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Crítica de Cinema: ZOOTOPIA – ESSA CIDADE É O BICHO (2016)

CONTÉM SPOILERS!

Em quais lugares você pode ser o que quiser?

Na atualidade, sabemos que nós vivenciamos um emaranhado de preconceitos que se perderam em sua origem, já na nova animação do Walt Disney Animation Studios embarcamos para a utópica cidade de Zootopia, que deu o nome ao longa, lugar que todos os animais vivem em completa harmonia, não importa se é presa ou predador, em Zootopia você pode ser o que quiser.

O filme conta a história de Judy Hopps, a coelha mais fofa, inteligente e determinada que Hollywood produziu, Judy desde sua infância sonha em ser policial, mas é totalmente colocada para baixo por seus pais coelhos, que representam o pensamento rural tradicional de manter os filhos próximos do negócio da família, já que a coelha possui outros 275 irmãos que trabalham na produção de cenouras em uma cidade do interior.
Enfrentando seus objetivos e procurando suas metas ela finalmente consegue ser a primeira oficial coelha (presa) dentro de uma estrutura policial que só existem animais predadores, como rinocerontes, ursos e leões. O que nossa protagonista não esperava é não ser levada a sério por seus colegas e ser despachada para ser guarda de trânsito, posto que ela aceita e se esforça para dar o melhor de si, não obstante a vontade de ser uma policial não se apagou, levando a coelhinha a conhecer Nick Wilde, uma raposa que realiza pequenos golpes, como derreter picolés de elefantes e revender em tamanhos reduzidos para camundongos.

O filme começa a ganhar força quando Hopps está prestes a ser demitida pelo Chefe Bogo, que não consegue finalizar seu trabalho, pois Judy se compromete com a Sra. Lontroza a encontrar seu marido desaparecido junto com os outros catorze animais que também desapareceram na cidade. Judy conta com o apoio da pequena ovelha vice-prefeita da cidade, Bellwether, que é oprimida pelo prefeito Leãonardo.

No começo de suas investigações ela é obrigada a chantagear a raposa Nick Wilde para desvendar o paradeiro da lontra. A raposa é descolada e cheia dos contatos, ajudando muito Juddy em sua missão, fazendo eles encontrarem uma hilária preguiça do departamento de trânsito que já divertiu todos no trailer.

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Cena em que Judy está presente em um dos distritos da cidade, salvando a filha do Sr. Big, vemos que todos em Zootopia tem habitações adequadas as suas necessidades.

Um fato interessante da cidade de Zootopia é conferir referências as cidades contemporâneas e ver seus moradores utilizarem vários serviços muito procurados atualmente, flagramos a coelhinha Judy usando seu celular da provável marca Carrot (cenoura em Português), realizando uma clara nomeação a empresa de tecnologia Apple, e operadora PB&J (“Peanut butter and jelly” – manteiga de amendoim, em português).

Vemos que dentro do filme existe apologia ao filme O Poderoso Chefão através da personagem Sr. Big e também a presença de  uma cena onde alguns títulos da Disney estão sendo pirateados na cidade.

Zootopia tem uma estrela do pop chamada Gazella, interpretada pela musa do pop Shakira que canta a música tema chamada Try Everything. Veja o clipe clicando aqui.

Em Zootopia encontrei um filme grandioso para todas as idades, pois ensina lições básicas de aceitação e convivência com pessoas de diferentes padrões e cria uma reflexão importante para nós seguirmos e acreditarmos em nossos objetivos e potenciais e aprendermos a não ser manipulados por opiniões de outras pessoas.

Acredito que muitos especialistas em cinema irão dizer sobre a saturação dessa fórmula Disney de roteirização, mas afirmo para você que chegou até aqui que o filme transforma as formulas clichês colocando assuntos atuais e importantes para nossa sociedade, criando personagens profundos e verossímeis que harmonizam com toda criação visual e preocupação com detalhes para história crescer durante todo o filme e ter reviravoltas interessantes, inclusive a descoberta da/do real vilã/o. Agora só resta você descobrir quem está manipulando a cidade de Zootopia, só conferir a resposta nos cinemas.

Quer conhecer um pouco mais dos personagens antes de ver o filme? Confira o trailer aqui em baixo <3

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Crítica de Cinema: Spotlight – Segredos Revelados

Em tempos de mídias golpistas e parciais, que fazem de tudo por uma boa história, que aliás, nem precisa ser boa, ou mesmo verídica, mas precisa render. Spotlight traz uma visão do que o jornalismo realmente deveria ser: ético, justo, que expõe ao público informações verdadeiras, crimes que ficaram impunes e que não tenta manipular o leitor. O jornalismo que trabalha para o bem da sociedade.

“Spotlight” é a equipe de investigação do Jornal “The Boston Globe”, formada por Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sasha Pfeiffer (Rachel McAdams), Matty Carroll (Brian D´Arcy James) e chefiada por Walter Robinson (Michael Keaton). A equipe descobre casos isolados de padres da Igreja Católica da arquidiocese de Boston que abusaram sexualmente de crianças e, como esses casos, mesmo sendo de conhecimento de vários líderes religiosos e de outros setores da sociedade, foram encobertos e permaneceram impunes por um longo tempo.

Eles resolvem então, fazer uma investigação a fundo, entrevistam adultos que foram abusados por padres quando eram crianças, advogados e o próprio cardeal. Acabam se deparando com uma realidade grotesca e repugnante, casos de pedofilia são muito mais numerosos do que eles podiam imaginar, é um problema enorme dentro da Igreja Católica, que com seu poder gigantesco, conseguiu abafar os escândalos. Em momento algum o filme critica a religião católica, mas sim, a instituição, que como toda instituição formada por homens, é falha.

Os jornalistas conforme prosseguiam em suas investigações, viram que os padres, geralmente abusavam de crianças de classes mais baixas, em situação de grande vulnerabilidade, cativavam-nas e depois as abusavam, roubando a infância delas, a dignidade e a fé. A Igreja, quando tinha ciência dos casos, fazia de tudo para acobertar os criminosos, mudando eles de paróquia, diocese ou simplesmente, afastando-os por “problemas de saúde”.

