eu me lembro de querer um amor, me lembro de levantar da cadeira às duas da tarde, todos os dias, andar pelo bairro de rico, passar pelo trabalho da minha mãe e comprar uma marmita. o meu fone estava no ouvido, eu tinha o tinder instalado e um iphone quatro. no meu fone, eu ouvia the neighbourhood e entendia a dor. só queria ser feliz e encontrar alguém para dividir meu quarto travesseiro. durmo com quatro. um dia pensei que eu era fodido da cabeça.
leia ouvindo: capitão gancho, clarice falcão
sempre gostei da solidão, do belprazer que era estar comigo mesmo. de passar a mão pelo meu braço e me sentir. sentir que era eu cuidando de mim mesmo. de sentar no banco do parque, ao anoitecer, ver o por do sol sozinho sobre as vitórias régias enquanto rabiscava alguma coisa no meu caderninho de textos que viria a se tornar meu livro mais tarde.
no dia que imprimi meu manuscrito, você foi embora.
no dia que te dei de presente, no mesmo lugar, te filmei
te disse que um dia ia te aplaudir da primeira fileira quando ganhasse um prêmio, a minha cabeça achava que você faria o mesmo, mas eu não era alguém com quem você queria dividir o travesseiro. você não me aplaudiu da primeira fileira. você sequer foi ao show.
no meu camarim, pedi para sair e tomar um ar. eu havia tomado um shot de tequila para perder a vergonha antes de entrar no palco. ninguém sabia disso até agora. me desculpem. mas eu saí, um pouco tonto, você sabe minha tendência a exageros.
liguei para o meu pai e disse me busca agora
ele demorou
fiquei andando e desisti de ir embora, cantarolando jar of hearts da christina perri. será que eu sempre estaria destinado a viver essa merda? seria esse o meu karma? eu queria esquecer a primeira vez que a gente se beijou.
eu devia ter abraçado o meu sofrimento naquela época e nunca ter ido te encontrar com meu chapéu coco, meu manuscrito e minha camisa azul que você abriu com tanta destreza. minha alma se curou da gripe, mas com o tempo ela voltou, felizmente sou vacinado.
hoje eu ainda tenho meu quarto travesseiro e quem dorme nele é a minha cachorra. muita gente já passou por ele e não me orgulho disso. segundo o ministério da saúde sou uma pessoa promíuscua. engraçado que até o ministério da saúde usa palavra rebuscada e você não, você disse que eu era puta.
a gente caiu tão rápido e eu falava que o amor ia nos separar. amor nunca é suficiente. mas sou grato que a gente deu uma chance enquanto podíamos dar e aproveitamos todas as oportunidades no banco traseiro do carro, mesmo quando tínhamos platéia.
eu queria ter roubado a sua blusa, porque assim eu teria uma lembrança sólida de que tudo isso aconteceu um dia, mas eu não tenho nada sólido senão nossos ingressos de cinema que tendem a se desgastar com o tempo. desde o primeiro, guardado, e um dia minha memória não vai ser a mesma que é hoje.
eu esperava ter você do meu lado até lá, para me relembrar do quanto a vida foi gostosa.
do quanto a vida é gostosa todos os dias, mas você pediu demissão de mim e eu de bom, grado, te mandei embora com todos os benefícios que poderia ter. eu nunca amei por aí, mas você eu amei em todos os lugares, chorei em todas as calçadas. meus amigos acham que nós seríamos uma novela mexicana da melhor qualidade, outros acham que eu insisti demais nos seus abusos.
será que eu deveria encontrar outra pessoa?
já cheguei a pensar que nunca teria mais ninguém para mim na terra, acredita? sete bilhões de pessoas no mundo, a ciência diz que temos até gêmeos espalhados por aí e eu pensando que não encontraria mais ninguém como você. na verdade, eu ainda acho que não.
sempre que tento encontrar alguém além de você, eu penso como seria se fosse com você. ou como se eu tirasse você da sua carcaça e colocasse nessa nova pessoa. é difícil lidar com o luto, ainda mais quando a parte morta continua viva.
eu juro que tentei rezar para todos os santos para te ter de volta. li as cartas de tarô, mas nelas sempre estivemos destinados a terminarmos. dia ou outro, elas diziam que voltaríamos ao normal. o meu tarô sempre teve esperança na gente mesmo quando nem a vida tinha.
mesmo assim, você teve coragem de recusar o meu travesseiro, e dizer que eu era louco em todas as oportunidades que teve. meus amigos eram todos vilões, eram todos loucos. lembra? agora não tenho quase nenhum amigo. não que eu me importe muito, eu amo estar sozinho, eu amo estar só comigo. mas você nunca percebeu que ao chamar meus amigos de loucos você estava me chamando de louco? felizmente, sempre fui louco. deus me livre ser normal e ser como você, com medo de me expressar. meu coração é uma janela aberta.
sabe de quem você gostava e nutria um amor pressionado? daquele seu amigo que te dava um brownie de aniversário. eu te dei todo o meu amor e você gostava de um brownie de procedência duvidosa. um brownie custa 10 reais no starbucks. se ele vale mais, meu amor vale pelo menos nove reais.
você pagou nove reais e eu paguei milhões, ainda pago. sério que você me acha tão baixo assim? sério que você nunca percebeu em mim as qualidades que mais admirava nos outros? poxa, eu te dei meu travesseiro.
agora estou aqui no escuro, ouvindo the neighbourhood e pensando que todos esses anos se passaram para eu dar uma super volta em círculo. eu sei que nós temos a vida que escolhemos viver, mas você realmente acha que pode me deixar mais uma vez de molho, no escanteio? quando criança eu morria de medo do escuro, mas hoje ele é quem mais me acolhe junto a essas palavras e essas músicas. vou acender um incenso e tomar um banho de sete ervas.
a biologia demora anos para regenerar minhas células, é reconfortante saber que um dia terei um corpo que você nunca vai ter tocado, mas vai demorar. eu quero te tirar da minha alma agora, mas não sei como se nos tornamos uma pessoa só. a gente virou um só quando dividiu aquela banheira, os sete brigadeiros nos sete meses e até a escova de dentes.
a gente virou um só quando você levantou de noite para pegar água para mim. a gente virou um só quando você ficou sozinho e eu morri por duas horas na sala de cirurgia. você quase me perdeu ali, mas não como quem perde um jogo de copa do mundo. como eu. como eu perdi você agora, mas a culpa nunca foi minha. você sempre quis partir. sempre me gabei de ser um goner, mas o goner era você. sempre estive mais para um stayer. eu fiquei aqui todo esse tempo.
eu pensei que estaria feliz a essa altura do campeonato. não me entenda mal, não estou triste, mas estou levando. meu coração está leve, um peso saiu dele, mas ainda é como se tivesse um carrapato ali que insiste em manter seu nome tatuado a ferro e fogo. não se preocupe, eu não vou remover sua tatuagem assim como você me removeu. sempre fui bandaid na sua ferida, enquanto para mim, você era tatuagem permanente.