Ele parecia mais magro ultimamente, quase pele e osso em seu gasto pullover azul, buracos nos cotovelos, com os lábios mordidos e rachados. O coração de Clary entristeceu-se por ele. Ele passou a primeira semana depois de terminar com Magnus em uma espécie de torpor de tristeza e incredulidade. Nenhum deles poderia realmente acreditar. Ela sempre pensou Magnus amava Alec, realmente o amava; claramente Alec pensara assim também.
— Eu não quero que ele pense que eu não… que eu esqueci.
— Você está definhando — disse Jace.
Alec deu de ombros:
— Olha quem fala. “Ah, eu amo ela. Ah, ela é minha irmã. Ah, por quê, por quê, por quê…”
Jace jogou um punhado de folhas mortas em Alec, fazendo com que ele se arranhasse.
Isabelle estava rindo:
— Você sabe que ele está certo, Jace.
— Me dá seu celular — disse Jace, ignorando Isabelle. — Anda, Alexander.
— Não é da sua conta — Alec disse, segurando seu celular longe. — Apenas esqueça isso, okay?
— Você não come, não dorme, fica olhando para seu celular, e eu que tenho queesquecer isso? — disse Jace. Havia uma surpreendente quantidade de agitação em sua voz; Clary sabia como ele estava chateado pela tristeza de Alec, mas ela não tinha certeza se Alec sabia disso. Em circunstâncias normais, Jace teria matado, ou pelo menos ameaçado, quem machucasse Alec; isso era diferente. Jace queria ganhar, mas não se poder ganhar quando há um coração partido, mesmo não sendo o seu. Mesmo sendo o de alguém que você ama.
Jace se inclinou e pegou o telefone da mão de seu parabatai. Alec protestou e estendeu a mão para pegá-lo de volta, mas Jace o afastou com uma mão, habilmente percorrendo as mensagens no telefone com a outra. Magnus, me liga de volta. Preciso saber se você está bem… Ele balançou a cabeça:
— Ok, não. Não. — Com um movimento decisivo ele arrebentou o telefone pela metade. A tela apagou quando Jace deixou cair as peças no chão — Agora sim.
Alec olhou para as peças quebradas, desacreditado:
— Você QUEBROU meu CELULAR.
Jace deu de ombros:
— Rapazes não deixam outros rapazes ficarem ligando para outros rapazes. Okay, isso soou um pouco errado. Amigos não deixam amigos ficarem ligando para seus ex-namorados e não serem atendidos. Sério. Você tem que parar.
Alec pareceu furioso:
— E por isso você quebrou meu celular novinho? Muito obrigado.
Jace sorriu serenamente e deitou-se na grama:
— De nada.
— Veja pelo lado bom, — disse Isabelle. — Você não vai mais precisar receber mensagens da mamãe. Ela me mandou seis mensagens hoje. Desliguei meu celular. — Ela deu um tapinha no bolso com um olhar expressivo.
— O que ela queria? — perguntou Simon.
— Reuniões constantes, — disse Isabelle. — Depoimentos. A Clave continua querendo ouvir o que aconteceu quando nós lutamos contra Sebastian no Burren. Todos nós já tivemos de prestar contas umas cinqüenta vezes. Como Jace absorveu o fogo celestial da Gloriosa. Descrições dos Caçadores de Sombras Negros, o Cálice Infernal, as armas que eles usavam, as Marcas que estavam neles. O que estávamos vestindo, o que Sebastian estava vestindo, o que todo mundoestava vestindo. . . como sexo por telefone, mas chato.
Simon fez um barulho de sufoco.
— O que nós achamos que Sebastian quer, — acrescentou Alec. — Quando ele vai voltar. O que ele vai fazer quando voltar.
Clary apoiou os cotovelos nos joelhos.
— É sempre bom saber que a Clave tem um plano discreto e confiável.
