Muito tempo já se passou desde que você fez o que fez. Agora você finge que não me conhece e que eu nunca cruzei sua existência. Desculpa quebrar essa pra você: eu cruzei e tem sido mais difícil que eu pensava.
Eu me mudei. Mudei de cidade, também. Mas, resolvi passar vinte dias na casa nova da minha mãe. Sabia que ela comprou uma casa enorme pra morar com a minha irmã? Pois é. Fui passar férias lá e minha irmã me chamou pra ir nessa festa onde tudo foi meio atravessado.
Leia ouvindo: Processed Beats, Kasabian
Eu relutei, mas depois eu topei. Sei que meu noivo ia querer ir junto, mas ele estava em outro país, viajando a trabalho. Fui com a minha irmã na festa, com uma roupa meio ralé e minha bolsinha de ombro. Sim, aquela de tantos anos que a gente comprou juntos na viagem do décimo terceiro. Esperei por horas naquela fila. Você se lembra de todas as vezes em que estivemos juntos nessa fila? Eu me lembro, mas não queria. Claramente não tenho mais idade pra isso. Acho que você não se lembra, afinal, você fez o que fez e agora finge que não me conhece.
Quando chegou minha vez de pagar e entrar, eu precisava muito ir no banheiro. Deixaram que eu entrasse e voltasse para pagar depois. Corri para a cabine… Tudo estava tão diferente de quinze anos atrás, quando a gente era adolescente e nos beijávamos na fila para o mesmo banheiro. O banheiro não era o mesmo. Eu não era o mesmo. Será que você lembraria das coisas caso viesse aqui da forma que estou lembrando?
Saí e voltei para a recepção. Minha neurose continua a mesma. Preciso das coisas certinhas. Droga, esqueci a bolsa no banheiro, pendurada atrás da porta da cabine. Voltei e você estava lá, dentro da cabine. Você sabia que a bolsa era minha e que eu precisaria falar com você para pegar. Você me olhou maliciosamente como se eu não fosse falar.
Mas eu falei e peguei a bolsa. Você ficou estático, não respondeu. Me olhei no espelho antes de sair e eu não estava tão bem vestido quanto você, e você percebeu. Me olhou da cabeça aos pés. Socorro, eu estou preso! Você quebrou meu diálogo interno, gritando no banheiro.
Um menino que estava ao lado correu para a sua cabine e sua cabeça estava meio presa entre a porta. O que você estava tentando espiar do lado oposto da cabine? O seu novo crush da vida fazendo xixi? É, deve ser isso.
Eu fui mais perto, tentando ajudar o menino que te puxava e você gritou mais uma vez. Não deixa ELE se aproximar de mim. Demorou um pouco mas eu entendi. Você se referia a mim. Eu não podia me aproximar para te ajudar. Então, parei, estático. Eu posso ajudar, ele não vai conseguir te soltar sozinho, te respondi, mas você não se dignou a me dirigir a palavra.
Deixa qualquer um entrar, menos ele. Ele não pode me ver assim. E eu entrei na cabine, mesmo contra sua vontade, para tentar ajudar aquele que te puxava antes que tivéssemos que chamar uma ambulância. NÃO, EU TÔ PELADO!
De todas as coisas, você só pensava nisso. As coisas não mudam. Não tinha nada ali que eu não tivesse visto de todas as formas possíveis. Em todos os ângulos e com todos os meus sentidos. É, você fez o que fez e finge que não me conhece. Finge que não conhece cada centímetro da minha pele. Finge que nunca transamos em cada pedacinho daquela cidade de todas as formas possíveis.
A gente conseguiu te soltar. Você se vestiu e eu me afastei, me arrumando no espelho. Eu precisava voltar, pagar e tomar uma bebida. Parecia inacreditável tudo aquilo. Qual é a chance do seu ex-namorado da adolescência entalar a cabeça na cabine do banheiro da balada que vocês iam, ainda por cima pelado? Certas coisas só acontecem comigo, mesmo.
É, parece que só um de nós melhorou o estilo. Você me mediu de cima aos pés, disse isso com desdém e saiu porta afora. Você fez o que fez e se esqueceu. Se esqueceu de que já te vi em todos os ângulos, de todas as formas, com roupa ou sem.
“Ele vai estar na faculdade, desencana”. Você se lembra de quando a sua melhor amiga de infância me disse depois que você comemorou que ia estudar em outro estado? Foram exatamente essas palavras. Eu estava feliz por você, mas não sabia que era isso que estávamos comemorando. Eu sabia que era fruto do seu esforço e que você merecia isso.
O problema é que eu gostava mesmo de você. Pra valer. Você me acordava com um sol no rosto todas as manhãs e eu queria isso pra sempre. Eu estava caindo rápido por você, como naquela música da Avril Lavigne.
Em um mês, você era meu porto seguro. Eu sentia que você sempre estaria lá por mim. E agora você está indo embora. Não é pra sempre, não é por algo ruim. Você não morreu e essa é a coisa certa a ser feita. Lembra que você viu que eu estava triste, estragando a sua despedida e você então, me chamou num canto e perguntou, como você me vê?