A história de “Spotlight – Segredos revelados” é baseada em fatos reais. Boston tem uma das maiores comunidades católicas dos Estados Unidos, mais de 70 padres foram acusados de pedofilia, tornando o escândalo mundial e trazendo muita dor de cabeça ao Vaticano. É comovente ver como os jornalistas se envolveram pessoalmente com o caso, principalmente Mike Rezendes, interpretado brilhantemente por Mark Ruffalo, sendo ele português, tem uma relação mais forte com o catolicismo, então fica extremamente decepcionado e horrorizado com o que descobre.

Tom McCarthy, o diretor do longa, coloca-nos dentro da redação do jornal, é possível ver como as coisas funcionam lá e como os repórteres vão a campo atrás de informações e documentos. A Igreja possui um esquema obscuro, dificulta burocraticamente o acesso a documentos com informações ruins sobre seus sacerdotes, faz um jogo sujo e vai contra os dogmas dela mesma.

O filme prende nossa atenção do começo ao fim, ficamos motivados em saber mais e mais sobre a história. O que também achei interessante foi como cada jornalista da equipe foi afetado com o caso, Matty, por exemplo, fica assustado ao saber que um dos pedófilos é seu vizinho e alerta aos seus filhos evitar passar perto da casa do padre. Sasha, que costumava ir a igreja com sua avó, não consegue mais ir, não consegue esquecer das entrevistas emocionadas que fez com as vítimas. Cada um deles sabe a enorme responsabilidade que eles têm de trazer a verdade a tona.

A atuação de todos é muito boa, segura e precisa. Mas quem se destacou foi, sem dúvida, Mark Ruffalo. Ele incorporou o jornalista de uma tal maneira que nos faz esquecer que é apenas um filme. Trouxe toda a paixão que Mike tem por sua profissão e em fazer o bem para os outros. Todos os personagens são trabalhados de forma bastante realista e fiel à história verdadeira. O filme se concentrou na vida dos personagens enquanto profissionais, não sabemos muito do lado pessoal de cada um.

Spotlight tem um ritmo lento e rápido ao mesmo tempo, lento pois não possui clímax, momentos dramáticos, nesse sentido o filme é bastante morno e, rápido, pois é fácil ficar perdido em meio a tantas informações e descobertas, é necessário estar atento a tudo o que eles falam.

O diretor inseriu em diversas cenas uma monumental Igreja no plano de fundo e à frente uma escola ou parquinho, onde seria um lugar de acolhimento e amor, passa a ser assustador e opressor. O interior da igreja também é caracterizado de forma em que ficasse um clima pesado. Boston é sempre mostrada de maneira fria e escura.

O ambiente do “The Boston Globe” é claro, limpo e usa tonalidades de branco e cinza, trazendo um aspecto higiênico e frio. A sala de Spotlight tem um acesso mais difícil dentro do prédio do Jornal,fica “escondida”, reclusa, afastada de todo resto, podemos entender isso como uma referência aos segredos que essa sala guarda.

A trilha sonora é muitas vezes melancólica, aumenta a tensão e a dramaticidade de certos momentos. Para mim, foi muito bem pensada a cena em que a matéria, finalmente, está sendo escrita e ao fundo temos crianças de um coral da igreja cantando “Noite Feliz”, o que seria algo bonito e puro, enche-nos de horror ao pensar o que poderia ter acontecido com uma dessas crianças dentro da própria instituição religiosa.

Spotlight mostrou de forma realista, que a sociedade se cala diante de crimes sexuais e, principalmente, quando quem sofre vem de uma classe mais baixa. É mais fácil ignorar a dor e os traumas alheios. Fingir que esses abusos não acontecem dentro da própria Igreja Católica foi a opção de muitos e o filme deixa isso bastante claro.

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Crítica: 45 years (2015)

Teu passado não te condena, não mesmo. Teu passado só vai perturbar todo um futuro incerto, vai ser constante de temores, uma corda-bamba entre os dias nauseantes. Essa é a principal mensagem de 45 years. Uma lição obscura que nem todos gostariam de receber.

O filme gira em torno de um casal que em alguns dias estaria por completar 45 anos de casamento. Kate e Geoff vivem suas vidas na normalidade cabível para o interior do Reino Unido, a mulher todas as manhãs caminha com seu cachorro, o marido cria entretenimentos entre os cômodos da casa e assim os dias se passam, até chegarmos à última semana para grande comemoração. Kate começa os preparativos para a festa de seu quase meio século de casada. Contrata gente pra isso, para aquilo, e por ai vai. Todo o clima de uma pré-festa é criado até que um carta acaba por invadir a residência dos Mercer. Em um alemão culto a mensagem da carta é a seguinte: Encontramos ela.

Nesse momento tanto Kate quanto Geoff se mostram atônitos. “Ela” seria o primeiro amor de Geoff, seu principio de paixão que morrera em uma escalada nos alpes suíços. Segundo o documento o corpo da ex-namorada de Geoff está intacto, congelado no alto de uma montanha. A partir daí a vida do casal não é a mesma. Os cinco dias que o filme faz questão de contar massantemente são cheios de desconfiança, traumas e diálogos que chegam ao ápice do arrependimento. Primeiro que Geoff não contara tudo à sua mulher sobre seu relacionamento com a sumida e morta amiga, o homem deixara permear várias camadas de verdades não postas a mesa e a medida em que estas camadas são jogadas fora Kate se transforma. Da mulher simpática que caminhava com o cachorro, Kate torna-se a ciumenta e insegura esposa e Geoff, com o que resta de sua paciência e consciência, apenas prossegue com a sua narrativa da história.

O filme de certa forma fora criado para Charlotte Rampling, que interpreta Kate Mercer. Grande parte do longa é um monologo silencioso da personagem. Suas caminhadas matinais, suas saídas para encarar rios e árvores não incomodam o espectador, ao contrário, só o deixa mais íntimo da situação. As expressões de Charlotte são um banquete para o admirador da interpretação. Cada detalha colocado pela atriz nas telas é de uma preciosidade gigantesca, mas não faz de Charlotte a melhor entre as atrizes indicadas ao Oscar. Tivemos grandes interpretações esse ano sendo indicadas pela Academia, tanto com papeis principais quanto coadjuvantes, e Rampling fora uma dessas, mas creio que não consiga tirar a estatueta de Brie Larson (Room), mesmo se sobrepondo à Saoirse Ronan (que deu o seu melhor em Brooklyn, mas não fora isso tudo) e JLaw (Joy). Se fossemos criar um ranking (já criando), Charlotte Rampling estaria empatada com Cate Blanchett, ambas teimando por um pedaço da estatueta, mas no fim de tudo não vejo motivos para o prêmio não ser entregue à Larson, que transformou Room em uma experiência ainda mais trágica e angustiante.