— Eles não querem acreditar, — disse Jace, olhando para o céu. — Esse é o problema. Não importa quantas vezes nós dissermos a eles o que vimos no Burren. Não importa quantas vezes nós dissermos o quão perigoso os Caçadores de Sombras Negros são. Eles não querem acreditar que os Nephilim realmente podem ser corrompidos. Que Caçadores de Sombras podem matar Caçadores de Sombras.
Clary estava lá quando Sebastian criou o primeiro Caçador de Sombras Negro. Ela vira o vazio em seus olhos, a fúria com a qual eles lutaram. Eles a aterrorizaram:
— Eles não são mais Caçadores de Sombras, — ela acrescentou em voz baixa. — Eles não são pessoas.
— É difícil de acreditar, se você ainda não viu, — disse Alec. — E Sebastian tem apenas alguns deles. Uma pequena força, espalhada… eles não querem acreditar que ele é realmente uma ameaça. Ou, se ele é uma ameaça, eles preferem acreditar que é mais uma ameaça para nós, para Nova York, do que para os Caçadores de Sombras como um todo.
— Eles não estão errados quando dizem que se Sebastian se preocupa com alguma coisa, é com Clary, — disse Jace, e Clary sentiu um calafrio na espinha, uma mistura de repulsa e apreensão. — Ele realmente não tem emoções. Não como nós. Mas se tivesse, ele as depositaria em Clary. E ele emoções sobre Jocelyn. Ele a odeia. — Ele fez uma pausa, pensativo. — Mas não acho que ele atacaria diretamente aqui. Seria muito… óbvio.
— Espero que você tenha dito isso à Clave, — disse Simon.
— Umas cem vezes, — disse Jace. — Não acho que eles levam muito em conta minhas ideias em particular.
Clary olhou para suas mãos. Ela fora interrogada pela Clave, assim como o resto deles; ela tinha dado respostas a todas as perguntas. Ainda havia coisas sobre Sebastian que ela não lhes tinha dito, não tinha contado a ninguém. As coisas que ele disse que queria dela.
Ela não tinha sonhado muito desde que tinham voltado do Burren com as veias de Jace cheias de fogo, mas quando ela tinha pesadelos, era sobre seu irmão.
— É como tentar lutar contra um fantasma, — disse Jace. — Eles não podem acompanhar Sebastian, eles não podem encontrá-lo, eles não conseguem encontrar os Caçadores de Sombras que ele transformou.
— Eles estão fazendo o que podem, — disse Alec. — Eles estão aumentando as proteções em torno de Idris e Alicante. Todas as barreiras, na verdade. Eles enviaram dezenas de especialistas para a Ilha Wrangel.
A Ilha de Wrangel era a sede de todas as proteções do mundo, os feitiços que protegem o mundo, e Idris, em particular, dos demônios e da invasão demoníaca. A rede de proteções não era perfeita e, às vezes, demônios escapavam, de qualquer maneira, mas Clary só podia imaginar o quão ruim seria se não existissem as barreiras.
— Ouvi mamãe dizer que os bruxos do Labirinto Espiral estão em busca de uma maneira de reverter os efeitos do Cálice Infernal, — disse Isabelle. — É claro que seria mais fácil se eles tivessem corpos para estudar…
Ela parou de falar; Clary sabia o porquê. Os corpos dos Caçadores de Sombras Negros mortos no Burren tinham sido trazidos de volta para a Cidade dos Ossos para os Irmãos do Silêncio examinarem. Os Irmãos não tiveram essa chance. Durante a noite, os corpos tinham apodrecido ao equivalente a cadáveres de uma década de idade. Não havia nada a fazer além de queimar os restos mortais.
Isabelle encontrou sua voz novamente:
— E as Irmãs de Ferro estão produzindo armas. Estamos recebendo milhares de lâminas serafim, espadas, chakhrams, tudo… forjado em fogo celestial. — Ela olhou para Jace. Nos dias que se seguiram à batalha no Burren, quando o fogo se alastrou pelas veias de Jace violentamente o suficiente para fazê-lo gritar, às vezes, com a dor, os Irmãos do Silêncio lhe tinham examinado mais e mais, ele tinha testado gelo e chama, com metal abençoado e ferro frio, tentando ver se havia alguma maneira de drenar o fogo para fora dele, para contê-lo.
