Todo mundo tem uma história trágica de amor. Aquele romance que tinha tudo para dar certo e não deu. Aquele romance que deu certo por muito tempo e algo trágico separou. Alguém, que mesmo com o passar do tempo e das circunstâncias ainda faz seu coração bater mais forte. Nós queremos ouvir a sua história e publicar aqui, no Beco Literário na nossa nova seção: anti-heróis.
Baseado no álbum novo do Jão, Anti-herói, que conta a história de um amor que devastou e foi embora, nós vamos ouvir a sua história e reescrevê-la aqui no Beco Literário para que possa ser eternizada e ressignificada, afinal todo mundo tem o seu the one that got away.
ATENÇÃO: O RELATO ABAIXO TEM GATILHOS DE SUICÍDIO, TRANSTORNOS MENTAIS, RELACIONAMENTOS ABUSIVOS E AGRESSÃO VERBAL E EMOCIONAL. NÃO PROSSIGA CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A UM DESSES ASSUNTOS E NÃO DISPENSE AJUDA PROFISSIONAL.
CVV – Centro de Valorização da Vida – Ligue 188 se precisar conversar
A gente se conheceu na minha casa. Ele era cliente da minha mãe e sempre ia lá com um amigo, o Gustavo*. O amigo e eu estudávamos na mesma escola.
Gustavo chegou em mim um dia e disse que o Fábio estava afim de mim e no dia seguinte, ele apareceu na saída da escola. Não ficamos nesse dia, mas nos encontramos de novo alguns dias depois e então, ficamos pela primeira vez.
Fábio era um garoto amoroso. Sempre dizia que eu era uma menina maravilhosa e divertida. Ele era só amores comigo. Depois disso, apareceu algumas vezes para me buscar na escola e começamos a namorar escondido.
Ele quis oficializar, então. Pediu aos meus pais.
– Sr. Antônio, eu gostaria de namorar a sua filha, Renata. – Ele disse.
– Não. – A reposta veio seca, cortante. E eu fiquei bem triste. Eu não era do tipo que pedia para sair nem nada do tipo. Achei que tivesse a confiança dos meus pais quando começasse a namorar, mas ela não veio.
Minha mãe intercedeu por mim.
– Antônio, deixa a garota namorar! Não tem mal nenhum, ela já tem 18 anos! – Ela dizia, o dia todo. – Melhor aqui em casa, com a gente sabendo, que escondido pelas beiradas da rua, hein?
Começamos a namorar duas semanas depois. Ele me levava para almoçar na casa dele aos fins de semana, rasgava elogios até não querer mais. Nosso começo de namoro foi lindo. Até que eu comecei a desconfiar.
– Amor, você é uma menina incrível! Eu amo quando você vem almoçar comigo, que você fica aqui comigo… – ele começava – O que seus amigos acham disso?
E eu, ingênua, respondia.
– Hum, não seria melhor se você não andasse mais tanto com o Mário? Nunca confiei muito nele. Ele repara muito em você. – Ele completava.
Eu, inocente, achava que eram sugestões para o meu bem. Ele sempre rasgava elogios sobre mim. Mas foi então que as coisas começaram e eu sequer percebi: me afastei de amigos, de pessoas que cresceram comigo. Me afastei de todos os rapazes que eu conhecia. Todos eles misteriosamente davam em cima de mim.
Foi quando o Gustavo começou a me vigiar na escola. Se eu falasse com um garoto no intervalo, ele corria para contar para o Fábio depois da aula. Sempre acabava em briga e eu sempre acabava me desculpando. Eu sempre era a culpada, afinal.
O controle avançou.
– Ei, você não acha essa blusinha muito decotada, não? Todo mundo tá olhando pra você. – Ele dizia. – Esse shorts é muito curto, suas pernas são grossas. Todo mundo vai olhar.
Passei a mudar minhas roupas. Eu fui definhando. Hoje eu vejo o quanto morri aos pouquinhos naquela época. Comecei a andar de camiseta e calça. Nem sandália eu podia usar.