Eu não soube responder. Minha vontade de chorar estava insana. Como eu te via? Como alguém que eu estava perdidamente apaixonado. Condenado, como você me disse uma vez no parque, que sem você saber, agora considero como nosso.
Eu amo ser exagerado, mas não é exagero quando digo que realmente gosto muito de você. E acho que é muito para o meu final feliz. Eu não valho tudo isso, você diz e eu sempre discordo na mesma hora. Hoje em dia, eu sei que você não vale a roupa que veste. Mas eu sempre te enxerguei mais do que você era.
Houve uma época em que eu sempre discordaria disso, porque você está marcado em mim. Sei que você vai ler tudo isso, apesar de não dever. Só sei que me sinto dentro de um livro daqueles que chorei muito ao ler. E Deus sabe o quanto eu desejava estar dentro de um deles, mas precisava ser tão ao pé da letra?
Hoje eu sei que devia ter deixado você ir embora. Na época, eu não sabia.
Eu seria hipócrita de dizer que não sentirei saudades dos nossos sábados em São Paulo, dos cafés na Starbucks, de dormir com você e de te beijar na praça de alimentação do shopping. Está tudo guardado dentro de mim.
Sei que esse parece um texto triste, mas não é. Estou orgulhoso de você. Mas hoje, não estou orgulhoso da pessoa que você se tornou como eu achei que estaria anos atrás.
Eu sempre achei que você era muito para o meu final feliz. Mas a verdade é que eu era muito. Muito pra você merecer. Eu é que era muito para o seu final feliz.
Todo mundo tem uma história trágica de amor. Aquele romance que tinha tudo para dar certo e não deu. Aquele romance que deu certo por muito tempo e algo trágico separou. Alguém, que mesmo com o passar do tempo e das circunstâncias ainda faz seu coração bater mais forte. Nós queremos ouvir a sua história e publicar aqui, no Beco Literário na nossa nova seção: anti-heróis.
Baseado no álbum novo do Jão, Anti-herói, que conta a história de um amor que devastou e foi embora, nós vamos ouvir a sua história e reescrevê-la aqui no Beco Literário para que possa ser eternizada e ressignificada, afinal todo mundo tem o seu the one that got away.
ATENÇÃO: O RELATO ABAIXO TEM GATILHOS DE AGRESSÃO, BEBIDAS, DROGAS E VÍCIOS. NÃO PROSSIGA CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A UM DESSES ASSUNTOS E NÃO DISPENSE AJUDA PROFISSIONAL.
Quando ela viu aqueles olhos verdes, ela sabia que seria dele e jamais poderia imaginar como seriam os últimos momentos daquele romance. A paixão veio instantânea, mas com o tempo, ela só crescia.
A distância não ajudava, a saudade estava cada dia maior. Como ficar longe de um amor tão avassalador assim? Qualquer distância parece ser maior que mil oceanos. Em três meses, veio a surpresa: ela estava grávida.
Aquela gravidez não era algo esperado ou planejado, mas era o fruto desse afeto que parecia queimar cada partícula do dois enamorados. Mas, com essa surpresa, veio uma consequência: O que nós faremos agora? Como vamos criar esse filho? Não precisaram nem responder. O aborto espontâneo levou toda a surpresa e esperança de dissecar a distância embora. Mas claro, nada podia separar esse grande amor.
Os anos se passaram rapidamente, o amor aumentou até certo ponto e depois parou. Parou, mas prevaleceu, firme e forte, por um fio. Mas um fio de aço, maleável, que aguentava todos os trancos da vida. Mas com os anos, veio a convivência. Com a convivência, vieram as brigas, as diferenças, os desafetos… Junto com tudo isso, também surgiram algumas coadjuvantes: as bebidas e as drogas.
Ela o amava muito, talvez mais que a si própria. Talvez, porque ela não conseguia ver o amado sofrer de tal forma. Será que fujo porque me amo? Será que fujo porque não quero o ver se destruir assim? Será que amar é destruir? Ela não sabia. Pegou a filha que o tempo devolveu, pegou a mala de mão e tudo o que pode empacotar e fugiu. Saiu pela porta da frente, querendo voltar, mas sabendo que talvez nunca voltasse, sabendo que aqueles poderiam ser os últimos momentos…
E ele se acabou ainda mais. Bebidas, drogas, bebidas, drogas, bebidas, bares…. De bar em bar, suas dores ficavam na mesa, abafadas pelo consolo rápido. Pela anestesia. Até que chegou o fatídico dia em que tudo mudou.
Francisco*, vem cá se tu é homem mesmo! E ele foi. Não podiam ferir sua masculinidade. Carregado pelo surto de adrenalina fortalecido pelas bebidas e pelas drogas, armado pela realidade turva da qual ele tanto se anestesiava. Ele foi, mas não voltou. Teve sua vida ceifada a uma única garrafada.
Ele ali, no asfalto, jogado, viu sua vida passar diante dos seus olhos. E antes de morrer, nos seus últimos momentos, ele falou Joelma*, Nataly*…. Como se pedisse desculpas para a amada e para a filha.
Hoje, as únicas coisas que sobraram foram as lembranças. Aquelas que estão na mente e aquelas que estão eternizadas em mim, sua única filha.
E minha mãe ainda chora pelo seu amado há 10 anos….