Eles não conseguiram nada. O fogo do Gloriosa, tendo sido uma vez capturado em uma lâmina, parecia não ter pressa para habitar outra, ou mesmo para deixar o corpo de Jace por qualquer tipo de veia. O Irmão Zacariah havia dito a Clary que nos primeiros dias de Caçadores de Sombras, os Nephilim haviam tentado capturar o fogo celestial em uma arma, algo que poderia ser empunhado contra os demônios. Eles nunca conseguiram, e, eventualmente, lâminas serafim haviam se tornado sua melhor opção de armas. No final, mais uma vez, os Irmãos do Silêncio tinham desistido. O fogo de Gloriosa enroladou-se nas veias de Jace como uma serpente, e o melhor que se podia esperar era controlá-lo para que ele não o destruísse.
O barulho alto de uma notificação de mensagem de texto soou; Isabelle ligara seu celular novamente.
— Mamãe disse para voltarmos ao Instituto agora, — disse ela. — Há alguma reunião. Nós temos que estar lá. — Ela levantou-se, tirando a sujeira de seu vestido. — Eu convidaria você para ir, — disse a Simon — mas você sabe, banido por ser morto-vivo e tudo mais.
— Eu me lembro disso, — disse Simon, levantando-se. Clary se levantou e estendeu a mão para baixo para Jace. Ele a pegou e ficou de pé.
— Simon e eu estamos indo fazer compras de Natal, — disse ela. — E nenhum de vocês pode vir, porque nós temos que escolher seus presentes.
Alec olhou horrorizado:
— Ah, Deus. Isso significa que eu tenho que dar presentes para vocês também?
Clary balançou a cabeça.
— Caçadores de Sombras não participam, sabe… do Natal? — Ela se lembrou, de repente, do angustiante jantar de Ação de Graças na casa do Luke, quando Jace, ao ser convidado a cortar o peru, tinha furado a ave com uma espada até que houvesse apenas pequenas lascas de peru. Talvez não?
— Trocamos presentes, honramos a mudança das estações do ano, — disse Isabelle. — Costumava haver uma celebração de inverno do Anjo. Comemorávamos o dia em que os Instrumentos Mortais foram dados a Jonathan Caçador de Sombras. Acho que os Caçadores de Sombras ficam irritados por serem deixados de fora de todas as celebrações mundanas, porém, por isso um monte de Institutos têm festas de Natal. A de Londres é famosa. — Ela encolheu os ombros. — Só que acho que não vamos fazer… este ano.
— Ah. — Clary se sentiu horrível. É claro que eles não queriam celebrar o Natal depois de perder Max. — Bem, vamos levar presentes, pelo menos. Não precisa ter uma festa, ou qualquer coisa assim.
— Exatamente. — Simon jogou os braços para cima. — Tenho que comprar presentes de Hanukkah. É obrigatório pela lei judaica. O Deus dos judeus é um Deus irritado. E muito adepto de presentes.
Clary sorriu para ele. Ele estava achando cada vez mais fácil dizer a palavra “Deus” ultimamente.
Jace suspirou, e beijou Clary — um rápido arranhar de lábios contra sua têmpora, mas isso a fez estremecer. Não ser capaz de tocar Jace ou de beijá-lo corretamente estava começando a deixá-la muito irritada. Ela prometeu a ele que isso nunca faria diferença, que ela o amaria mesmo que nunca pudesse tocá-lo novamente, mas ela odiava isso de qualquer maneira, odiava perder a tranquilidade da maneira como eles sempre se encaixaram fisicamente.
