de luto é impedido pela ausência dos rituais, mas também porque o processo psíquico não está totalmente voltado para isso”.

“A Covid tem tirado das famílias o direito de vivenciar os rituais aos quais estamos acostumados, e isso apavora as pessoas e vai deixar sequelas, certamente”, explica Cláudia. Obter ajuda profissional nesse momento é extremamente importante. “No Bem me Care, auxiliamos as famílias a olharem para todos os aspectos emocionais envolvidos e ajudamos a pensar nas questões práticas que às vezes são esquecidas ou negligenciadas. Cada família tem sua particularidade, que precisa ser identificada e respeitada”, enfatiza a psicanalista. “É preciso que os familiares estejam emocionalmente mais fortes, para que os desdobramentos da doença, sejam eles quais forem, possam ser lidados de uma forma mais psiquicamente saudável”, finaliza.

ansiedade
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Ansiedade: mal do século ou mal da nova geração?

Há alguns anos, a depressão chegou a ser considerada como o “mal do século XXI”, com dados da própria Organização Mundial de Saúde (OMS), falando sobre uma suposta epidemia de depressão. Muitos debates foram levantados acerca da doença, inclusive aquele que questiona se os casos estão realmente aumentando ou se só estamos diagnosticando de forma melhor. No entanto, um outro mal parece assolar a maior parte da nova geração (chamada de geração Z), que desponta agora no mercado de trabalho e na vida: a ansiedade.

Se a depressão foi considerada o mal do século XXI até este momento, seria a ansiedade o mal da segunda metade do século, em que os jovens já estarão na terceira idade ou na meia idade?

A ansiedade

Antes de falar sobre a ansiedade e o suposto “novo mal do século”, precisamos entender o que ela é e de onde ela vem. Podemos dizer que ela é prima do medo, e se baseia em uma emoção vaga, bem desagradável e que nos traz tensão. Ela prepara o nosso “eu primitivo” para a batalha. Nós carregamos um DNA primitivo ainda, aquilo que chega pra gente por meio do instinto e, nas épocas primitivas, o medo e a ansiedade eram coisas boas, porque eram as coisas que nos mantinham vivos. Preparados para a fuga ou para a batalha. A ansiedade e o medo então, sinalizam para nós algumas ameaças antes mesmo delas acontecerem. Além disso, ela pode melhorar nossa performance, nos proteger de estranhos e reduzir o excesso de autoconfiança.

No entanto, tudo tem um limite e é além desse limite que está instaurada a “ansiedade-mal-do-século”. É quando todo esse medo se torna uma tensão constante que impossibilita o relaxamento, gerando insônia, tremedeira, palpitações, sudorese e outros sintomas.

Possíveis causas

Estar ansioso é diferente de ter uma ansiedade patológica, isto é, um transtorno de ansiedade. Todos nós experimentaremos os sentimentos que retratei no tópico anterior em algum momento da vida. Seja por medo, por alegria ou por expectativa, nós estaremos ansiosos e isso é um sentimento normal, que precisa ser acolhido. O ponto é quando isso passa do limite e se torna patológico. A ansiedade não se torna mais pontual e se torna quase que uma âncora na nossa vida.

É fato que o nosso mundo mudou e a ansiedade parece vir intrínseca a essa mudança. Se ela é prima do medo, ela é uma prima que pode se tornar uma visita indesejável, já que no medo, conhecemos as causas que geram aquele sentimento, na ansiedade, não. As causas são difusas, conflituosas e até mesmo, desconhecidas e vagas. É sentir medo por algo que nem sabe se vai acontecer. Mas, é compreensível nessa nova era do mundo, por isso, é preciso cuidado.

Estamos numa época em que a informação circula livremente, a todo o tempo. Nós temos acesso às informações literalmente na palma da nossa mão, pelo celular. E a primeira geração a ter que se adaptar com essa nova realidade, foram os jovens, que hoje citam a ansiedade como mal do século. Foi preciso se adequar ao novo mercado de trabalho para conseguir estar inserido nele – já que as dicas dos pais não valiam mais de nada. Foi preciso aprender as novas tecnologias na raça – já que não tinha ninguém antes para ensinar. Foi preciso quebrar paradigmas e preconceitos enraizados há muito tempo na sociedade – sem nada além das próprias convicções. A nova geração, chamada de geração Z (pessoas que nasceram entre a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010), chegaram para participar dessa mudança. E toda mudança exige lidar com o desconhecido. Mudança gera medo. E o medo do desconhecido é o quê? A ansiedade.