Tem uma história como “Os últimos momentos” e quer contar aqui na “Anti-heróis”? Envie para [email protected]. *Os nomes foram e serão trocados para manter as identidades devidamente preservadas.
“Eu vou te ajudar com isso e você vai ganhar esse concurso”, e eu queria mesmo te ajudar naquele dia. Eu tinha prometido naquele dia que você me chamou pra ir na Starbucks. Cada centímetro meu estava implorando pela próxima vez que nos veríamos. Ok, implorando não. Eu só estava torcendo muito, e você sabia disso. E ela veio mais rápido que eu imaginei, porque você conhecia alguns lugares que poderíamos ir em segurança.
Você me disse que queria ir no cinema e eu topei, sem pensar duas vezes. Me atrasei, como sempre, mas cheguei no shopping com aquele sorriso no rosto que eu mantinha desde a última quarta-feira e que todo mundo tinha reparado, em todos os lugares.
Leia ouvindo: I know places, Taylor Swift
Cheguei e te abracei. Corri tanto pra pegar aquele ônibus. Poucas vezes eu corri assim por coisas que eu realmente queria. Ajudei você com o que você precisava para ganhar o tal concurso. Você me deu brownie na boca enquanto eu trabalhava. Você sabia que aquilo me deixava balançado.
Fomos para o cinema. Antes do filme começar, você me beijou ali na porta. Você me abraçou. Eu deitei no seu colo, você passou a mão no meu cabelo. Eu sequer me lembro do filme que estávamos assistindo, se não era sobre o nosso amor. Eu estava gostando mesmo de você. E você sabia.
Eu achava tão fofa a maneira com a qual você me tratava. Você me beijava, não só na boca. O filme ficou em segundo plano e eu não sabia que estava no cinema. Eu só queria guardar aquelas memórias o máximo possível porque meu inconsciente devia saber que nós tínhamos um prazo de validade. Eu disse que você era alguém saído de um livro da Jane Austen.
Aquele lugar era tranquilo, com você. Era um refúgio, de tudo o que o mundo podia fazer. Aquele abraço que você fechou com os nossos rostos enquanto segurava a minha mão e eu cantarolava Taylor Swift. Just grab my hand and don’t ever drop it… DON’T EVER DROP IT. Talvez tenha sido uma das melhores noites da minha vida. E você sabia disso.
Eu poderia ficar aqui, escrevendo páginas e páginas sobre como me senti, como me descobri ou ainda poderia escrever a próxima continuação de Cinquenta Tons de Cinza. Eu poderia descrever em detalhes quando o filme estava próximo de acabar e você me puxou pela mão e me beijou com gosto de cereja na porta de saída do cinema, no escuro. Quantas reticências.
O meu sorriso estava dez vezes mais forte que qualquer outra vez na minha vida e era interminável. Nada conseguia tirar o meu bom humor naquele momento, porque eu sou assim quando estou gostando pra valer de alguém. Parece que tenho poderes mágicos. Crio histórias, danço no ritmo da música, tudo ganha um significado especial em forma de palavras. E droga, você sabia disso.
O meu rosto se ergue feito botox, a pele melhora, o sono some ou vem avassalador com os sonhos do futuro perfeito. Nós éramos infinitos aquela noite, aceitando o amor que achamos que merecemos, nem parecia que a página seguinte do meu capítulo estaria manchada de lágrimas.
Eu te acho perverso. Como alguém que me beijou com gosto de cereja na porta do cinema e me deu brownie na boca poderia ser tão… frio? Você fez tudo isso comigo e com mais outras cinco pessoas nos outros dias da semana. Você sabia que eu estava me apaixonando. Você sabia que me tinha na mão, que eu era seu, que eu sempre fui. Até hoje eu não sei o porquê.
Porque você sabia. E isso te dava mais vantagem nesse jogo que eu não queria ser o ganhador.
É, eu não sei como essas coisas funcionam direito, ele disse. Eu sou ruim no amor, sempre cometo os mesmos erros.
Perguntei como assim. Não era possível que uma pessoa espetacular, como aquela que se apresentava pra mim nas entrelinhas das mensagens fosse “ruim no amor”. A narrativa não batia com a vida real e dessa vez era de uma forma positiva, ao contrário de quando um livro não condiz com um filme, por exemplo.
Leia ouvindo: Bad At Love, Halsey
Foi então que ele começou sua narrativa no dia em que perdeu a virgindade com o menino que seria seu amor por três anos a partir daquela fatídica noite. Eles eram muito diferentes, mas mesmo assim tudo tinha corrido bem e continuou correndo. Ele nunca o apoiou no sonho de ser escritor, achava que deveria desistir daquele curso de marketing na faculdade e seguir carreira na loja de carros do pai.
Mas ele queria mesmo era escrever. Assim como eu, sentia muito, transparecia pouco. As pessoas achavam que ele era besta. Achavam que aquela voz de sono e aquele jeito de quem não liga pra nada sob o moletom preto com rosa escondiam só mais um garoto fútil que tinha ficado preso no ensino médio. Não, eu não era assim. Sempre fui mais que as coisas podiam transparecer, ele falava, como se precisasse provar algo pra mim, para si mesmo.