— Vejo você mais tarde, — disse Jace. — Vou voltar com Alec e Izzy…
— Não, você não vai, — disse Isabelle inesperadamente. — Você quebrou o telefone de Alec. Com certeza, todos nós já estávamos querendo fazer isso há semanas…
— ISABELLE, — disse Alec.
— Mas o fato é que você é o parabatai dele, e você é o único que não foi falar com o Magnus. Vá falar com ele.
— E dizer o quê? — Disse Jace. — Não dá para convencer as pessoas a não terminarem com você… Ou talvez dê. — acrescentou apressadamente, ao ver a expressão de Alec. — Quem pode dizer? Vou tentar.
— Obrigado. — Alec segurou no ombro de Jace — Ouvi dizer que você pode ser encantador quando você quer ser.
— Já ouvi a mesma coisa, — disse Jace, virando-se para correr para trás. Ele sempre foi gracioso fazendo isso, Clary pensou melancolicamente. E sexy. Definitivamente sexy. Ela levantou a mão num aceno indiferente:
— Te vejo mais tarde, — ela gritou. Se eu não morrer de frustração até lá.
Os Frays nunca foram uma família observadora da religião, mas Clary adorava a Quinta Avenida na época do Natal. O ar cheirava a doces castanhas torradas, e as vitrines brilhavam de prata e azul, verde e vermelho. Neste ano havia grandes flocos de neve redondos de cristal presos a cada poste de luz, refletindo os raidos do sol de inverno em tons de dourado. Isso para não mencionar a enorme árvore no Rockefeller Center. A árvora jogava sua sombra entre eles enquanto ela e Simon agitavam-se no portão da pista de patinação, vendo os turistas caírem no chão enquanto tentavam navegar no gelo.
Clary tinha um chocolate quente envolto em suas mãos, seu calor penetrando no corpo dela. Ela sentiu quase normal — isso, vir até a Quinta para ver as vitrines e a árvore, era uma tradição de inverno para ela e Simon desde quando ela podia lembrar:
— Parece os velhos tempos, não? — ele disse, ecoando os pensamentos dela enquanto apoiava seu queixo sobre os braços cruzados.
Ela arriscou olhar para ele. Ele estava vestindo um sobretudo preto e um lenço que enfatizava a palidez de inverno de sua pele. Seus olhos estavam sombreados, indicando que ele não tinha se alimentado de sangue recentemente. Ele parecia um vampiro cansado e com fome. Bem, ela pensou. Quase como nos velhos tempos.
— Temos mais pessoas para presentear, — disse ela. — Além disso, tem a sempre traumática questão “o que comprar para alguém com quem você está saindo no seu primeiro Natal com ela”.
— O que comprar para o Caçador de Sombras que tem tudo, — Simon disse com um sorriso irônico.
— Jace gosta mais de armas, — Clary suspirou — Ele gosta de livros, mas eles têm uma enorme biblioteca no Instituto. Ele gosta de música clássica… — Ela se iluminou. Simon era músico; apesar de sua banda ser terrível, e sempre mudar de nome (no momento, eles eram Lethal Soufflé) ele treinava: — O que você daria para alguém que gosta de tocar piano?
— Um piano.
— Simon.
— Um enorme metrônomo que poderia servir, também, como arma?
— Clary suspirou, exasperada.
— Partituras. Rachmaninoff é difícil, mas ele gosta de um desafio.
— Agora você está falando. Vou ver se tem alguma loja de música perto daqui. — Clary, que já tinha terminado seu chocolate quente, jogou o copo numa lixeira próxima e pegou seu celular. — E você? O que vai dar pra Isabelle?
— Não faço ideia, — Simon disse. Eles começaram a andar em direção à avenida, onde um fluxo constante de pedestres que se admiravam com as vitrines entupiam as ruas.
— Ah, qual é. A Isabelle é fácil.
— É da minha namorada que você está falando. — As sobrancelhas de Simon se juntaram — Acho. Não tenho certeza. Não discutimos isso ainda. A relação, quero dizer.
— Você realmente precisa DAR, Simon.