A grande quantia de informações e o medo de perder alguma coisa, também chamado de “FOMO – Fear Of Missing Out” é quase um sintoma “obrigatório” quando a gente fala de ansiedade na nova geração. A ânsia de sempre aprender mais, sempre estar a frente e sempre ser o primeiro está tornando a resposta biológica do nosso corpo, presente no nosso DNA desde a as eras primitivas, em patologia.

O que fazer, então?

É preciso falar sobre ansiedade. Explicar que ela é uma resposta biológica do nosso corpo e que devemos saber interpretar e sinalizar quando ela passa do limite, quando ela se torna patológica. E claro, também é preciso conscientizar sobre prevenção e tratamento.

Numa era de tanta informação, a informação de saúde acaba ficando em segundo plano. A geração Z não se desliga. Trabalha vinte e quatro horas por dia e nos intervalos, pesquisa notícias, curiosidades, informações…. O tempo todo lidando com o desconhecido.

Dessa forma, com a informação, que as pessoas já consomem (só não são 100% confiáveis ainda), a ansiedade pode não se tornar um mal do século, como é sabido da depressão. Ainda dá tempo de mudar o cenário.

É preciso conscientizar que os momentos de descanso, de ócio e de desligamento são tão importantes quanto os momentos de atividade. E claro, a visita ao médico sempre que sentir que algo saiu do limite.

A ansiedade, uma vez compreendida e entendida, pode ser facilmente manejada. Psiquiatras, psicólogos e psicanalistas devem atuar em conjunto para conscientizar e remediar – seja por medicamentos, por processos terapêuticos e até mesmo, pela fala. A fala cura e deixar alguém com ansiedade falar, é uma grande forma de colocar para fora todo aquele sentimento pressionado e escondido.

pulsão
Atualizações, Sociedade

Você sabe a diferença entre instinto e pulsão?

Quando iniciamos o estudo em Psicanálise e começamos a aprofundar nas temáticas, logo conhecemos o famoso termo “pulsão”, que chegou no que Sigmund Freud definiu como Teoria das Pulsões. O conceito de pulsão, seria a de um “representante psíquico das excitações provenientes do interior do corpo e que chegam ao psiquismo” (ZIMERMAN, 1999, P.82). Mas, e na prática? O que é uma pulsão e como ela se difere do instinto? Por que pulsões e instintos não são a mesma coisa?

Entendendo a pulsão

A pulsão, como o próprio nome sugere, é como se fosse um impulso. Uma espécie de força que precisa ser dirigida para um representante – seja ele um afeto ou uma ideia – para se manifestar. Resumindo, ela nos mobiliza para uma direção e busca um representante para a energia se manifestar. Ela advém de um desejo e quer satisfazer esse desejo por meio de um objeto.

Uma mulher viciada em comprar bolsas, por exemplo, mesmo tendo várias bolsas novas em folha no armário. Qual é o desejo que ela busca saciar dentro de si mesma e os realiza por meio da compra excessiva de bolsas novas? Afinal, bolsas são bolsas, servem para carregar coisas. Ter uma ou duas, no máximo, seria mais que suficiente. Essa energia que a faz comprar a bolsa para satisfazer seu desejo inconsciente é a pulsão.

Antes de entendermos o instinto, é importante saber que a pulsão nasce a partir dele, mas se constitui acima dele. Essa demanda que vem do corpo ao psiquismo para saciar os prazeres é a pulsão.