Uma das cenas em que vemos Charlotte Rampling em sua melhor forma é quando a personagem vai até o sótão procurar algumas partituras. Depois de encontrar uma de Bach, vemos Kate se debruçar no piano e retirar uma das melhores sinfonias do compositor alemão. É belo observar todos os sentimentos presentes no filme envolvidos em uma única situação, com apenas uma personagem guiando-os. Magistral a interpretação de Rampling. Encantadora como a junção de notas de Bach com o enredo simples e desafiador do filme. O mesmo podemos falar de Tom Courtenay como Geoff, dono de uma carreira gigantesca (assim como sua parceira), Courtenay nos conduz para situações inusitadas com seu personagem, é o modo cru de se interpretar que faz da atuação uma vitrine para iniciantes. Depositando mágoas e desejos, Courtenay intercala os momentos de seu personagem com uma dignidade que aquele senhor exige. O que vemos em 45 years são dois titãs do cinema britânico reforçando suas posições, colocando à exposição suas habilidades singulares. Não se observa isso todo dia.

A fotografia de 45 years tem suas particularidades. Passamos quase duas horas com tons claros, variando do verde para o azul e em alguns momentos chegando ao amarelo dos campos interioranos da Inglaterra. Somos presenteados com ângulos maravilhosos, que tomam toda a paisagem para si e colocam na tela. Esses momentos em que observamos todo um plano paisagístico se repetem em várias tomadas e só deixa o filme ainda mais digno de interpretações; essa lacunas oferecidas pelo diretor são propositais. Deixam o espectador observar e criar uma verdade sobre aquilo. O filme inteiro nos coloca nesta posição, não de apenas ouvinte ou espectador, mas de interpretador de algumas situações. O drama do fim da vida é retratado visceralmente, com diálogos que se encaixam perfeitamente. De uma realidade brusca e sem entremeios, 45 years nos leva a refletir sobre um tema básico, simples e que com o passar dos minutos se torna denso. Uma obra admirável e com mil significados, virando de pessoa por pessoa.

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Crítica: Winter On Fire: Ukraine’s Fight for Freedom (2015)

Desprenda-se de tudo e de todos, lance no mais profundo rio seus prazeres e seus fetiches, não se vista com o orgulho ou soberba que por dias lhe consomem, por ser quem é. Desista dessa falível encenação e pare, pense sobre tudo isso e por fim aperte o play. Só assim, se martirizando de início você não sofrerá o que todos nós sofremos ao assistir “Winter on Fire”. Minto, você sofrerá, mas não portará esse sentimento de incompetência e inutilidade que aquele que assiste o documentário comumente carrega. Não sei quando o efeito do filme irá passar, não faço a mínima ideia, mas tenho toda a certeza que levarei lições concretas para a toda vida depois que vi tremenda produção.

A Ucrânia encarou sua independência em 1990, de lá para cá o país enfrenta mudanças drásticas e uma delas é o tema central do documentário “Winter on Fire”.  Quando o então presidente  Viktor Yanukovytch assume seu cargo de comandante do país as expectativas caiam justamente na questão de que tal assinaria o acordo que colocaria a Ucrânia na União Europeia. Que tornaria de fato o país em um país europeu. Mas Yanukovytch não ascendera ao poder com tal objetivo, o imã deste era atraído pelo outro lado da história. O presidente negara tal acordo e mostrou sua real face ao se esgueirar para cumprimentar com toda alegria e satisfação a Rússia de Putin. A partir deste momento as coisas começaram a acontecer na Ucrânia. Milhares de jovens se reuniram na Praça da Independência em 2013, estes carregavam bandeiras do país e da União Europeia, simbolizando o anseio popular por tal junção. Esses mesmos estudantes acompanhados de outras esferas populares foram brutalmente agredidos pela polícia, mesmo estando desarmados, mesmo estando protestando da forma mais pacífica possível.

Após o ocorrido em “Maidan” (A Praça da Independência) o perfil das manifestações foi se fortificando, até chegar a um número gigantesco de mais de um milhão de pessoas juntas naquele lugar, tudo isso por conta da atitude ditatorial do estado frente aos protestos . Estamos falando deste quantitativo de pessoas:

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A partir dai uma guerra toma conta de Kiev e de toda a Ucrânia. Conflito marcado pela covardia militar em atacar pessoas que até então estavam desarmadas, marcado por ser o estopim de uma das atuais revoluções e representar toda a revolta do povo Ucraniano, na verdade, esta é a personificação da ira causada pelos anos de repressão encoberta que acabou por atingir níveis inimagináveis a medida em que o povo saia às ruas. O documentário é de nacionalidade Ucraniana, mas tem a Netflix como detentora e produtora, este concorre com outros dois documentários da netflix (Amy e What Happened, Miss Simone) e com Cartel Land e The Look of Silence. Esta é uma categoria perigosa, a de Melhor documentário em longa-metragem, porque ao assistirmos cada longa acabamos por adentrar naquela situação, acabamos por sentir uma parcela mínima do que aquelas pessoas sentiam, e todos os indicados se encarregaram de fazer isso de uma forma espetacular. No filme que conta a história de Nina Simone observamos aquela loucura, aquela delírio provocado por sua dedicação extrema à arte e à luta. Isso se repete em Amy, em The Look of Silence e em Cartel Land, mas em minha humilde opinião, Winter on Fire consegue provocar o espectador de um modo que os outros documentários não conseguem. É de uma mortalidade que nos transporta para outros lugares, para a Ucrânia, para Maidan e nos faz erguer a bandeira bicolor e gritar “Glória aos heróis”. A forma como as imagens foram captadas transparece isso. Estamos em uma zona de conflito onde viver é a menor das certezas e perder sangue em prol da nação é ato inquestionável.

