Resenhas

Resenha: Cartas de Henry, Ana Clara Medeiros

Henry é um menino depressivo e sem esperanças na vida, filho de pais ausentes e irmão de um garotinho vítima do câncer. Quando percebe que vai desabar, sua amiga de infância e primeiro amor, Louise, sempre o ajuda, todavia o destino os prega uma peça e o preço a pagar por isto será bastante alto. Em meio a novas experiências como faculdade, garotas, drogas e distúrbios mentais, o jovem deverá encontrar motivos para continuar a sobreviver, lutando contra seus demônios internos e falta de crenças.

O fruto de uma amizade. Seria essa a explicação para o livro. O cultivo de uma relação que a qualquer momento poderia se dissolver. “Cartas de Henry” desperta o mais antigo sentimento. Um livro que traduz o sentido de se amar. Não de forma comum, ou muito menos clichê. A obra é profunda. Ela emana realidade.

Capa: Cartas de Henry

Um breve resumo: Louise e Henry são grandes amigos, vivenciaram um pedaço da infância, o início da adolescência e o decorrer dela juntos em uma cidadezinha do Rio Grande do Sul. Eis que o ensino médio acaba e a hora de abrir as portas da faculdade chegou. É graças a ela que eles se separam. Louise, singela e doce, abandona o frio gaúcho pelo calor carioca, Henry, peculiar e acovardado, permanece onde deveria estar. Um obstáculo entre os grandes amigos é imposto: a distância. Uma palavra simples e sem problemas na pronúncia. Uma palavra que destruiria qualquer ser humano. Por aí tudo correria bem, eles iriam se despedir e um dia se veriam novamente. Mas essa não é mais uma das histórias que estamos costumados a ler. Ela é bruta. No meio de Henry e Louise encontra-se o medo. O medo do nosso eu lírico. Henry sempre amou sua melhor amiga, sempre a desejou… mas o temor do que poderia acontecer o impediu de pronunciar isso. Trocar olhares era fácil, fazer carinho era simples, mas falar parecia impossível. Desse modo ocorreu a separação. Sem nunca dizer uma palavra sobre o que sentia. Sem informar a Louise que a amava da melhor forma possível. O único meio que ele encontrou para exalar todo esse fardo foi escrevendo, colocando tudo no papel. Henry escreveu cartas. Elas eram endereçadas para Louise, falavam sobre ela. Falava sobre eles. Mas as cartas nunca seriam enviadas por Henry. Junto ao seu quadro mental abalado graças à perda, ainda lhe restavam pais ausentes e um irmão com sérios problemas de saúde. A partir do dia em que Louise embarcaria em um avião tudo iria mudar. Pessoas apareceriam em sua biografia. Pessoas evaporariam desta. A vida de Henry foi literalmente do céu ao inferno.

Muitos poderiam comparar a obra com o livro “As Vantagens de ser Invisível” (1999), de Stephen Chbosky. Essa comparação seria justa, pois ambos retratam a adolescência, isso é certo. Os dois livros são “pesados” e ao mesmo tempo leves. Mas o que difere “Cartas de Henry” de “As Vantagens de ser Invisível” é justamente o modo como o primeiro é interpretado e exposto. O segundo nos expõe Charlie e seus problemas. O primeiro retrata Henry, seus problemas, e uma coisa que é essencial em grandes livros: a escolha. Em cada página de “Cartas de Henry” o poder da escolha é dado ao leitor. Ele interpretaria da melhor forma que o coubesse. Comecei essa resenha com a frase: “Eu sinto um infinito por ela.” Foi proposital. A palavra “infinito” hoje está muito ligada com a história do garoto Charlie. A frase mais famosa do livro de Stephen é: “E nesse momento, eu juro, nós somos infinitos”. Seria engraçado se não fosse trágico. Posso ir de encontro a muitos fãs, mas “As vantagens de ser invisível” não consegue obter o grau emocional que “Cartas de Henry” conseguiu para mim. A linguagem usada pela autora é totalmente diferente da de Chbosky. Ela emprega um nível altíssimo no enredo, e o mesmo é divergente com a vida de Charlie e suas vantagens de ser invisível. Por fim, eles se diferenciam de forma clara e ampla. As cartas são um detalhe em comum… apenas isso.