Entendendo o instinto

O instinto, por sua vez, é determinado pela hereditariedade. Vem com todos os seres vivos. Um leão se alimenta única e exclusivamente por instinto. Ele sente fome, caça e come, saciando sua fome. Possivelmente, ele nem sabe que aquele sentimento é fome. Talvez seja apenas um desconforto que sua hereditariedade faz com que ele coma a fim de acabar com aquela sensação. Ele tem um cunho biológico que dirige o organismo para um fim particular, com um objeto de representação bem específico. O leão come porque tem fome. Só por isso.

Os instintos são uma espécie de força que incita o ser vivo a tomar uma ação, ele inicia a necessidade da ação, sem determinar qual ação e com qual intensidade de força essa ação precisa ter para se realizar.

Instinto e pulsão: colocando os pingos nos “Is”

Agora que entendemos os conceitos separados de instinto e pulsão, vamos relaciona-los, lado a lado. Enquanto o instinto é uma pressão que vai dirigir o organismo de um ser vivo para um fim específico e particular, pela necessidade, a pulsão é uma força que vai tender o ser humano para um alvo específico, com uma direção e um representante.

O instinto, portanto, é a força que inicia a NECESSIDADE de uma ação. Sem predeterminar qual ação em particular e qual é a força dessa ação. Já a pulsão, terá aspectos mentais, como um impulso, um desejo. A força da pulsão precisa ser dirigida para um representante para a energia se manifestar. Voltando ao exemplo das bolsas, ninguém compra bolsas por instinto. Mas também, voltando ao exemplo do leão, as pessoas não comem somente por instinto, como os animais.

Um bebê, quando nasce, por exemplo, vai sentir um desconforto e chorar. Sua mãe, por meio de toda conexão que existe entre criança e mãe vai interpretar aquele desconforto como fome e vai oferecer seu seio para que a criança possa mamar. Enquanto ela amamenta, ela passa a mão na cabeça do filho, ela olha com ternura e afeto, ela canta, ela oferece seu colo, no sentido literal e figurado. O bebê chorou de fome, pela primeira vez, mesmo sem saber que aquilo era fome, por instinto. Da segunda vez em diante, ele vai chorar pelo desconforto, mas não vai ser somente o alimento que ele deseja: ele vai desejar também o colo da mãe. A pulsão, nesse caso, ficou sobre o instinto.

Além disso, nós, como seres humanos, imaginamos saber o que é fome. Mas será que esperamos estar morrendo de fome para irmos atrás de alimentos? Não. A gente interpreta nossos sinais e nos alimentamos, na hora que bem entendemos. Sabemos que é necessário, mas não comemos só quando é necessário: comemos quando nos sentimos felizes, tristes, para comemorar…. Por que você acha que as pessoas saem para beber quando estão felizes? Por uma mera necessidade? Ou por satisfazerem seus desejos inconscientes de socialização, extroversão e diversão? Se você ainda estiver em dúvida, a segunda opção é a correta!

Podemos pensar de forma resumida e compacta da seguinte forma:

– Um instinto inicia a necessidade da ação, sem predeterminar qual ação e qual é a sua força. Ele só sabe que precisa fazer alguma coisa;

– Uma pulsão tem a função de realizar um desejo, de causar prazer, por meio de um objeto representante (afeto ou ideia);

– Instintos são puramente necessidades, pulsões tem aspectos mentais, o que comumente podemos denominar como desejos.

O conceito de pulsão passou por várias variantes dentro do estudo de Freud com o nascimento da psicanálise, como pulsões de auto conservação, pulsões sexuais e posteriormente, pulsões de vida e pulsões de morte. No entanto, esse debate é propício para outro artigo, já que neste aqui vou me ater a somente diferenciar pulsão de instinto, conceitos muito parecidos que podem facilmente causar dúvidas.

perlaboração
Atualizações, Sociedade

Perlaboração na psicanálise: resistência e transferência

O tratamento psicanalítico acontece com dois elementos chave: a resistência e a transferência. Cada qual com suas particularidades, elas servem a um único objetivo: fazer com que o analisando consiga ressignificar seus traumas passados e conviver com as suas neuroses.