— O quê?
— Definir a relação. O que é, aonde ela vai. Vocês são namorados, ou só estão se divertindo, ‘é complicado’, ou quê? Quando ela vai contar para os pais dela? Você está permitido a ver outras pessoas?
Simon empalideceu:
— O quê? Sério?
— Sério. Nesse meio-tempo… perfume! — Clary agarrou Simon pela parte de trás do casaco e puxou-o para uma loja de cosméticos que fora, um dia, um banco. Ele era enorme por dentro, com fileiras de garrafas brilhando em todos os lugares. — E algo incomum, — disse ela, dirigindo-se para a área das fragrâncias. — Isabelle não vai querer cheirar como todos os outros. Ela vai querer cheirar como figos, ou vetiver, ou…
— Figos? Figos têm cheiro? — Simon pareceu horrorizado; Clary estava quase rindo dele quando seu celular tocou. Era a a mãe dela.
ONDE VOCÊ ESTÁ?
Clary revirou os olhos e mandou uma mensagem de volta. Jocelyn ainda ficava nervosa quando pensava que Clary estava com Jace. Mesmo que, como Clary apontara, Jace fosse provavelmente o namorado mais seguro do mundo já que ele foi praticamente banido de (1) ficar nervoso, (2) fazer avanços sexuais, e (3) fazer qualquer coisa que produzisse uma descarga de adrenalina.
Por outro lado, ele havia sido possuído; ela e sua mãe tinham visto quando ele deixou Sebastian ameaçar Luke. Clary ainda não tinha falado sobre tudo o que ela tinha visto no apartamento que tinha partilhado com Jace e Sebastian por um breve tempo fora do tempo, uma mistura de sonho e pesadelo. Ela nunca disse à mãe que Jace tinha matado alguém; havia coisas que Jocelyn não precisa saber, coisas que nem mesmo Clary queria enfrentar.
— Tem tanta coisa nesta loja que eu imagino Magnus querendo, — disse Simon, pegando uma garrafa de vidro de glitter corporal suspenso em algum tipo de óleo. — É contra algum tipo de regra comprar presentes para alguém que terminou com seu amigo?
— Acho que depende. Magnus é seu amigo mais próximo, ou Alec?
— Alec se lembra do meu nome, — disse Simon, colocando a garrafa de volta para baixo. — E eu me sinto mal por ele. Eu entendo por que Magnus fez isso, mas Alec está tão destruído. Acredito que quando alguém ama, a pessoa deve perdoar, se você realmente se arrepender.
— Acho que depende do que você fez, — disse Clary. — Não quis dizer sobre Alec… quis dizer em geral. Tenho certeza de que Isabelle iria perdoá-lo por qualquer coisa, — acrescentou apressadamente.
Simon parecia duvidoso.
— Fique quieto, — anunciou ela, empunhando uma garrafa perto da cabeça dele. — Em três minutos vou cheirar seu pescoço.
— Bem, eu nunca, — disse Simon. — Você esperou muito para fazer sua jogada, Fray, vou dizer isso por você.
Clary não se incomodou com a inteligente resposta; ela ainda estava pensando no que Simon havia dito sobre perdão, e lembrando de outra pessoa, a voz, o rosto e os olhos de outra pessoa. Sebastian sentado em frente a ela em uma mesa em Paris. Você acha que pode me perdoar? Quero dizer, você acha que o perdão é possível para alguém como eu?
— Existem coisas que nunca se pode perdoar, — disse ela. — Eu nunca poderei perdoar Sebastian.
— Você não o ama.
— Não, mas ele é meu irmão. Se as coisas fossem diferentes… — Mas elas não são diferentes. Clary abandonou o pensamento, e se inclinou para cheirar o pescoço de Simon. — Você está cheirando a figos e damascos.
— Você realmente acha que Isabelle quer cheirar a um prato de frutas secas?
— Talvez não. — Clary pegou outra garrafa. — Então, o que você vai fazer?