Um ponto forte em “Cartas de Henry” é o linguajar poético. A autora, Ana Clara Medeiros, impregnou cada trecho de sua obra-prima com a mais pura poesia. Não é um romance cansativo. Algo que se lê duas ou três páginas e deseja largar. Pelo contrário, graças à escrita em camadas o leitor começa uma viagem sem escalas. Entre tantas frases uma me chamou mais atenção. Entre tantas poesias embutidas eu escolhi a que transparece o significado da obra:

Amo-a em cada centímetro do meu corpo, a respiro por mais que quilômetros nos separem, a amo como acho lindo o jeito que ela sorri ao me ver sendo alguém melhor e faria de tudo para tê-la de volta”.

O mais belo em tudo isso é o resgate da verdadeira literatura nacional. “Cartas de Henry” é a personificação do ultrarromantismo que outrora fora os pilares da nossa literatura. Entre as linhas escritas por Ana Clara Medeiros senti o ar de amor platônico que muitas vezes se destacara nas obras de Álvares de Azevedo. Nas palavras de Henry pude relembrar Casimiro de Abreu. É a renovação por meio do antigo. Devo destacar que o tom mórbido usado na segunda geração do Romantismo é inexistente na obra de Ana Clara, o que ficou presente foi a essência de amar sem esperar algo em troca. Amar por amar, e assim afundar em um abismo profundo.

Atualmente nosso cenário literário está recheado de novos escritores. Mas em sua maioria são autores de histórias fantásticas ou relatos históricos. A criadora de Henry e Louise foi além. Descartou as opções mais fáceis. Ignorou o atual. A senhorita Medeiros navegou em um mar que há anos não recebia uma nova embarcação. O que seria um “neorromantismo” brasileiro encontra-se escasso. Hoje uma nova peça foi concebida para o mesmo. “Cartas de Henry” lembrou-me de várias músicas e sonetos. Entre elas está “Pétala”, música composta pelo cantor de música popular brasileira, Djavan. Em sua letra está realçado: “…Por ser exato, o amor não cabe em si…”. Uma frase que ajudaria o leitor a compreender essa gigantesca história. Por mais que se tente, o amor, nunca será explicado inteiramente. Por mais que se deseje… é algo que nos intrigará. Mas ao ler as cartas do jovem que tanto sofria pude compreender um pouco do que se tratava essa “coisa” (coisa sim, do modo que Durkheim definiu os abstratos e reais). Interpretar da forma simples o que se parece mais complexo. Guardar quando preciso. Expor quando for a hora certa. Pensar além.

O ápice de “Cartas de Henry” é sua complexidade. Em seu romance de estreia, Ana Clara Medeiros mostra que é veterana. Passa de promessa para realidade. Por meio de cata-ventos azuis e gestos simples se aprende a dar valor. Nas palavras da autora:

Dar valor é querer todos os dias a mesma pessoa do seu lado, é temer perdê-la como quem teme na hora  da morte. Dar valor é entregar-se tão profundamente a alguém que a protegemos com unhas, dentes e com o que mais der. Valor é amor na língua dos cegos.”

É uma obra singular. Montada cuidadosamente e recheada de surpresas. Em cada capítulo pode-se sentir a agonia de Henry. A saudade que a tantos incomoda. A cada carta os laços se estreitam. A cada palavra o enredo toma vida. Henry, Louise e tantos outros vivem. São tão reais como qualquer ser humano. O poder da literatura está adornado em cada paragrafo. Todo jovem, adulto ou criança deve uma vez na vida ler as palavras do forte e sonhador jovem e com elas redescobrir o seu íntimo.   

Assista ao book trailer de “Cartas de Henry”:

 

Anterior Seguinte

Você também pode gostar de...