A análise possibilita que o paciente reviva seu passado enquanto observa o presente, enquanto seu analista, faz o trabalho contrário, vivendo o presente e observando o seu passado. Essa troca, crucial para o bom andamento do processo analítico é o que permite a mudança da versão do passado que o psicanalisando tem de si mesmo. A transferência, como veremos além neste texto, precisa ser vivida para que o passado possa ser compreendido de uma outra forma, para que sua visão de passado possa ser mudada. É preciso viver, não relatar para que isso aconteça. Para que aconteça a perlaboração.

O prefixo per- e a perlaboração

A psicanálise é a ciência do não dito, mas é por meio das palavras que conseguimos atingir o inconsciente. Já dizia Freud, que a linguagem é a estrada real para acessar o inconsciente e os seus conteúdos reprimidos, por isso, nada mais justo que pensar em etimologia quando vamos falar de conceitos psicanalíticos.

De acordo com a Língua Portuguesa, o prefixo “per-“, significa “através de, acima de, muito além de”. Em linhas gerais, ele é o limite máximo de alguma coisa. Pensando na Química, temos o Permanganato, Perclorato, Peróxido, por exemplo. Na vida real, temos coisas feitas e coisas perfeitas. Podemos seguir alguma coisa ou perseguir aquilo. Fazer um curso para saber mais ou então, um percurso. Com a perlaboração não poderia ser diferente.

Ao passar por um processo psicanalítico, o paciente elabora, por meio da fala, todas as suas angústias, os seus pensamentos inconfessáveis, tudo aquilo que está reprimido no inconsciente, em sua maioria sem vontade própria, mas também aquilo que é escondido por não querer deixar aflorar. Por meio da transferência, o paciente passa então, a superar suas resistências. A entender, a chegar ao nível máximo daquilo que ele elabora, a interpretar a sua história. E para isso, damos o nome de perlaboração. O nível máximo de elaboração, de compreensão, que faz com que a visão de passado daquele ser humano mude. Que faz com que ele consiga ser um pouco mais gentil consigo mesmo e com sua história e abandone os comportamentos repetitivos, compulsivos e hostis. E isso só é possível com a resistência transferencial, isto é, o relacionamento complexo e estreito entre as transferências e as resistências.

A transferência

A transferência é aquilo que permite que o trabalho psicanalítico aconteça. Já descrita por Freud nos primórdios da psicanálise, em linhas gerais, ela é o conjunto de sentimentos, de afetos e de comportamentos que o paciente experimenta com relação ao seu analista. Na análise, ao rememorar, ao reviver o passado, o paciente acaba por “culpar” o seu analista por aquilo estar acontecendo. E, nesse processo, o analista acaba por exercer um papel, naquele momento, na vida do analisando. Esses sentimentos inconscientes, também podem ser ambivalentes. O analista pode aparecer como uma figura paterna, como uma figura materna, como uma figura amiga que há muito se foi…. A transferência faz o paciente lutar por conseguir realizar seus desejos mais infantis, por meio da figura do analista. Ele está ali, em sua posição de sujeito suposto saber, no pedestal em que o analisando o coloca, e para isso, é preciso ter muito cuidado.

Por outro lado, o trabalho psicanalítico só acontece de forma proveitosa, quando se estabelece uma transferência e acima disso, majoritariamente positiva. Já é complicado normalmente para um paciente se abrir para alguém que o “santo  bateu”, imagina para alguém que o “santo não bateu”? Ou pior, para alguém que desperta sentimentos negativos como ira, raiva, fúria? A transferência é um sentimento ambivalente, mas ela deve ser majoritariamente positiva para o bom andamento da análise.

Em resumo, ela é, no linguajar popular, “o santo bater ou não” com aquele analista, com aquela figura, no decorrer da investigação dos processos inconscientes do paciente.

As resistências

As resistências sempre estarão presentes no percurso psicanalítico. Deve-se dizer ao paciente que a resistência é uma atividade do paciente. É uma ação que está praticando inconscientemente, pré-conscientemente ou conscientemente (Fenichel). Ela não é um erro, um defeito ou uma fraqueza, mas ela deve ser igualmente analisada e comunicada, porque pode interferir no processo de uma análise bem-sucedida.