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A luta ucraniana posta em cena só nos causa vergonha profunda, nos deixa desnorteados pois reclamamos de pouca coisa, não agimos por grandes mudanças e achamos que dedicar nossas forças em coisas muitas vezes inúteis se constitui em atos de heroísmo. Um misto de sensações se apossam de quem vê tamanha barbárie, tamanha coragem dos filhos de um país recém-liberto que não admitem serem escravizados à leis desumanas. O mundo presencia novas ondas de liberdade, igualdade e fraternidade, novos homens e mulheres que não se satisfazem com assistir o acontecimento e apenas isso. Eles precisam ir para o centro de tudo, precisam ser agentes de seu próprio destino. “Winter on Fire” traduz tudo isso em quase duas horas de filme. É um filme que nos lança para o inferno chamado totalitarismo, para ao chegarmos lá, vermos que não existe outro caminho a não ser lutar e mostrar as garras. É impossível não se emocionar com o documentário, impossível assistir “Winter on Fire” e continuar a mesma pessoa, com mesmos conceitos e medos. Quando o longa acaba um pedaço do espectador se encontra modificado, atônito e sem ar.

Glória à Ucrânia

Glória aos Heróis

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Crítica: The Big Short (2015)

A economia mundial preserva sua estabilidade dia após dia, assim enxergavam todas as pessoas durante 2007 e 2008, mas sempre, acredite, sempre existirá aquele que conseguirá prever o caos em meio a tanta tranquilidade. “The Big Short” conta a história de poucos homens que conseguiram prever a crise que estava se apossando do mercado, tudo isso por poucos números, visíveis a todos. Mas não adentraremos na questão econômica da coisa, falaremos aqui exclusivamente do filme e por acidente acabaremos por cair em algumas explicações sobre o assunto recorrente do longa. É um filme que precisa ser esculpido com o passar dos minutos, ele não vem pronto, explícito para quem assiste, é difícil de se achar filmes assim, e ainda mais complicado conseguir entende-lo por completo.

“The Big Short”, como o próprio título diz “A Grande aposta” coloca nas telas a história de algumas pessoas que conseguiram se movimentar e se aprofundar na magnitude da crise que estava por vir, quando ninguém mais visualizava aquilo. Era algo arriscado, que envolveria milhões e milhões de dólares, mas eles acabaram apostando. Aguardamos o momento da “verdade” com grande ansiedade, loucos para encararmos os personagens após tantos obstáculos e comemorarmos a vitória prevista. Nada disso ocorre. Mas comecemos do começo. Temos o investidor Michael Burry, interpretado por Christian Bale (que por sinal está gigantesco neste filme, falaremos daqui a pouco sobre isso), ele acredita que o sistema imobiliário dos EUA vai despencar gradativamente e em determinado momento enfrentará um abismo quase que sem fim. Ninguém acredita em Burry, por esse motivo e tantos outros ele saca o dinheiro das pessoas que investem em sua empresa e aposta tudo contra o sistema. Ninguém antes fizera isso e tinha se saído bem. A empresa de Burry entra em colapso e ele sustenta sua aposta por entre os meses, isso reflete em todo o sub-mercado, pessoas começam a saber dos atos de Michael Burry e outros empresários como Mark Baum (Steve Carell) e Jared Vennett (Ryan Gosling) junto a dois iniciantes nos negócios, adentram no tal “esporte” de apostar contra o mercado. Vemos ai uma teia formada pelo roteirista que funciona muito bem mesmo quando esses personagens não acabam por se encontrar, cada qual em seu lugar, poucos são aqueles que se relacionam com os outros. Temos polos divididos em toda Wall Street, mas ao mesmo tempo correlacionados por estaremos envolvidos em um mesmo investimento, isso deixa o filme com um elenco principal gigantesco e um elenco secundário três vezes maior, porque não só se fala de economia. Temos os relacionamentos pessoas de ambos personagens. Vemos Michael Burry se envolver drasticamente com a situação e acabar por encorporar uma loucura maior que a já presente, encaramos Mark Baum enfrentando o suicídio do irmão e os dois jovens estreantes tentando gravar seus nomes na parede gigantesca do mercado norte-americano.

A caracterização dos personagens é de um detalhismo fora de série. Começando por Michael Burry vemos que os roteiristas ( Adam McKay e Charles Randolph) conseguiram adaptar a obra de Michael Lewis fantasticamente, e além de tudo acrescentaram características aos personagens, isso é somado as grandes atuações de todo o elenco e temos um filme que passa rápido até demais, um filme encharcado de teorias e jargões economicistas que só nos aproximam do ambiente ao invés de deixar o longa enfadonho. “The Big Short” é indicado a Melhor Roteiro Adaptado e concorre com o incrível “Room”, não temos toda a certeza sobre essa categoria, mas que os roteiristas fizerem um trabalho descomunal, não existe certeza maior. Michael Burry, o personagem que há pouco falávamos recebeu como interprete Christian Bale, que está em sua melhor forma neste filme. Com um olho falso, uma atuação inquietante e diversos momentos de êxtase irracional, frente à uma bateria ou na mesa do escritório, Bale consegue fazer de seu personagem um dos mais bem produzidos do longa, junto ao de Steve Carell. Bale concorre na categoria “Melhor ator coadjuvante”, enfrentando Tom Hardy que vem acompanhado do frio e as estatuetas já ganhas por “O Regresso”. É uma briga que acompanharemos até o grande dia como espectadores frenéticos. Devemos falar também de Steve Carell, que já se mostrou ser um bom ator para interpretar psicóticos em “Foxcatcher”, e faz o mesmo em “The Big Short” só que mil vezes melhor. O personagem oferecido a Carell tem muitas faces, é o senhor da teoria da conspiração e prova que no fim das contas está certo, é o típico apostador do contra. Depois do suicídio do irmão ele reforçou suas teorias, e é aqui que vemos os dois lados de Wall Street, a loucura que está impregnada nos prédios, no ato de se fazer economia, isso transpira dos mais variados personagens, mas exclusivamente em Mark Baum (Steve Carell) e Michael Burry (Christian Bale) temos a exemplificação de como os negócios podem transformar o homem, assim como toda forma de trabalho onde se é dedicada vida e morte. É desumano em certos momentos, o filme, e isso, para o fã do cinema, é maravilhoso de se ver.