Eles ficaram juntos por muito tempo até que o garoto começou a exigir algumas coisas bem esquisitas. Você precisa malhar mais essa bunda. Não gostei do seu corte de cabelo. Eu não vou tocar em você se você não de depilar por completo, credo… Isso é só a ponta do iceberg de coisas que ele me falava, sabe? Eu não podia ser eu mesmo, ele choramingava pra mim entre uma frase e outra no mensageiro verdinho.
A saída daquele calabouço veio de quem ele menos esperava. Do ex-namorado do seu então namorado. Nós estamos juntos há três meses agora. Mas eu já terminei tem mais de um ano.
O ex do ex veio a se tornar seu melhor amigo. Ele ouvia todas as lamentações e acariciava seu cabelo cor de mel naquelas noites que não eram tão silenciosas assim. As coisas pareciam ficar mais fáceis quando ele estava por perto e agora, ele parecia se convencer que estava apaixonado. Ele me pediu em namoro depois de uma briga, a gente estava em um evento público, disse e eu imaginei que ele estava corando.
Eu não sei se ele estava perdidamente apaixonado pelo ex do ex nessa altura do campeonato, mas me parecia que não. Ele queria mais, queria conquistar o mundo, queria escrever quatro livros, viajar para o Egito e conhecer a França. Queria assinar contrato para ter seus livros adaptados para o cinema. Queria vender os direitos para a Warner produzir parques temáticos…. Mas estava ali, preso de novo.
O ex do ex era só um algoz liberando de outro algoz. E eu não entendia o porquê. Eu não sabia porque ele estava me contando aquilo, então lhe perguntei. A gente só tinha se trombado na saída da faculdade ontem e começamos a conversar sobre Taylor Swift. Minha van chegou e eu precisei ir, mas deixei meu número com ele. Estamos conversando desde então. E já estamos na segunda aula do segundo dia.
Daqui a pouco são vinte e quatro horas, só interrompidas para o sono dos justos.
Você pode me encontrar no meu carro? Ele disse. Eu disse que sim e saí da sala com a minha bolsa laranja no ombro. E eu nem sabia que ele tinha carro.
Por que ele estava esperando a van se ele tinha carro, afinal?
Eu saí e fui em direção ao pátio e depois em direção ao portão. Eu o vi e achei que fosse sorrir, mas senti minha cara arder.
Ele beijava um garoto uma cabeça menor que ele, com piercing no septo e uma camisa xadrez amarrada de forma brega na cintura. Não, não era o ex do ex. Era outra pessoa e eu imaginei que era pra ser eu.
Todo mundo tem uma história trágica de amor. Aquele romance que tinha tudo para dar certo e não deu. Aquele romance que deu certo por muito tempo e algo trágico separou. Alguém, que mesmo com o passar do tempo e das circunstâncias ainda faz seu coração bater mais forte. Nós queremos ouvir a sua história e publicar aqui, no Beco Literário na nossa nova seção: anti-heróis.
Baseado no álbum novo do Jão, Anti-herói, que conta a história de um amor que devastou e foi embora, nós vamos ouvir a sua história e reescrevê-la aqui no Beco Literário para que possa ser eternizada e ressignificada, afinal todo mundo tem o seu the one that got away.
Eu fazia faculdade de administração. Em 2018, eu estava no penúltimo ano da faculdade e eu conheci um garoto chamado Ricardo*. Ele era um ano mais novo que eu. Ele tinha entrado na faculdade aquele ano e eu estava quase me formando.
Eu tinha notado o tal garoto da faculdade no primeiro período, mas nunca tinha conversado. Ele era muito bonito, se encaixava no meu conceito de homem. Moreno, um pouco mais alto e com barba.
Da primeira vez que eu o notei, em abril de 2018 até a primeira vez que conversamos, em novembro, levou um tempinho. Ele me chamou no Instagram e conversamos muito. De lá, fomos para o WhatsApp.
No dia 9 de novembro ficamos pela primeira vez. Ele me levou para lanchar. Estava chovendo no dia. Depois disso, passamos a ficar várias e várias vezes.
Eu esperava que ele me pedisse em namoro. Ao meu ver, tudo se encaminhava pra isso. Estávamos saindo todas as semanas. Chegou dezembro, o final do ano… Chegou janeiro, chegou fevereiro e nada. Ele não me pediu em namoro. E eu desabei pela primeira vez. Eu não sabia o que fazer. Termino tudo ou continuo? Resolvi continuar. Eu gostava demais dele e quis acreditar que uma hora o pedido ia chegar.
Eu tinha decidido, por conta própria, não ficar com ninguém. A última pessoa que eu tinha ficado, além dele, foi em janeiro.
Nessa espera interminável, pela mudança de ideia que eu não sabia se viria, chegamos em abril. Eu o pedi em namoro, então. Ele me disse que não queria namorar no momento. Estava bom do jeito que tava. Mesmo assim, eu continuei. Eu me permitia acreditar no que eu sentia. E eu sentia muito. Meu sentimento era de sobra, então eu podia suprir o que ele não sentia ainda, né?
Chegou o dia dos namorados e minha faculdade fez um evento. A pessoa que quisesse mandar uma frase romântica para o seu amor ou paixão platônica procurava a organização e sua mensagem era entregue de forma anônima. Quando eu recebi o coraçãozinho com uma frase que eu gostava escrita, eu soube que era ele. Isso me deixou muito feliz. É incrível como a gente pega migalhas e vê como se fosse muita coisa.