Vamos às analogias: o inconsciente é uma parte escondida da mente, em que há muitos traumas reprimidos, muitos afetos mal resolvidos. Esses conteúdos são escondidos por lá para que o paciente possa viver sua realidade com plenitude. Imagina só, ter que viver normalmente com todos os traumas, acontecimentos ruins e afetos desagradáveis na consciência ou na pré-consciência? De fato, plenitude é uma coisa que nenhum ser humano conseguiria ter. Por isso, nossa mente tem mecanismos muito fortes para repreender todos esses conteúdos. Na psicanálise, quando esses conteúdos são incentivados e até mesmo, forçados para fora, para que haja a perlaboração, é comum que o paciente resista, mesmo que de forma inconsciente. É algo que supostamente, atrapalharia sua “vida normal” em um plano consciente. Por isso, não é trabalho do analista xingar ou julgar as resistências, e sim, elabora-las, fazer com que elas sejam ressignificadas ao seu nível máximo.

Integrando as interpretações e entendendo as resistências, é possível então, que a elaboração máxima aconteça, isto é, a perlaboração.

O fenômeno midiático da franquia Cinquenta Tons
Filmes, Séries

O fenômeno midiático de “Cinquenta Tons” sob óticas das estruturas do aparelho psíquico

A franquia “Cinquenta Tons de Cinza” se tornou um fenômeno midiático com proporções mundiais. Quando o primeiro livro da trilogia da autora E.L. James foi lançado, em 2011, vendeu mais de 100 milhões de cópias e anos depois, em 2015, ganhou uma adaptação para os cinemas que gerou uma renda de mais de US$ 240 milhões logo nos primeiros dias de exibição, superando Avatar e Matrix. Só no Brasil, a arrecadação foi de aproximadamente R$ 24 milhões. Mas o que fez a série de livros se tornar um assunto mundial? O que fizeram aqueles livros se tornarem filmes, produtos eróticos, bebidas e muitas outras coisas ao redor do planeta?

Para entender um pouco, precisamos voltar para a gênese da saga. A saga “Cinquenta Tons de Cinza” não nasceu com esse nome. Era uma fanfiction de Crepúsculo, isto é, uma história ficcional escrita por uma fã, sobre o universo de Crepúsculo, publicada pela autora de forma anônima na internet. Na história original de Crepúsculo, a humana Bella Swan se apaixona pelo vampiro Edward Cullen e seu relacionamento é proibido, já que Edward pode mata-la a qualquer momento por ser extremamente suscetível ao cheiro de seu sangue. Na versão de James, publicada como fanfiction, Edward ainda era praticante de BDSM – bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo – com Bella.

A história de E.L. James ganhou tantos leitores ao redor do mundo que logo veio a proposta de publicação por meios tradicionais, mas não seguindo a história de Crepúsculo, já que seria ilegal. James teria que criar seu próprio universo e foi então que Bella virou Anastasia Steele e Edward Cullen virou o magnata Christian Grey. Na publicação adaptada, Ana se apaixona por Grey após uma entrevista para a faculdade. Grey é um homem rico e extremamente reservado que acaba por cair nos encantos de Anastasia também, mas precisa que tudo seja nos seus termos. E é nesse ponto em que a temática sexual da história se desenvolve de forma sedutora, levando sempre ao BDSM, que virou marca registrada da franquia.

E de fato, a temática pode ser o que levou a franquia tão longe, com mais filmes e livros, intitulados respectivamente de “Cinquenta tons mais escuros” e “Cinquenta tons de liberdade”, além de uma série paralela intitulada de “Grey” com as visões de Christian sobre os fatos narrados por Anastasia na série principal, “Cinquenta tons”. E é possível estabelecer um paralelo entre o sucesso midiático da série com as tópicas freudianas do aparelho psíquico.

A pensar na primeira tópica, também conhecida como modelo topográfico, Freud estabelece o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. Em linhas gerais, o inconsciente daria conta dos conteúdos reprimidos da consciência e sem acesso direto do pré-consciente e do consciente.

