Antes de qualquer coisa, preciso dizer que li Depois Daquela Viagem pela primeira vez com 15 anos, em 2004. Acredito que ele me tornou um adolescente melhor ao fim da jornada que foi acompanhar a vida da autora, Valéria. O encontrei na biblioteca da escola, li, devolvi e ficou por isso mesmo. Depois de uns meses, fui à busca dele novamente. Nunca mais o encontrei. As memórias foram indo embora e eu havia esquecido seu nome. Sua história porém, ficou. Sempre tive a esperança de encontra-lo em alguma livraria. Muito que bem, começo deste mês de agosto, estava de bobeira na Saraiva quando finalmente o vi: a Editora Ática o reeditou e relançou em todo o Brasil e meus olhos brilharam ao vê-lo na estante. Agora, com 22 anos, o li novamente com toda a calma do mundo e com muita felicidade escrevo esta resenha para vocês. Enjoy it! =’)
Depois Daquela Viagem é um livro que se passa entre os anos 80 e 90, narrado em 1ª pessoa, contado por sua personagem principal: a autora Valéria Piassa Polizzi. Morena, branca, com longos cabelos pretos e de classe média alta, a história começa com uma viagem de Val com os pais em um cruzeiro, aos seus 16 anos. Neste cruzeiro, conhece um homem de 25 anos que meses mais tarde, viria a se tornar seu namorado. Sim, mesmo com quase 10 anos de diferença de idade, ele engrenam um relacionamento. Passado a fase de conto de fadas, Valéria se vê num relacionamento abusivo, na qual apanha do rapaz, é diminuída e é tratada como inferior. Apesar disso tudo, a morena acha que é culpada por tudo isso. A série de mal tratos só termina quando a família flagra uma cena de agressão e interfere pelo fim do relacionamento.
Após dois anos, Valéria descobre ser portadora do vírus da AIDS, o HIV. Como só havia transado com o namorado que a espancava, a equação é óbvia: ele a contaminou. E já era difícil falar sobre isso em uma época em que a internet não era acessível. Não havia tantos tratamentos e a doença já era diretamente associada a morte. Imagine isso para uma garota que mal havia chegado aos 18 anos. Até então, a AIDS era associada apenas aos gays e praticantes do sexo anal, o que não era o caso de Valéria. O preconceito com portadores do vírus no Brasil era absurdo e a falta de tato dos hospitais e planos de saúde não ajudava a atrair uma perspectiva melhor para os infectados. A única palavra era: morte.
Val se nega a iniciar os tratamentos oferecidos na época. O medo das reações e complicações que poderia ter, e também pela falta de humanidade nos especialistas pelos quais passou. Aquela imposição de “você tem que fazer isso, tem que fazer aquilo” sem nem ao menos explicar o que está acontecendo e dar alguma perspectiva de melhoria é realmente complicado. Após trabalhar algum tempo com o pai, Valéria, que já havia desistido de faculdade e da realização de diversos sonhos por conta de “não ter tempo para aproveitar nada disso”.
A expectativa de sua morte era para dali “5 ou no máximo 10 anos”, e então ela resolve que o melhor seria fazer um curso de inglês nos Estados Unidos e aproveitar um tempo sozinha. Longe de toda negatividade em torno de sua família e dos médicos brasileiros. É aí que tudo muda.
Nos Estados Unidos ela faz amigos, conhecem pessoas de culturas diferentes e aprende coisas que a fazem querer continuar viva. Talvez seja bem clichê, mas a meditação, a calmaria que um rapaz sueco traz para ela faz toda a diferença. Seu nome é Lucas, e ele se torna o grande companheiro de Valéria. Sempre fazendo caminhadas e trilhas, mostrando o lado mais calmo da vida, longe de tudo e de todos. A serenidade vem com tudo, trazendo uma calmaria interior que foi muito decisivo para clarear as idéias.
Também em terras americanas, se é apresentado uma novo lado dos pacientes com AIDS: o lado da vida. É demonstrado que sim, dá pra viver com o vírus. Dá pra se viver muito tempo com ele, de forma saudável. De forma comum. Apesar dessa ponta de esperança ser apresentada, Val não está convencida de iniciar os tratamentos com medicação pesada a qual deveria estar tomando. Porém, após contrair uma febre que não abaixa e um mal estar frequente, ela volta ao Brasil e logo após sua chegada, é internada. Após quase morrer, percebe o quanto vale a pena lutar e conseguir forças para continuar aqui e decide iniciar o tratamento ao qual tanto se negou.
Obviamente, o começo não é fácil. As reações a põe de frente para tênue linha entre a vida e a morte. É bonito acompanhar a força e a garra que a gente consegue ter nas horas que achamos que vamos desmoronar. E toda a história faz sentido neste ponto. E é lindo, é emocionante chegar ao final, em que temos uma prova de que tudo é possível.
Fora da história do livro, Valéria Piassa Polizzi tem hoje, em 2016, 41 anos, é super adepta da meditação.
Hoje já cuida dos pais, logo ela, que achou que nunca chegaria a este ponto. Ainda aguardo uma continuação de sua história, e espero que em breve ela se anime em nos contar, afinal, são quase 20 anos de espaço para serem preenchidos e muitas mudanças, não só tecnológicas, mas de cabeças, de pensamentos. Depois Daquela Viagem ao seu fim, nos coloca de frente ao preconceito, dentro da cabeça de quem o enfrenta. Simplesmente sensacional.
Abaixo um booktrailler feito por fãs do livro disponibilizado no Youtube que resume bem tudo que eu disse:
Para finalizar, segue o blog de Valéria, caso você se interesse em continuar acompanhando sua jornada: http://valeriapiassapolizzi.blogspot.com.br/.