Conversei com uma amiga minha sobre meu “relacionamento”, nesse dia. Ela disse que ele não me merecia. Que ele não gostava de verdade de mim. Eu queria algo sério, ele não. Pensei nisso por um mês, mais ou menos e decidi tocar no assunto do namoro mais uma vez.
Não, Luísa. Não é isso que eu quero no momento. Eu gosto de ser livre. No relacionamento, tudo muda. Não estou disposto a abrir mão da minha liberdade por nada, nem ninguém.
E pra mim, não dava mais. Terminei tudo e já estávamos em agosto. Eu não queria mais sentir demais e receber de menos. Setembro chegou, seu aniversário. Pelejei para não mandar mensagem pra ele. Passamos separados.
No final de outubro, a gente voltou. Eu estava morrendo de saudade. Não aguentava mais ficar longe. Passamos a agir mais como namorados. Ele ia na minha casa. Saíamos juntos para comer ou fazíamos o jantar em casa. Isso sem falar das nossas noites de amor. Eu confiava tanto nele. Tanto.
Agíamos como namorados, mas não éramos. O garoto da faculdade não queria se envolver comigo.
Em dezembro teve uma confraternização na sala dele e ele podia levar pessoas de fora. Eu jurava que ele ia me levar, mas não. Não vou levar ninguém, Luísa. Melhor assim. Ele levou dois amigos.
Eu ia me formar em fevereiro e precisava decidir sobre meu baile de formatura. Era meu plano leva-lo, então, o convidei. Não sei. Posso pensar e te respondo depois, Lu?
Passamos o ano novo em cidades diferentes e eu queria estar com ele. Mas tive me contentar com uma mensagem fria na tela do celular. Feliz ano novo.
No dia 8 de janeiro, minha amiga me contou que soube que ele tinha ficado com uma colega minha de sala. E conversou com outra amiga sobre mim. Eu estou com a Luísa só porque ela não quer terminar, sabe? Eu nunca namoraria, ainda mais com ela. Parecia que ele estava comigo por pena.
Fiquei revoltada e mandei mensagem para ele. Ele confessou e desde então, nunca mais vi o garoto da faculdade. Me formei e ficou tudo por isso mesmo. Nunca demos um ponto final, de fato, mas eu não quis mais.
Eu vivia triste, chorando pelos cantos, principalmente nos meses finais do nosso “relacionamento”. Ele estava tão frio, distante… Como se estivesse ali fazendo um favor. Ele ainda teve a coragem de jogar na minha cara que não éramos namorados e que todas as vezes que disse que gostava de mim, ele tinha mentido.
Eu sabia que ele ficava com outras. Ele nunca foi só meu como eu fui só dele. Mas saber é diferente de ter certeza. Na última vez que ficamos, eu descobri uma marca no pescoço dele, mas não quis acreditar.
Eu continuei o amando.
De lá pra cá, conversei poucas vezes com o garoto da faculdade. Numa dessas, ele me disse que talvez o nosso futuro seja passar um ao lado do outro.
Mas eu não quero mais. Apaguei nossas fotos e tudo que me deu da minha vida. Joguei as migalhas aos pássaros e os ouvi cantar na minha janela.
Hoje, eu sei quanto isso só me fez bem.
Tem uma história como “Eu queria ele morto” e quer contar aqui na “Anti-heróis”? Envie para [email protected]. *Os nomes foram e serão trocados para manter as identidades devidamente preservadas.
Acordei. Sofrendo, como sempre. Sofrendo por alguém que sequer liga pra isso. Sofrendo por quem não me merece. Sofrendo por deixar minha felicidade depender de alguém que a massacra como uma daquelas bolinhas que nos obrigam a apertar quando doamos sangue. Nunca doei sangue, por sinal. Me vesti como sempre: uma calça legging preta, uma camisa xadrez vermelha e um coturno. Balancei meu cabelo e fui andando daquele jeito de sempre, bem negativo.
Leia ouvindo: One last night, Vaults
Trabalhei na velocidade mínima, eu não conseguia render nos sábados. Ainda estava sofrendo por alguém e não queria mais isso. Eu não merecia ser a segunda opção. Prefiro andar sozinha que interpretar um papel de suporte, se não posso ser a protagonista.
Ultimamente, tenho conversado muito com um amigo, que chamarei aqui de Edward, como o de Crepúsculo. Ed, pra simplificar. Ele era um cara muito legal, que compartilhava alguns gostos comigo. Fazia inclusive a faculdade que eu pretendia iniciar no próximo ano.
Conversei uma época com ele no passado, quando comecei um relacionamento com o J – como chamarei aqui -, sim, o mesmo que citei indiretamente no começo do texto. O Ed tinha sido amável comigo. Conversamos sobre carteira de motorista, faculdade… Ele até tinha dito que tinha um crush em mim! E eu também confesso que tinha desenvolvido certo crush por ele. Mas ficou por isso mesmo, porque as coisas com J foram tomando uns rumos um pouco absurdos, né.