“The big short” é indicado a melhor filme, mas convenhamos, não é para tanto. É um incrível filme, mas sozinho, sem concorrentes, tem tudo que é preciso para um longa que prende, que te deixa semanas pensando sobre, mas não é o ápice da sétima arte para conquistar a tão desejada estatueta. Não se aproxima de “Room” nem “O Regresso”, nem consegue ofuscar “Spotlight” com seu enredo desafiador. É um filme nutrido de técnicas não vistas em outros, como algumas tiradas e ângulos usados para captar os sentimentos de alguns personagens e o panorama central do enredo, mas não é o topo do “fazer cinema” e por isso mesmo não merece levar tal categoria, mas está nesta por mérito, diferentemente de Brooklyn (o que aquele filme está fazendo ali?). No mais, consegue suprir as expectativas e coloca as cartas necessárias para um jogo arriscado como esse, que é narrar economia frente ao grande público, misturar drama familiar com mercado mundial, transformar problemas mínimos em um amontoado de desastres. É bem feito e pensado para leigos econômicos ou conhecedores do mercado, mas nem de longe para desacostumados com o cinema, é longa para quem já viu centenas de filmes sobre o assunto, estreantes se perdem no labirinto de “The Big Short”.

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Crítica de Cinema: Mad Max – Estrada da Fúria (2015)

Quando terminei de assistir Mad Max, tive plena convicção que nunca assisti nada parecido em toda minha vida. George Miller voltou 30 anos depois da primeira trilogia com uma originalidade impressionante. Embora seja uma continuação, distanciou-se de seus antigos filmes, trouxe novas ideias, críticas sociais pesadas e muita, mas muita ação.

No longa, Immortan Joe (Hugh Kneays) é um ditador cruel, um mito, praticamente um Deus na Terra. Em um mundo pós apocalíptico, em que a água e o combustível são recursos escassos e motivo de guerra, quem os possui em abundância exerce dominação sob aqueles que não os possuem, e é exatamente assim que Immortan Joe exerce seu poder. Ele é dono de tecnologia capaz de captar água e cultivar em solo estéril.

O tirano tem tudo sob seu controle, mantém escravas sexuais, com a única função de procriar. Outras mulheres são usadas para produzir leite e são ordenhadas como se fossem vacas, é horrível de se ver a objetificação dessas mulheres e como a situação retratada não está tão distante da realidade.

Aliás, a objetificação do ser humano é um tema bastante abordado pelo filme, quando Max (Tom Hardy) é capturado no início do filme, ele é usado como bolsa de sangue para Nux (Nicholas Hoult), um jovem de meia-vida, dos chamados War Boys, soldados de Immortan, que o veneram como um Deus e que estão dispostos a morrer por ele.

A Imperatriz Furiosa (Charlize Teron) é motorista de um caminhão de combustível e é mandada ao Vale da Gasolina por Immortan. Mal sabia ele, que Furiosa havia libertado as escravas e fugia com elas na esperança de encontrar o Vale Verde. O tirano, quando percebe que foi enganado, manda um exército de peso atrás dela, é nas cenas de perseguição que o filme se concentra e onde Max encontra Furiosa e passa a ajudá-la em sua fuga.

A perseguição é completamente surreal, o caminhão de Furiosa é seguido por carros híbridos, caminhões, War Boys suicidas, fogo, explosivos, tudo ao som de uma guitarra elétrica flamejante tocada em um caminhão lotado de amplificadores. É uma maluquice enorme, você fica sem fôlego de assistir à quase 2h de pura ação. O diretor quis usar o mínimo possível de efeitos especiais, então tudo é retratado de maneira muito realista.

O filme tem poucos diálogos, isso é verdade. Mas a interpretação dos atores foi maravilhosa, suas ações e olhares supriram a falta de falas de maneira impressionante e transmitiram com eficácia a mensagem que o longa quis transmitir.

Furiosa é uma personagem grandiosa. A maneira como as mulheres foram representadas no filme, romperam com o clichê da frágil mulher que precisa ser salva por um homem. Ela não é masculinizada, é apenas uma mulher querendo mais do que tudo salvar outras mulheres que precisam dela, o empoderamento feminino é enorme.

Nesse novo filme, Max não é mais aquele “machão” autossuficiente. Ele, como todo ser humano, possui suas fraquezas, suas dores e traumas, quebrando o estereótipo da masculinidade. Os homens não são super heróis, também precisam de ajuda. A relação de Max e Furiosa é de parceria e companheirismo, um homem e uma mulher se ajudando com igualdade, ela o salvando em várias ocasiões e ele a salvando também, um não é melhor do que outro. Traz uma lição de que homens e mulheres devem trabalhar juntos.

Outra atuação impressionante foi de Nicholas Hoult, que trabalha para Immortan Joe e possui uma vida curta, pois está repleto de tumores por conta da radiação a que foi exposto. Ele é enérgico, insano, suicida, daria sua vida com prazer pelo tirano, mas depois se decepciona com ele e o enxerga como realmente é, por isso muda de lado e ajuda as meninas a fugir.

A fotografia, o cenário, os objetos se encaixaram perfeitamente nesse universo apocalíptico e distópico. O clima desértico, quente, seco, há o uso de tons alaranjados e vermelhos. Tudo parece desgastado e sujo, os carros são formados por partes de diferentes automóveis. O figurino também ajudou muito na construção de personalidade dos personagens. A roupa de Immortan Joe é a mais assustadora, é quase como uma armadura para esconder seus defeitos físicos, a máscara com dentes animalescos é assustadora, admito que fiquei com um pouco de medo dele.

O que mais gostei da trama foram as diversas críticas realizadas. Temos a questão ambiental em pauta, a escassez de água, a infertilidade do solo, a radiação causada por guerras termonucleares. As mulheres questionam: “Quem destruiu o mundo?”.Homens gananciosos, que só pensam em si próprios e acabam prejudicando todo o planeta. É um drama real e que serve de alerta com o que estamos fazendo com o meio ambiente.