— Quando?
Clary parou de ponderar a questão de como uma tuberosa era diferente de uma rosa regular, para ver Simon olhando para ela com perplexidade em seus olhos castanhos. Ela disse:
— Bem, você não pode viver com Jordan para sempre, certo? Tem faculdade…
— Você não vai fazer faculdade, — disse ele.
— Não, mas sou uma Caçadora de Sombras. Continuamos estudando após dezoito anos, temos que visitar outros Institutos… essa é a nossa faculdade.
— Não gosto da ideia de você ir embora. — Ele enfiou as mãos nos bolsos do casaco. — Não posso ir para a faculdade, — disse ele. — Minha mãe não vai exatamente pagar por isso, e eu não posso tomar empréstimos estudantis. Estou legalmente morto. E, além disso, quanto tempo seria necessário, na escola, para perceberem que eles estão ficando mais velho, mas eu não estou? Jovens de dezesseis anos não se parecem com os idosos de faculdade, não sei se você notou.
Clary colocou a garrafa no lugar:
— Simon…
— Talvez eu devesse dar alguma coisa para minha mãe, — disse ele amargamente. — Que tal: “Obrigado por ter me expulsado de casa e por fingir que morri”?
— Orquídeas?
Mas o humor de Simon tinha acabado:
— Talvez, não seja como nos velhos tempos, — disse ele. — Normalmente, eu teria te dado lápis, materiais de arte, mas você não desenha mais, não é, a não ser com sua estela? Você não desenha, e eu não respiro. Não é como no ano passado.
— Talvez você devesse falar com Raphael, — Clary disse.
— Raphael?
— Ele sabe como os vampiros vivem, — disse Clary. — Como tomam a vida por si mesmos, como ganham dinheiro, como conseguem apartamentos… ele sabe essas coisas. Ele poderia ajudar.
— Poderia, mas não ia querer, — disse Simon, com o cenho franzido. — Não ouvi nada do bando de Dumort desde que Maureen o assumiu de Camille. Eu sei que Raphael é o segundo no comando. Tenho certeza de que eles ainda pensam que eu tenho a Marca de Caim; caso contrário, já teriam mandado alguém atrás de mim até agora. Questão de tempo.
— Não. Eles sabem que não podem tocar em você. Seria guerra com a Clave. O Instituto foi muito claro, — disse Clary. — Você está protegido.
— Clary, — disse Simon. — Nenhum de nós está protegido.
Antes que Clary pudesse responder, ela ouviu alguém chamar seu nome; completamente perplexa, ela olhou e viu sua mãe abrindo caminho através de uma multidão de compradores. Pela janela, ela podia ver Luke, esperando do lado de fora na calçada. Em sua camisa de flanela ele parecia deslocado entre os elegantes nova-iorquinos.
Livrando-se da multidão, Jocelyn chegou até eles e jogou os braços em torno de Clary. Clary olhou por cima do ombro de sua mãe, perplexa, para Simon. Ele deu de ombros. Finalmente, Jocelyn a soltou e deu um passo atrás.
— Eu estava tão preocupada que algo acontecesse com você…
— Em Sephora? — disse Clary.
Jocelyn franziu a testa:
— Você não está sabendo? Pensei que Jace já teria te mandando uma mensagem a essa altura.
Clary sentiu uma fria lavagem repentina em suas veias, como se ela tivesse engolido água gelada.
— Não. Eu… O que está acontecendo?
— Desculpe, Simon, — disse Jocelyn. — Mas eu e Clary temos que ir para o Instituto agora mesmo.
Pouco mudou no prédio de Magnus desde a primeira vez que Jace esteve aqui. A mesma entrada e a mesma lâmpada amarela. Jace usou uma Marca de abertura para passar pela porta da frente e subiu as escadas de dois em dois degraus, tocando a campainha do apartamento de Magnus. Mais seguro que usar outra Marca, ele pensou. Afinal, Magnus poderia estar jogando video game nu ou qualquer outra coisa. Quem sabe o que feiticeiros fazem no tempo livre?
