Vício é escolha? Em livro, psicóloga usa ciência para desbancar mitos sobre adicção
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Vício é escolha? Em livro, psicóloga usa ciência para desbancar mitos sobre adicção

Ao contrário do que muitos pensam, o vício não é escolha ou resultado de falha moral. Todos, em maior ou menor escala, estamos suscetíveis a desenvolver comportamentos de dependência: o que contribui para isso, assim como as possibilidades de tratamento e os contextos social e político da adicção são explorados no livro A Psicologia do Vício, lançado pela Editora Blucher no Brasil.

Originalmente publicado em inglês (Routledge, 2018), o livro faz parte da coleção A Psicologia de Tudo, que explica temas diversos de forma clara e acessível. Além de reunir as principais concepções científicas acerca do tema, a obra reflete a experiência da autora, Jenny Svanberg, como psicóloga clínica focada em tratamentos para adicção na Escócia.

Lá, lidou com as dificuldades do tratamento, que vão além das teorias registradas em livros acadêmicos. O que aprendeu na prática foi registrado na obra. “Quando você trabalha com pessoas tentando se recuperar de vícios, você rapidamente aprende que a raiz de muitos comportamentos viciantes está no trauma e na perda”, relata Svanberg.

Diversos fatores contribuem à adicção, incluindo estados de vulnerabilidade e repetição de escolhas que, gradualmente, se tornam hábitos. Os hábitos são fundamentais à satisfação de necessidades emocionais, como de pertencimento, de segurança e de alívio da dor. O vício engana o cérebro, de forma que certos costumes se tornam profundamente enraizados e supervalorizados, assimilados como essenciais à sobrevivência.

Escolher tomar uma cerveja à noite pode provocar arrependimento pela manhã, mas por si só, não caracteriza um vício. No caso da adicção, o comportamento progressivamente cria uma trilha obrigatória no cérebro, até o ponto em que, mesmo que se deseje, não se consegue parar. “Embora as pessoas possam optar pelo uso, ninguém escolhe ficar viciado — ajuda, empatia e apoio são ferramentas mais eficazes para reduzir o vício do que a criminalização e o preconceito”, diz Svanberg.

O papel da compaixão — Para a autora, a compaixão deve estar no centro do tratamento para a adicção. Controlar comportamentos de dependência envolve não só tratar sintomas, mas adquirir consciência de impulsos, reconhecer as necessidades que o comportamento busca suprir e buscar alternativas mais seguras e saudáveis, processo que é afetado pelo preconceito.

“O preconceito aumenta sentimentos de vergonha em pessoas que podem estar lutando contra o uso de drogas ou álcool, tornando-as menos propensas a buscar ajuda e apoio nos estágios iniciais, quando isso pode ser mais útil. Ele nos cega para as coisas que poderiam ter contribuído para que alguém se tornasse viciado, como pobreza, trauma ou privação social”, explica Svanberg.

Para a pesquisadora, é necessário livrar-se do estigma que exclui e isola os afetados e impede a criação de um clima de cura e suporte, que envolve a conexão e a aceitação social: “Eu desafiaria qualquer um a realmente escutar as histórias daqueles que se tornaram viciados. Quando você entende como eles chegaram lá, é mais difícil estereotipar as pessoas e acreditar no estigma.”

Svanberg também ressalta a importância da legalização e da regulamentação de drogas neste processo, recomendada por profissionais de saúde e da lei: “Sabemos que a proibição não funciona, porque cria um mercado negro regulado pela violência e garante a disponibilidade de substâncias mais fortes e sujas nas ruas. Isto cria mais danos sociais e de saúde.”

A autora defende trazer o vício para a política de saúde pública em vez da política de justiça criminal. “Quando o vício é entendido e tratado como uma questão de saúde física e mental, podemos criar um clima mais encorajador de cura e apoio. Nesse tipo de clima, todos nós nos beneficiamos”, conclui Svanberg.

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