Enquanto isso, o pré-consciente é o local em que ficam os conteúdos que não estão diretamente no consciente, mas que estão acessíveis a ele. Ele disponibiliza conteúdos ao consciente quando necessário e parte de sua estrutura está ligada ao inconsciente e parte está ligada ao consciente. Já o consciente, por sua vez, é o local em que se relacionam os estímulos e informações que advém do mundo externo, relacionando as nossas percepções, atenções e raciocínios.

No entanto, ainda precisamos lançar mão da segunda tópica freudiana do aparelho psíquico para adentrar numa possível correlação com o fenômeno midiático de Cinquenta Tons de Cinza. Também chamada de modelo estrutural, de acordo com ela, nosso aparelho psíquico é divido em três instâncias: o ID, o Ego e o Superego.

O ID é a instância mais profunda e vasta, aquela responsável pelas pulsões regidas pelo prazer, em busca do desejo. Ela está no inconsciente, explicado pela primeira tópica. Para o ID tudo é desejável, tudo é permitido, em contraste com o Superego, que busca e regula a moral das existências, internalizando proibições sociais, autoridades, limitações. Para o Superego não há meio termo. É a rigidez. Ele tem uma ligação entre o consciente e o inconsciente.

E então, temos o Ego, que segundo Freud, busca um equilíbrio entre o ID e o Superego. Ele atende os desejos de acordo com a realidade, ele orienta o princípio da realidade. Ele fica no meio das satisfações sem limites do ID e das impossibilidades do Superego.

Mas o que tudo isso tem a ver com o fenômeno midiático de “Cinquenta Tons de Cinza”? A crescente e inesperada “permissão social” por assuntos eróticos, sobretudo pelas práticas de BDSM, tão presentes na temática da franquia.

Se antes a sexualidade, principalmente feminina e os fetiches à prática do BDSM eram considerados um tabu pela sociedade, “Cinquenta tons” veio para “destabulizar”. Quando se pesquisa sobre o BDSM, descobrimos que ele tem uma ampla gama de práticas e a maioria das pessoas que as realizam, não são praticantes do BDSM em si. Muitas nem sabem que tal prática faz parte desse conjunto e as encaram como um fetiche, uma fantasia a ser realizada entre o casal, que muitas vezes não encontra uma abertura para falar um com o outro por medo das pressões impostas pela sociedade.

Quando observamos sob a ótica das estruturas do aparelho psíquico de Freud, podemos observar que os desejos por algumas práticas presentes no BDSM poderiam estar contidos no ID daquelas pessoas que se consideraram fãs da franquia “Cinquenta tons”, no entanto, pelo assunto ainda ser um tabu para a sociedade, externalizar o desejo “não era permitido socialmente”, até então. Não se passava pelo “crivo” do Superego e ficavam presos no inconsciente. O ego não conseguia encontrar um equilíbrio para a externalização, seja para conversar com os amigos ou até mesmo com os parceiros, sobre os desejos pelos fetiches do BDSM.

Com a vinda de “Cinquenta Tons” e sua fama repentina, de repente, o assunto não era mais um tabu tão grande para a sociedade. A própria massa de pessoas que fez a franquia ser um sucesso, serviu de alavanca para que novas pessoas se juntassem e fizessem o fenômeno ser ainda maior: foi um evento cíclico.

As mesmas pessoas que permitiram que o assunto fosse naturalizado, pelo menos durante as épocas em que a franquia estava em alta, eram as pessoas que mais precisavam externalizar esses seus desejos e fetiches que antes estavam tão reprimidos no inconsciente.

Conclui-se que o sucesso midiático da franquia “Cinquenta tons” se deu por um feliz impasse: as pessoas que se interessavam pelo assunto mas tinham um certo bloqueio de falar sobre, fizeram com que os filmes e livros foram um sucesso, de forma que com eles, elas puderam se libertar dessas amarras. Com a aprovação social, o “crivo” do Superego se tornou um pouco mais flexível, de forma que o Ego, portanto, pode ponderar um pouco mais os “desejos loucos” do ID e atende-los de uma forma em que a sociedade aceitasse, finalmente. O próprio desejo proibido, externalizado pela ficção com o apoio da cultura das massas, fez com que ele não fosse mais tão proibido assim.