Então, eu comecei a adoecer fisicamente. O diagnóstico? Histeria. Quando aflições mentais começam a somatizar, isto é, encontrarem uma forma de saírem pelo corpo. Quanto mais a gente esconde, mais esses afetos saíam de mim em sintomas físicos.
Eu estudava perto de casa e consegui uma bolsa em uma escola cara da cidade. Ninguém poderia me vigiar lá e ele perderia seu controle sobre mim.
– Amor, você não acha que essa distância só vai nos separar? – Seu jogo mental começava. – É isso que as pessoas querem, deixar a gente enfraquecido, separado….
Eu passei a não dormir. Convulsões começaram a ser frequentes, assim como os desmaios. Eu mal andava na rua porque tinha medo de alguém ver e ir correndo contar para ele. Eu era um peso morto por dentro.
Comecei a tomar calmantes para dormir.
Um dia, eu estava com um outro amigo na rua. Ri como há muito tempo não ria. Tive uma crise de riso. Ele passou seu braço pelo meu ombro e pelo ombro de outra amiga, que estava do outro lado. O Gustavo viu e correu para contar ao Fábio.
– VOCÊ ME TRAIU!!!!!! – Ele esbravejava. – Eu faço de tudo por você e você fica aí, pra rua, me traindo feito uma piranha qualquer? Você me enoja, Renata. E você não dá a mínima pra mim e pro nosso relacionamento….
Minha mãe apareceu.
– Fábio, melhor você ir embora. – E então, se voltou para mim. – Assim, a Renata não faz mais coisas erradas para te magoar.
Fiquei sem reação. Minha mãe deveria ter me defendido. Mas ela não parou por aí.
– Você não tem vergonha não, Renata? – Seu tom era incisivo. – O garoto faz de tudo por você e você fica aí, brigando com ele… Assim não dá, né, minha filha? Não tem quem te aguente!
E nesse instante, eu cansei. O peso morto tomou conta de mim. Peguei minha cartela de calmantes e fui ao banheiro. Minha mãe achava que eu tinha tomado um comprimido para me acalmar.
Eu tomei os dez.
No segundo seguinte, estou deitada na cama e todos os fantasmas vêm aos meus olhos meu saudar. Borrões disformes.
Ouço um barulho de sirene ao fundo, pessoas me carregando. Um médico? Alguém me amarrou. Eu vomito, mais de uma vez, repetidas vezes.
Meu pai tem mania de limpeza. Assim que alguém sai, ele entra pra ver se não fez bagunça. Ele achou um comprimido no chão. Minha mãe tentou se arrepender, mas já era tarde demais. Eu já estava entregue ao peso morto. Completamente grogue. Chamou a ambulância, fizeram lavagem estomacal. Sobrevivi, acordei dois dias depois.
Fábio sequer foi ao hospital. Fiquei dois dias apagada e ele não deu a mínima.
Voltei para a minha casa e ele apareceu.
– Oi, dona Márcia. Sou eu, Fábio. – Ele disse do portão. – Pode deixar que eu assumo a Renata a partir de agora.
Assumir. Como se eu fosse o volante de um carro. Como se eu estivesse grávida, mesmo sem nunca ter rolado nada. O peso morto virou uma bomba relógio em mim enquanto minha mãe falava.
– Fa, não estou encontrando a chave… Espera um minutinho só.
Peguei tudo de força que tinha dentro de mim e fui até a cozinha. Abri a segunda gaveta, das facas. E eu fui até o portão.
Depois da minha tentativa de suicídio, eu finalmente acordei. Eu sabia que era culpa dele e eu queria ele morto.
Vi seus olhos arregalarem, assim como os do seu pai, que estavam com ele. Ele correu para o carro. Foram embora arrancando pneu.
Ele nunca mais apareceu, eu me desfiz de tudo que envolvia Fábio na minha vida e nunca agradeci tanto pela chave que fora abduzida para baixo da mesa e ninguém viu. Ele finalmente estava morto pra mim.
* Os nomes foram trocados para manter as devidas identidades preservadas.
CVV – Centro de Valorização da Vida – Ligue 188 se precisar conversar
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