Voltando ao meu dia de merda, eu estava trabalhando quando Edward me chamou para ir com ele na Starbucks, que vínhamos combinando há séculos, mas nunca tinha rolado de verdade. Confesso que fiquei bem feliz de ele ter me chamado pra valer, sabe. Cheguei a achar, por um momento, que essas coisas ficariam só naquele limbo onde combinamos as coisas e nunca fazemos de verdade.
Cheguei em casa, animadíssima, como uma animação que fazia tempo que eu não sentia. Era algo despreocupado, até.
Me atrasei, claro. Se não me atrasasse, não seria eu. J estava me mandando algumas mensagens com ciúmes porque eu sairia com o Ed. Mas que porra, né? Eu havia passado a semana toda dizendo que estava com saudades e nada… Nada de ações, só palavras. Parecia que as ações só vinham de mim e isso me cansava. Deixei-o falando sozinho, no limbo da dúvida em que ele sempre me deixava.
Minha cabeça, talvez comprometida pela alegria que eu estava sentindo, não se conectava mais a dele. Nem meu coração. Estava livre, afinal. Tomei banho, me arrumei e devo dizer que caprichei, mesmo. Fiz limpeza de pele, a sobrancelha, maquiagem… Coloquei um vestido novo e um chapéu coco. Minha mãe me deixou na porta do shopping que eu marquei com Edward.
Estava chovendo, e fiquei um pouco triste por me molhar. Dei umas voltas no shopping para me secar, enquanto conversava com uma amiga por mensagem de texto. “Estou com medo do que vai rolar”, eu disse. “Deixa rolar. Mesmo, ele pode ser um cara incrível e você não pode perder certas oportunidades na vida”. Isso me encorajou bastante.
“Cheguei no shopping”, enviei para Edward. “Estou no carro. Vem aqui.”
Segui para a portaria, mandando mais mensagens para minha amiga, desesperada. Ed me buscou ali na porta e disse para voltarmos ao carro porque ele tinha esquecido o bilhete do estacionamento. Uma parte interna de mim sorriu quando entrei no banco de trás.
Estava óbvio o que aconteceria a seguir e eu estava bem nervosa. “Vou ficar aí atrás com você”, e ele foi, afastando os bancos para a frente. Conversamos aleatoriamente por alguns minutos e ele ligou o rádio. Tocava Love Me Like You Do, da Ellie Goulding.
“Tô com medo de te beijar agora, você sempre diz sim pra todo mundo”, ele disse. E eu deixei, como um dos meus desejos mais íntimos se tornando realidade. As coisas que compartilhávamos em comum deixava tudo mais incrível para mim.
Eu sei que beijamos muito, explorei com a minha boca cada centímetro daquela boca maravilhosa que Edward tinha. Meu celular vibrava com mensagens de J, mas nem meus profundos pensamentos lembravam-se dele. Joguei meu celular embaixo do banco. Dane-se. Estávamos dentro do carro, com os vidros embaçados pela chuva, no estacionamento do shopping. Era proibido, era melhor.
As mãos dele exploravam meu corpo embaixo do vestido, e apesar de insegura, deixei. Deixei que elas percorressem minhas pernas ao som de Take me to church, do Hozier, suas mãos alcançaram a barra da minha calcinha e os beijos se tornaram mais quentes. Aliás, tudo se tornou mais quente, e eu preciso reforçar que estava amando?
“Cansou já?” Ele parou, com as mãos na minha cintura. Como resposta, beijei mais e sua mão começou a puxar minha calcinha pra baixo. Tirei o vestido pela cabeça em um golpe só e o ajudei a tirar minha calcinha. Abri sua calça e tirei seu suéter e sua camiseta, juntos. Estávamos ali, praticamente sem roupas e ali ficamos, enquanto várias músicas tocavam.
Lembro-me de comentar algo sobre Thinking out loud, ao mesmo tempo em que agradecia mentalmente por ele estar me dando novas – e melhores – lembranças para aquela música. Engraçado como a música afeta a gente.
Eu estava em seu colo, completamente nua, e ele ainda estava de cueca. Senti uma pressão no meio das minhas pernas e não sei descrever as sensações que eu tinha naquele momento. Wow, que sensação. Sou incapaz de descrever profundamente, apesar de estar gostando para caralho. Uma pontada de medo surgiu em mim quando me afastei para tirar sua cueca. Apesar de tudo, eu ainda era virgem.
Tocava One last night, da Vaults, que está na trilha sonora de Cinquenta Tons de Cinza. Olhei para os olhos dele, como se lembrássemos do filme e ele assentiu com a cabeça. E então, se já não estava bom o suficiente, a força e a intensidade com me voltei a ele, triplicou. Eu estava de volta, em seu colo, dessa vez sem nenhuma barreira entre nossos corpos.
Me lembro de puxar seu cabelo, arranhar suas costas, morder seu lábio perfeitinho e deixar uma marquinha… talvez não tão pequena assim. Não consigo falar sobre todos os detalhes de tudo o que fizemos no banco de trás daquele carro sem sentir um arrepio que percorre cada centímetro da minha pele. Tudo era muito novo pra mim e vou me limitar a dizer de novo que quero repetir. Ai, como eu quero repetir.