Jace apertou novamente, dessa vez se apoiando firmemente na parede. Mais dois toques, e Magnus finalmente abriu a porta, parecendo furioso. Ele estava usando um roupão de seda preto sobre uma camiseta e uma calça de moletom, com os pés descalços, seus cabelos escuros emaranhados e com uma barba rala.
— O que você está fazendo aqui?
— Meu Deus, — disse Jace — você não é nem um pouco receptivo.
— Isso é porque você não é bem-vindo.
— Pensei que fôssemos amigos — disse Jace, erguendo uma sobrancelha.
— Não, você é amigo do Alec, Alec era meu namorado então tive que aturar você. Mas agora ele não é meu namorado então não tenho mais que te aturar. Não que algum de vocês perceba isso, você deve ser o quarto do grupinho que vem me incomodar — Magnus começou a contar nos dedos. — Simon, Isabelle, Simon…
— Simon veio?
— Você parece surpreso.
— Não achei que ele estivesse interessado no seu relacionamento com Alec.
— Não tenho uma relação com o Alec — Magnus falou, sem ânimo, mas Jace já o havia empurrado para o lado e estava na sala, olhando curiosamente para o ambiente.
Uma coisa que Jace havia sempre gostado secretamente sobre o apartamento de Magnus era o fato de que raramente estava do mesmo jeito mais de uma vez. Às vezes, era um apartamento de solteiro grande e moderno, outras parecia com uma hospedagem francesa, ou uma casa vitoriana, ou até mesmo uma nave espacial. Agora, porém, estava bagunçado e escuro. Pilhas de potes de comida chinesa ocupavam a mesa de centro. Presidente Miau estava deitado no tapete, as quatro patas esticadas na frente dele como um veado morto.
— Aqui está cheirando a coração partido — disse Jace.
— É a comida chinesa — Magnus se jogou no sofá e esticou suas longas pernas. — Vá em frente, termine com isso. Diga o que quer que seja que tenha vindo dizer.
— Acho que você deveria voltar com o Alec — Jace falou. Magnus revirou os olhos.
— E por quê?
— Porque ele está extremamente triste — Jace explicou. — E sente muito. Ele pede desculpas pelo que aconteceu, e não fará de novo.
— Ah, ele não vai planejar com um dos meus antigos relacionamentos como diminuir minha vida pelas minhas costas? Muito nobre da parte dele.
— Magnus…
— Além do mais, Camille está morta. Ele não pode fazer outra vez.
— Você sabe o que eu quis dizer — Jace se defendeu. — Ele não irá mentir para você, ou te passar para trás, ou esconder coisas de você, ou seja lá com o que mais você está chateado — ele se jogou em uma cadeira de couro e levantou a sobrancelha. — E aí?
Magnus rolou no sofá:
— Por que se importa se o Alec está triste?
— Por que me importo? – Jace exclamou, tão alto que o Presidente Miau sentou no mesmo momento, assustado. — Claro que me importo com ele, é meu melhor amigo, meu parabatai. E está triste. E você também, pelo jeito. Fast food no apartamento todo, você não fez nada para arrumar o lugar, o seu gato parece morto…
— Ele não está morto.
— Eu me importo com Alec — Jace falou, olhando fixamente para Magnus. — Mais do que comigo mesmo.
— Você nunca achou — Magnus começou, tirando um pouco do esmalte da unha. — que esse negócio de parabatai é meio cruel? Você pode escolher quem vai ser, mas nunca mais pode trocar. Mesmo se eles se virarem contra você. Veja Luke e Valentim. E mesmo que seu parabatai seja a pessoa mais próxima de você no mundo, vocês não podem se apaixonar. E se eles morrem, uma parte sua morre também.
— Como você sabe tanto sobre parabatai?