Outra crítica muito bem abordada foi a escravização de mulheres para fins sexuais. Gostaria de dizer que isso é história de filme, uma ficção distante e triste. Mas, não. Sabemos que essa é a realidade de milhares de mulheres, principalmente em áreas dominadas por terroristas, que adquirem territórios e estupram mulheres e meninas constantemente, para o prazer masculino ou mesmo para perpetuação de sua ideologia. A cena em que elas quebram uma calcinha de ferro que eram obrigadas a usar é um ótimo simbolismo da busca de liberdade, empoderamento e independência feminina em um mundo dominado por homens. Mulheres se unem para mudar o que está errado e gritam: “Nossos filhos não serão filhos da guerra.”

Ideologias doentias também são abordadas. A lavagem cerebral em jovens em nome de um Deus, de uma religião, fazem-os realizar atos horríveis e desumanos. Não preciso nem me alongar nesse assunto, basta ligar a televisão e ver todos os dias notícias de jovens recrutados por grupos jihadistas, esse futuro pós apocalíptico é muito mais plausível do que podemos imaginar.

Devo confessar que na primeira vez em que assisti ao filme não gostei muito, achei que tinha muita ação para pouco diálogo. Mas depois percebi a profundidade da história, que deve servir de modelo para os próximos filmes do gênero, pois não é ação pela ação. Mas é uma trama política, social e revolucionária, revolução essa, que deve partir das mulheres.

https://www.youtube.com/watch?v=V3_s8gltmNg

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Crítica de Cinema: Amy (2015)

Do mesmo diretor de Senna, Asif Kapadia, Amy é um dos documentários que concorre ao Oscar desse ano e que percorre a trajetória da cantora através de gravações de áudio, vídeos, fotos e depoimentos. O material coletado, parte dele inédito, é extremamente valioso e registra sua vida em detalhes, desde quando tem apenas 14 anos e brinca e canta com os amigos por diversão.

O filme mostra com sensibilidade o íntimo de Amy, aquele que não conhecíamos e que nunca foi mostrado pela grande mídia. Aliás, paparazzi e o exagerado consumo de notícias sensacionalistas são uma das causas apontadas pelo filme pela morte da artista. A associação da sua saúde fragilizada com a bulimia, doença que tinha desde criança, além do uso excessivo do álcool – e foi o álcool, e não as drogas, como se noticiou – que a fizeram morrer. Mas a perseguição e a falta de privacidade que ela passou, assim como a irresponsabilidade de seu pai e gerente, que marcavam shows sabendo que ela não estava bem física e mentalmente sentenciaram sua morte.

Antes que as drogas fossem sua principal válvula de escape, Amy fazia da música sua fuga do mundo exterior. Inspirada por grandes nomes do jazz, ela se tornou uma artista completa, como afirma seu grande ídolo Tony Bennet, com quem fez um dueto em uma de suas atuações mais revigorantes. Os fatos apresentados no documentário são feitos de forma cronológica, mostrando altos e baixos, com depoimentos de amigos de infância a colegas de trabalho.

Amy mostra também a vida pré Black and Black, antes que a cantora estourasse mundialmente. Vídeos caseiros e entrevistas para jornais locais ingleses mostram o quanto ela era apaixonada por música e o quão feliz ficava em se apresentar para públicos pequenos. Descrita como uma pessoa doce e engraçada, ela também sabia ser impetuosa e tinha uma personalidade forte, apesar da essência fragilizada. A chegada e partida de Blake, namorado tempestuoso que a guiou para drogas mais pesadas, o afastamento de amigos de infância e de Nick, ex-gerente que a acompanhou a maior parte da carreira, além da recusa de procurar tratamento foram as consequências trágicas e finais de uma carreira brilhante.

Apesar de ser um documentário completo no sentido emocional, Amy tem suas falhas. Depoimentos em off e vídeos que são excessivamente reproduzidos em câmera lenta cansam o espectador. O modo como o material fotográfico foi apresentado também deixou a desejar. O constante zoom in e a simples passagem de uma foto a outra lembra uma colagem infinita. Assim como as falas rasas e vagas dos principais “personagens”, como Mitch (pai de Amy), Blake e o seu último gerente Ray Cosbert. Aliás, a falta de representatividade e uma suposta manipulação de depoimentos descontentaram o pai de Amy, que garante que lançará sua própria versão sobre a vida da artista.

Com o filme, entendemos um pouco as inspirações e motivações de Amy, assim como seus demônios e frustrações. Como a falta da figura paterna na infância a faz se tornar uma adolescente arredia e indisciplinada. A exultação em gravar seu primeiro álbum mascarada em indiferença. A aversão à fama desde o início da carreira, onde mais de uma vez em depoimentos ela afirma que não saberia lidar e sucumbiria. A paixão viciante por Blake. O tom esperançoso do início dá então lugar ao melancólico e ao desesperador fim.  O peso emocional de Amy reflete a personalidade da artista, que se rendeu aos exageros das drogas como uma válvula de escape ao que sua vida se tornara. É uma obra comovente que nos leva a conhecer duas Amys: a da fase “Frank”, com a cantora sendo criativa, engraçada e empolgada e a da fase “Back and Black”, com a cantora autodestrutiva e sombria que, infelizmente, conhecíamos muito bem.

 

 

Críticas de Cinema, Filmes

Crítica: Ex Machina – Instinto Artificial (2015)

O que diferencia o ser humano de uma máquina? O que nos faz seres humanos? Nossos sentimentos, nossa consciência, nossa alma? Esses são alguns dos questionamentos abordados por “Ex Machina”, um filme que gera uma série de reflexões sobre a nossa existência e traz aquela famosa questão: a inteligência artificial é capaz de superar a inteligência humana? A criatura é capaz de se voltar contra o criador?

“Ex Machina” é um filme de ficção científica que marca a estreia do diretor Alex Garland de maneira brilhante. Poderia ser mais um filme do gênero, abordando a criação de uma inteligência artificial, como estamos cansados de ver, mas a forma como o enredo é desenvolvido nos envolve do começo ao fim, os conflitos abordados são muito mais “humanos” que tecnológicos.

A trama se inicia com Caleb ( Domhnall Gleeson), um jovem programador, ganhando um concurso para passar uns dias na isolada e luxuosa casa do CEO de empresa que trabalha, Nathan (Oscar Isaac), que enriqueceu desenvolvendo um algoritmo de busca.