Terminamos, recolocamos nossas peças de roupa amassadas, ajeitamos a aparência, limpamos os vidros e seguimos shopping adentro, para a Starbucks. Pedi um café e um cookie, enquanto Ed pediu um brownie. “Você já experimentou?”, ele perguntou e eu só neguei com a cabeça. Ele cortou um pedaço e levou até minha boca.
Preciso comentar o quão fofo achei que esse gesto foi? Apesar de extremamente simples e efêmero. Sou ridícula, mas sorri internamente e isso foi suficiente para me deixar feliz.
Terminamos de comer e fomos na livraria. Edward também gostava de Jane Austen e agora discutia comigo – e ainda citava trechos – de Orgulho & Preconceito. Ficamos pouco, falamos sobre alguns livros aqui e ali, sobre como era bom ganhar livros de presente. Cada vez mais surgiam coisas em comum.
Saímos dali, passando rapidamente no mercado e então, ele me disse que levaria para casa. Fomos, rindo no caminho como poucas vezes eu tinha rido na vida. Eu expliquei pra ele como eu era incapaz de fazer algumas coisas na vida e acho que ele pensou que eu era louca. Expliquei, também, precariamente, como chegar na minha casa.
Droga, eu era uma perdida. Péssima em localizações. Enquanto isso, eu ria mais e percebia mais coisas que eu era incapaz.
Chegamos e eu tentei, sem sucesso, explicar como ele voltaria para sua casa. Caralho, o que eu tinha feito com o garoto? Esperei que ele desligasse o carro e tiramos uma foto bem escura no Snapchat. Ele se rendeu ao GPS e foi embora.
Subi saltitante para o meu apartamento e vi que J me mandou algumas mensagens de que ele sairia para uma festa com alguns amigos. Ele disse que só iríamos nessa festa se estivéssemos juntos. Jamais iríamos separados. Mas tudo bem, estava tudo acabado mesmo e nada poderia afetar meu humor hoje. Eu estava bem feliz com tudo o que tinha acontecido.
Cheguei e fui direto pro banho, mas sei que fiquei um bom tempo contando para algumas amigas o que tinha acabado de acontecer. Elas surtavam comigo da maneira como deveria ser. E eu ainda tinha o gosto da boca dele predominando a minha. Atípico, salpicado com menta e cereja. Eu amava cereja.
Tomei banho, finalmente, coloquei um moletom confortável e mandei mensagem para ele perguntando se ele tinha chegado bem. Enquanto ele não me respondia, escrevi um textinho, agradecendo pelo dia maravilhoso, dizendo que queria de novo.
Edward provavelmente mencionaria que eu era muito fofa, que também queria de novo. E eu me sentiria bem, como há muito tempo não me sentia. Eu tinha conseguido ser minha própria âncora, sabe? Minha ponte de felicidade.
A mensagem chegou, foi visualizada. No segundo seguinte, sua foto, seu status e seu nome sumiram do meu WhatsApp. Edward tinha me bloqueado? Mandei uma interrogação, que nunca mais chegou.
É, eu não enviaria o textinho agradecendo e ele não mencionaria nada daquilo.
Esse poema ficou esquecido no primeiro manuscrito de “contando estrelas cadentes”, que até então se chamaria “costume”. Não sei porque o deixei de lado, porque o deixei passar. Achei encolhido num canto e acho que ele tem um poder muito forte. Não pretendo escrever tantas poesias regularmente como fiz na época em que escrevia o livro, por isso achei importante deixa-lo registrado. “quando gostei de você” me parece um texto inacabado, nunca terminado, quando olho agora. Inclusive, quando o encontrei, achei que não tinha colocado porque nunca tinha finalizado, mas sim, eu finalizei. Não sei qual foi o sentimento que o motivou agora, nem tampouco quais são os sentimentos que ele vai te causar. Por isso, deixa aí nos comentários, combinado?
“Um dia de cada vez” é uma editoria escrita por pessoas que contam histórias em sua jornada de autoconhecimento, convivência ou recuperação de transtornos mentais. Os relatos são anônimos e enviados por leitores do blog. Hoje, leremos um relato de autossabotagem, que é consciente apesar do inconsciente ser confiante.
Por que a gente se cobra tanto? A gente precisa aceitar e entender que existe mais de um caminho para se chegar no mesmo destino. Eu, às vezes, acho que ele é único. Que não tenho para onde correr senão aquele caminho tortuoso. E eu fico me cobrando de percorrer por ele.
Eu tenho muita vontade de fazer as coisas. Eu faço as coisas, e sei que tudo o que vou me propor a fazer, vou dar conta e vou fazer bem. Sei que vai dar certo. Mas a que preço? O preço sou eu, minha saúde mental e meu bem-estar. Eu dou conta das coisas mas não dou conta de mim mesmo.
Parece que a autossabotagem não vem tão de dentro assim. Lá dentro, nas profundezas tenho a vontade e a certeza de que vai dar certo. Quando se torna real, quando vem pra fora de mim, o problema está armado: eu quero sabotar e terminar tudo. Eu sinto vontade de encerrar as coisas quando elas começam a acontecer.