— Eu conheço Caçadores de Sombras. — Magnus disse, batendo no sofá ao seu lado para que Presidente Miau pudesse subir, afagando Magnus com sua cabeça. O feiticeiro afundou os dedos longos nos pelos do gato. — Conheço há anos. Vocês são criaturas estranhas. Essa nobreza humana e frágil de um lado, e do outro a dureza e o fogo dos anjos — ele olhou para Jace. — Principalmente você, Herondale, já que você possui o fogo dos anjos em seu sangue.
— Você foi amigo de Caçadores antes?
— Amigos, — Magnus refletiu. — O que significa, na verdade?
— Você saberia, — Jace começou. — se tivesse tido algum. Teve? Algum amigo? Quer dizer, além das pessoas que vêm para suas festas. A maioria tem medo de você, ou parecem te dever algo, ou você até mesmo já dormiu com elas alguma vez, mas amigos… não vejo você com muitos desses.
— Bem, isso é original, — disse Magnus. — Ninguém do resto do seu grupo tentou me insultar.
— Está funcionando?
— Se você quer dizer que de repente eu me sinto obrigado a voltar com Alec, não, — disse Magnus. — Desenvolvi um estranho desejo por pizza, mas isso pode não ter nada a ver.
— Alec disse que você faz isso, — disse Jace. — Desvia perguntas sobre si mesmo com piadas.
Magnus estreitou os olhos.
— E eu sou o único que faz isso?
— Exatamente, — disse Jace. — Aprenda com quem sabe. Você odeia falar de si mesmo, e você preferiria deixar as pessoas com raiva a deixá-las te lamentar. Quantos anos você tem, Magnus? A resposta certa.
Magnus não disse nada.
— Quais eram os nomes de seus pais? O nome do seu pai?
Magnus olhou para ele com olhos verde-ouro.
— Se eu quisesse deitar em um sofá e reclamar com alguém sobre meus pais, eu contrataria um psiquiatra.
—Ah, — disse Jace. — Mas meus serviços são gratuitos.
— Já ouvi isso de você.
Jace sorriu e deslizou para baixo em sua cadeira. Havia uma almofada com uma textura de Union Jack sobre a poltrona. Ele a agarrou e a colocou atrás de sua cabeça.
— Eu não tenho que ir para nenhum lugar. Posso ficar sentado aqui o dia todo.
— Ótimo, — disse Magnus. — Vou tirar uma soneca. — Ele estendeu a mão para um cobertor amarrotado deitado no chão, ao mesmo tempo em que o telefone de Jace tocou. Magnus observava, parado, quando Jace procurou seu celular no bolso e o atendeu.
Era Isabelle:
— Jace?
— Sim. Estou na casa do Magnus. Acho que posso estar fazendo algum progresso. O que está acontecendo?
— Volte, — disse Isabelle e Jace sentou-se em linha reta, a almofada caindo no chão. A voz dela estava bem tensa. Ele podia ouvir a nitidez nela, como as notas de um piano mal afinado. — Para o Instituto. Imediatamente, Jace.
— O que foi?, — questionou. —O que aconteceu? — E ele viu Magnus sentar-se, também, o cobertor caindo de sua mão.
— Sebastian, — disse Isabelle.
Jace fechou os olhos. Ele viu sangue dourado e penas brancas espalhadas por um piso de mármore. Lembrou-se do apartamento, uma faca em suas mãos, o mundo aos seus pés, o aperto de Sebastian em seu pulso, os olhos negros insondáveis olhando para ele com uma diversão negra. Havia um zumbido em seus ouvidos.
— O que foi? — A voz de Magnus cortou os pensamentos de Jace. Ele percebeu que ele já estava na porta, o celular de volta no bolso. Ele se virou. Magnus estava atrás dele, sua expressão dura. — É o Alec? Ele está bem?
— Por que você se importa?, — disse Jace, e Magnus se encolheu. Jace acho que ele nunca tinha visto Magnus recuar antes. Era a única coisa que impediu Jace de bater a porta ao sair.