Caleb é designado por Nathan a fazer parte do Teste de Turing – teste no qual um ser humano interage com uma inteligência artificial e se não percebe que se trata de um computador, o teste é aprovado – mas no caso específico de Caleb, sua tarefa é comprovar se o robô criado por Nathan, Ava ( Alicia Vikander) é dotada de consciência ou apenas finge ter uma.

Ava é a primeira inteligência artificial do mundo, ela é mantida em um quarto, sem contato algum com o mundo exterior. Caleb conversa com ela através de um vidro, analisando a capacidade dela de se passar por um humano. Uma empatia e conexão começam a surgir entre os dois, os diálogos vão ficando mais intensos, e o desejo por conhecer o outro melhor é crescente.

É aí que entra a questão da sexualidade, Caleb questiona Nathan o porquê
dele ter feito a robô mulher e dotada de sensualidade, pergunta se isso não é um forma de distração e faz uma alusão às assistentes do mágico, que sempre são bonitas e tiram o foco do truque em si. Nathan argumenta dizendo que a sexualidade faz parte da essência humana, mais tarde, porém, descobrimos que fazer uma robô mulher foi uma escolha pessoal.

Ava usa diversos artifícios para conquistar Caleb, por isso fica claro que ela é sim, dotada de inteligência e consciência, tudo que ela faz é planejado, cada ação, fala, expressão, tudo é pensado por ela. A casa em que estão é totalmente tecnológica, há câmeras por toda parte, Nathan é ciente de tudo o que acontece em seu domínio. Mas quedas de energia são frequentes, e são nesses breves momentos que Ava e Caleb se aproximam ainda mais.

Falemos agora dos personagens. Ava, interpretada pela talentosíssima Alicia Vikander, é a melhor personagem, em minha opinião. Ava é hipnotizante, enigmática e cativante. Alicia usa cada expressão de forma perfeita e nos faz acreditar totalmente na humanidade e nas boas intenções de Ava.

Caleb, muito bem interpretado por Domhnall Gleeson, é um jovem muito inteligente, porém ingênuo e solitário, no começo ele tenta analisar tecnicamente a androide, mas depois acaba agindo pela emoção. Em determinada parte da trama, começa a duvidar da própria existência, não sabe mais se é um homem ou uma máquina, e não sabe mais em quem acreditar, colocando-nos em dúvida também.

Nathan é interpretado maravilhosamente por Oscar Isaac. Ele é um jovem misterioso e por vezes assustador. O tempo todo é difícil saber quais são suas reais intenções, se ele é o vilão ou se é o mocinho. Dedica-se muito à atividade física, mas vive se embebedando.

O filme traz uma temática religiosa muito forte. Nathan é o criador, que tudo sabe e que tudo vê, até sua criação Ava, remete a Eva. Ao todo, Caleb tem 7 sessões de conversa com Ava, em referência aos 7 dias de criação do mundo.

Outra questão muito pertinente abordada é o patriarcado é a violência contra mulher. Nathan criou outras robôs do gênero feminino para uso sexual, elas vivem presas sob seu domínio e para uso pessoal. Em referência às milhares de mulheres que passam a vida sob abusos e afastadas do mundo, submissas ao domínio masculino. A superação da inteligência de Ava sobre os homens na história e sua busca pela liberdade, faz alusão a luta da mulher pela igualdade de gênero.

O cenário de “Ex Machina” é basicamente representado pela residência de Nathan e a natureza ao redor dela. A casa tem poucas cores, parece um grande laboratório, limpo e frio, tem poucas janelas, cheio de portas, mas nem todas podem ser acessadas, pois escondem segredos por trás delas. É claustrofóbica e opressiva, quando há quedas de energia todas as portas ficam bloqueadas e uma luz vermelha é acesa, trazendo uma atmosfera ainda maior de aprisionamento. A música é utilizada nos momentos de mais tensão, alertando-nos que algo está prestes a acontecer e normalmente, não é algo bom.

Enfim, “Ex Machina” não é mais um filme de ficção científica. Ele te faz pensar sobre a existência humana, sobre até que ponto o desenvolvimento tecnológico nos é benéfico. Traz a questão da perda de privacidade e como as máquinas estão cada vez mais integradas a nós mesmos e ao nosso cotidiano. É um indicado de peso ao Oscar e um filme que eu recomendo.

https://www.youtube.com/watch?v=HtBuBJxDlU8

Críticas de Cinema

Crítica: O Menino e o Mundo (2013)

É incrível a capacidade de um filme mexer com a gente fisica, psicologica e sentimentalmente – isso é fato. Penso que não é requisito para uma obra ser considerada bem elaborada ter duração de 3 horas (ou mais), recortes no roteiro e um proposital rebuscamento no enredo visando dificultar a compreensão por parte do público. Pelo contrário, um filme é bem melhor aproveitado quando preenche os aspectos pensados pelo diretor/roteirista com as impressões de cada ser humano. E é assim que Alê Abreu, ilustrador e diretor paulista, nos apresenta a animação “O Menino e o Mundo”: uma tela, inicialmente branca, sendo preenchida por formas geométricas, desenhos e repetições que assemelham-se às imagens coloridas produzidas por um caleidoscópio.

O pensamento de que animações só servem para entretenimento infantil é descartado logo no início. Conhecemos um menino, que faz sua primeira aparição de forma bem caricata, correndo por paisagens, pulando sobre árvores e brincando em cima de uma nuvem. Ele chega até a simples casa onde mora e avista seu pai segurando uma mala, preparado para ir embora. A mãe e o pai do menino conversam, embora não consigamos compreender o que eles estão dizendo porque as falas das personagens foram gravadas no idioma português e depois invertidas – aspecto que comentarei posteriormente. O menino abraça o pai num terno momento, sendo a despedida marcada por uma canção que o pai toca numa flauta, transformando a melodia num dos pontos mais criativos da animação, pois até as notas musicais ganham visibilidade na tela, apresentando-se como bolhas coloridas que flutuam em direção ao céu. O trem chega e, prestes a partir o homem, parte toda a criação do cenário formado por traços que trazem à memória os rabiscos e desenhos que fazíamos quando crianças, sem muita perfeição mas com a estética própria de quem começa a dar os primeiros passos (de forma mais literal possível) para a expressão e compreensão de seus sentimentos.