Sou apaixonado pelos inícios, mas também pelos finais. Eu gosto de começar, de ver acontecer. Mas também gosto de terminar tudo. Vira e mexe sinto vontade de por fim em tudo e começar outra coisa. Sempre quero ter alguma coisa em mente para começar.
Quero, mas não quero. Sempre tenho algo em mente ou crio algo em mente pra começar. Mas eu quero ter um pouco da paz que me resta e quero levar algo pra frente de verdade. Quero entregar pro mundo de verdade essa mensagem. Não quero sentir vontade de terminar as coisas, de jogar tudo pro alto. Eu vou até o fim. Eu consigo finalizar. Mas por que eu quero finalizar do nada coisas que sequer começaram?
É o bichinho da autossabotagem que fica falando na minha orelha como se fosse um diabinho. Não era pra ser diferente? Eu já fiz tudo o que precisava fazer, todos os desafios para por em prática. Por que desistir quando já deu certo? Por que cancelar algo que coloquei tanto empenho para acontecer?
Foram tantas as coisas que eu já fiz e só agora entendo porque fiquei pulando de galho em galho. Porque eu nunca quis ter a responsabilidade de ver algo dando certo. Eu sei o que acontece quando dá errado: a gente vai pra próxima coisa. Mas e quando dá certo? O que a gente faz depois?
Eu antecipo o meu dar errado sem efetivamente dar errado. Simplesmente porque sei lidar e sei o que acontece. Mas será que eu preciso de uma coisa nova para dar certo? Será que não estou somente em outro caminho? Existem tantos para chegar na linha de chegada….
Aliás, existem vários caminhos para várias linhas de chegada diferentes. E a autossabotagem é aquela pessoa que fica ali, nas margens, dizendo que você nunca vai encontrar qual é o caminho certo e precisa urgentemente trocar de caminho. Você troca, troca, troca e só se atrasa para encontrar sua linha. Você nunca se deixa chegar no seu objetivo porque fica trocando de caminho várias vezes no meio do percurso.
Por que trocar tanto? Por que não ignorar essa vozinha e ir mesmo assim? Seguir em frente? A autossabotagem vai estar ali, de qualquer forma. Vale a pena dar voz ou ignorar o que ela diz?
Tem um relato da sua jornada e quer compartilhar com outras pessoas aqui no “Um dia de cada vez”? Envie para [email protected]. *Os relatos são publicados de forma anônima.
Cético – adjetivo substantivo masculino 1. partidário do ceticismo;
2. aquele que não confia, que duvida;
3. descrente, questiona crenças estabelecidas.
Quando eu era criança, talvez por influência de Harry Potter, eu queria ser bruxo. Misturava vinagre, óleo, tinta e tudo o que encontrava pela frente, fingindo que eram poções. Sempre gostei do místico e nem sei o porquê. Minha família, por um lado, é bem católica. De outro, nem tanto, mas ainda sim com suas crenças.
Eu amava química. Uma vez, pedi de presente vidrarias de laboratório: tubos de ensaio, erlenmeyers, béquers, pipetas…. Sim, eu sei os nomes até hoje. Cético era uma coisa que eu não era. Cresci vestindo capas pretas e me interessando por tudo aquilo que não podia tocar.
Na adolescência, vivi a modinha dos signos desde o começo. Os zodíaco dos jornais e dos folhetins se tornou um mapa astral e um guia para conhecer as pessoas com as quais a gente se relacionava. Era ascendente, lua, vênus…. Qualquer pessoa que cruzava o meu caminho não era párea para as minhas análises. Será que eu já estava gostando de entender o ser humano nessa época?
Jovem-adulto, conheci o tarô como se fosse um chamado. Um dia, tendo exatos cinquenta reais no bolso, fui até a livraria e vi um deck de tarô a venda, junto com um curso. Comprei. Aprendi sozinho, treinando com pessoas próximas de mim até começar os meus primeiros atendimentos para fora. Ainda comecei a gostar de incensos, de ervas, pedras, guias…. Eu não conhecia nenhuma religião a fundo, mas me atraía e acreditava igualmente em todas elas.
Brincava que era politeísta. Acreditava em tudo o que cruzava o meu caminho. Mais uma vez, longe do ceticismo. As energias da natureza, o karma, as pedras, meus guias, meu baralho e meus astros eram as armaduras que eu tinha para criar minha narrativa de mundo.
Esse ano, comecei a estudar psicanálise. Entendi um pouco o funcionamento do nosso inconsciente e peguei uma linha reta, direta ao ser cético. Os signos de repente não me atraíam mais. As cartas de tarô também não. Por quê?
Eu me questionei dias e noites. Ainda não sei, mas sei que sou 8 ou 80. Não sei se consigo acreditar em algo que é científico ao mesmo tempo que consigo ter minhas crenças, baseadas puramente no que elas são: crenças. Para mim sempre tem que ter algo a mais.
Eu tenho a síndrome de ter algo a mais. A realidade para mim não é suficiente. Eu preciso me apegar a algo além. As crenças precisam de provas. A ciência precisa se desdobrar na minha frente. E eu me pergunto: para quê?
Tenho buscado largar essas amarras e assim que finalizar esse texto, vou calcular um mapa astral. Eu sou do tipo que acredita desacreditando, sabe? É como diz a Betty, daquele trote famoso: comé que pode isso?