O fenômeno midiático da franquia Cinquenta Tons
Filmes, Séries

O fenômeno midiático de “Cinquenta Tons” sob óticas das estruturas do aparelho psíquico

A franquia “Cinquenta Tons de Cinza” se tornou um fenômeno midiático com proporções mundiais. Quando o primeiro livro da trilogia da autora E.L. James foi lançado, em 2011, vendeu mais de 100 milhões de cópias e anos depois, em 2015, ganhou uma adaptação para os cinemas que gerou uma renda de mais de US$ 240 milhões logo nos primeiros dias de exibição, superando Avatar e Matrix. Só no Brasil, a arrecadação foi de aproximadamente R$ 24 milhões. Mas o que fez a série de livros se tornar um assunto mundial? O que fizeram aqueles livros se tornarem filmes, produtos eróticos, bebidas e muitas outras coisas ao redor do planeta?

Para entender um pouco, precisamos voltar para a gênese da saga. A saga “Cinquenta Tons de Cinza” não nasceu com esse nome. Era uma fanfiction de Crepúsculo, isto é, uma história ficcional escrita por uma fã, sobre o universo de Crepúsculo, publicada pela autora de forma anônima na internet. Na história original de Crepúsculo, a humana Bella Swan se apaixona pelo vampiro Edward Cullen e seu relacionamento é proibido, já que Edward pode mata-la a qualquer momento por ser extremamente suscetível ao cheiro de seu sangue. Na versão de James, publicada como fanfiction, Edward ainda era praticante de BDSM – bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo – com Bella.

A história de E.L. James ganhou tantos leitores ao redor do mundo que logo veio a proposta de publicação por meios tradicionais, mas não seguindo a história de Crepúsculo, já que seria ilegal. James teria que criar seu próprio universo e foi então que Bella virou Anastasia Steele e Edward Cullen virou o magnata Christian Grey. Na publicação adaptada, Ana se apaixona por Grey após uma entrevista para a faculdade. Grey é um homem rico e extremamente reservado que acaba por cair nos encantos de Anastasia também, mas precisa que tudo seja nos seus termos. E é nesse ponto em que a temática sexual da história se desenvolve de forma sedutora, levando sempre ao BDSM, que virou marca registrada da franquia.

E de fato, a temática pode ser o que levou a franquia tão longe, com mais filmes e livros, intitulados respectivamente de “Cinquenta tons mais escuros” e “Cinquenta tons de liberdade”, além de uma série paralela intitulada de “Grey” com as visões de Christian sobre os fatos narrados por Anastasia na série principal, “Cinquenta tons”. E é possível estabelecer um paralelo entre o sucesso midiático da série com as tópicas freudianas do aparelho psíquico.

A pensar na primeira tópica, também conhecida como modelo topográfico, Freud estabelece o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. Em linhas gerais, o inconsciente daria conta dos conteúdos reprimidos da consciência e sem acesso direto do pré-consciente e do consciente.

Enquanto isso, o pré-consciente é o local em que ficam os conteúdos que não estão diretamente no consciente, mas que estão acessíveis a ele. Ele disponibiliza conteúdos ao consciente quando necessário e parte de sua estrutura está ligada ao inconsciente e parte está ligada ao consciente. Já o consciente, por sua vez, é o local em que se relacionam os estímulos e informações que advém do mundo externo, relacionando as nossas percepções, atenções e raciocínios.

No entanto, ainda precisamos lançar mão da segunda tópica freudiana do aparelho psíquico para adentrar numa possível correlação com o fenômeno midiático de Cinquenta Tons de Cinza. Também chamada de modelo estrutural, de acordo com ela, nosso aparelho psíquico é divido em três instâncias: o ID, o Ego e o Superego.

O ID é a instância mais profunda e vasta, aquela responsável pelas pulsões regidas pelo prazer, em busca do desejo. Ela está no inconsciente, explicado pela primeira tópica. Para o ID tudo é desejável, tudo é permitido, em contraste com o Superego, que busca e regula a moral das existências, internalizando proibições sociais, autoridades, limitações. Para o Superego não há meio termo. É a rigidez. Ele tem uma ligação entre o consciente e o inconsciente.

E então, temos o Ego, que segundo Freud, busca um equilíbrio entre o ID e o Superego. Ele atende os desejos de acordo com a realidade, ele orienta o princípio da realidade. Ele fica no meio das satisfações sem limites do ID e das impossibilidades do Superego.

Mas o que tudo isso tem a ver com o fenômeno midiático de “Cinquenta Tons de Cinza”? A crescente e inesperada “permissão social” por assuntos eróticos, sobretudo pelas práticas de BDSM, tão presentes na temática da franquia.

Se antes a sexualidade, principalmente feminina e os fetiches à prática do BDSM eram considerados um tabu pela sociedade, “Cinquenta tons” veio para “destabulizar”. Quando se pesquisa sobre o BDSM, descobrimos que ele tem uma ampla gama de práticas e a maioria das pessoas que as realizam, não são praticantes do BDSM em si. Muitas nem sabem que tal prática faz parte desse conjunto e as encaram como um fetiche, uma fantasia a ser realizada entre o casal, que muitas vezes não encontra uma abertura para falar um com o outro por medo das pressões impostas pela sociedade.

Quando observamos sob a ótica das estruturas do aparelho psíquico de Freud, podemos observar que os desejos por algumas práticas presentes no BDSM poderiam estar contidos no ID daquelas pessoas que se consideraram fãs da franquia “Cinquenta tons”, no entanto, pelo assunto ainda ser um tabu para a sociedade, externalizar o desejo “não era permitido socialmente”, até então. Não se passava pelo “crivo” do Superego e ficavam presos no inconsciente. O ego não conseguia encontrar um equilíbrio para a externalização, seja para conversar com os amigos ou até mesmo com os parceiros, sobre os desejos pelos fetiches do BDSM.

Com a vinda de “Cinquenta Tons” e sua fama repentina, de repente, o assunto não era mais um tabu tão grande para a sociedade. A própria massa de pessoas que fez a franquia ser um sucesso, serviu de alavanca para que novas pessoas se juntassem e fizessem o fenômeno ser ainda maior: foi um evento cíclico.

As mesmas pessoas que permitiram que o assunto fosse naturalizado, pelo menos durante as épocas em que a franquia estava em alta, eram as pessoas que mais precisavam externalizar esses seus desejos e fetiches que antes estavam tão reprimidos no inconsciente.

Conclui-se que o sucesso midiático da franquia “Cinquenta tons” se deu por um feliz impasse: as pessoas que se interessavam pelo assunto mas tinham um certo bloqueio de falar sobre, fizeram com que os filmes e livros foram um sucesso, de forma que com eles, elas puderam se libertar dessas amarras. Com a aprovação social, o “crivo” do Superego se tornou um pouco mais flexível, de forma que o Ego, portanto, pode ponderar um pouco mais os “desejos loucos” do ID e atende-los de uma forma em que a sociedade aceitasse, finalmente. O próprio desejo proibido, externalizado pela ficção com o apoio da cultura das massas, fez com que ele não fosse mais tão proibido assim.

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