Após a partida do pai, o menino começa a ter vislumbres da presença dele. A figura paterna mostra-se trabalhando com uma enxada – evidenciando a origem humilde da família e que o sustento deles vem da agricultura – e logo depois desaparece à vista do menino. Outros momentos de devaneio acontecem e esses são os ponta-pés iniciais para a evolução da personagem do menino que agora apresenta-se em estado triste e depressivo. O garoto, então, arruma uma mala e a única coisa que ele coloca dentro é uma foto de família, partindo logo em seguida. Nessa cena é importante destacar o efeito de transição que Alê Abreu usou para demonstrar a saída da inércia do menino, mudando todo o preenchimento colorido e nostálgico por imagens negativas do cenário em questão (o ponto do trem onde o menino viu o pai pela última vez) acrescidas de flashs dos últimos acontecimentos vividos pelo protagonista. Ao acordar, em outro cenário, o menino encontra-se na casa de um homem velho, de aparência cansada, que se veste para trabalhar. Ele junta-se a um pequeno cachorro enquanto o homem os carrega dentro de um carro de boi, dando início à jornada de trabalho árdua num algodoeiro onde muitos lavradores trabalham sincronizadamente.

A semente pra toda a crítica social presente na animação é a troca dos trabalhadores rurais por máquinas, resgatando o tema da industrialização tão conhecido por nós – dessa vez pela visão de uma criança – fazendo com que todos os homens perdessem seus empregos. Antes disso ser mostrado no filme, o menino presencia um patrão carrasco realizando uma vistoria nos empregados da lavoura e é interessante o fato de que o patrão é caracterizado como um personagem de filme de faroeste, tanto no figurino quanto em toda a sua violência ensaiada e artificial. O homem que o menino passa a acompanhar acaba por ser demitido de sua função e numa espetacular degradação do cenário de uma coloração amarelada à escuridão de uma tempestade tornamos-nos visualmente participantes da situação que o homem e o menino estão vivendo. Tendo passado pelo algodoeiro, o menino agora encontra-se numa fábrica de tecidos, onde vários operários trabalham sincronizadamente, destacando, assim como no algodoeiro, a rotina de trabalho extenuante de movimentos repetitivos a que todos aqueles homens estavam submetidos.

O menino passeia pelas ruas de ônibus, assiste a uma marcha policial acompanhada por tanques e máquinas de guerra e conhece a realidade da vida urbana. O aspecto visual da animação agora mistura os traços iniciais com colagens de revistas e anúncios, presentes até na favela que o menino adentra ao lado de um jovem que trabalha na fábrica, numa crítica à presença da publicidade em massa nas cidades, vendendo produtos e estilos de vida quando existem milhares de pessoas alheias à toda essa superficialidade, vivendo em pobreza e miséria.

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Como antes mencionado, as falas das personagens são incompreensíveis pelo espectador, mas nem isso consegue dificultar o entendimento do filme. Os responsáveis pela trilha sonora da animação, Ruben Feffer e Gustavo Kurlat, tiveram a preocupação de fazer com que todos os elementos do cenário tivessem voz, logo nos acostumamos com os sons dos animais, do vento e até dos passos do menino. O grupo de percussão corporal Barbatuques levam os créditos pelos sons criados exclusivamente para preencher a obra de Alê Abreu, que ainda conta com a composição “Aos olhos de uma criança”, do rapper Emicida, como música tema.

Aproximando-se do final temos uma das cenas mais impactantes, que delimita o clímax. Depois de ver e conhecer mais da realidade da cidade, é como se a mente do menino entrasse num estado de combustão. Nesse momento, a animação é destruída e em troca surgem imagens reais de queimadas, desmatamentos e poluição (lembrando cenas de documentários) acompanhadas por uma mistura de vozes que transmitem um aspecto agourento e desesperador. Voltando ao menino, sujo e ofegante, entendemos que toda a inocência inerente à criança de certa forma foi afetada, senão perdida, por todos os acontecimentos que se precederam, conectando a realidade do menino com a do jovem operário e a do homem velho do início. As duas personagens que acompanham o menino nas suas andanças têm bastante importância na história e guardam surpresas para os espectadores, como veremos na conclusão do filme.

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O filme, à medida que mostra uma criança avançando em rumo ao conhecimento externo, nos faz regressar à mente infantil que tínhamos antes, de questionar, de ter curiosidades, de se machucar e só depois sentir dor, de correr e não se cansar. Com um desfecho emocionante, “O Menino e o Mundo” é uma prova de que assuntos sérios podem ser tratados em um filme através das fantasias de uma criança mas, acima de tudo, prova que as produções brasileiras estão ganhando destaque internacionalmente, dando oportunidade a artistas como Alê Abreu de mostrarem a realidade sem estereótipos e preconceitos, o que, na minha opinião, já seria totalmente merecedor de um prêmio. Uma crítica social em forma de animação envolta por personagens e cenários de lápis de cor, giz de cera e colagens, é assim que eu o resumiria.

Críticas de Cinema

Crítica: Brooklyn (2015)

Quem já teve a experiência de se mudar de cidade ou mesmo de país, ficou longe da família e de tudo que lhe é familiar e, deve ter passado por essa difícil fase de transição, em que tudo é novo, difícil e a saudade é o que mais machuca, mas quando você menos percebe, já se adaptou às mudanças e há mais motivos para ficar do que voltar para o conforto de casa. E é exatamente esse o tema de “Brooklyn”.

Eilis (Saoirse Ronan) é uma jovem que vive uma vida tranquila numa pequena cidade da Irlanda, com sua mãe e sua irmã Rose (Fiona Glascott). Eilis tem um péssimo emprego na loja da exigente Srta. Kelly. Sem novas perspectivas e apoiada pela irmã e pela igreja, decide ir para os Estados Unidos, onde já tinha um emprego garantido, em busca de uma vida melhor.

Quando chega aos Estados Unidos, Eilis vai morar em uma pensão para mulheres, também irlandesas, no Brooklyn, bairro que mais recebeu os imigrantes irlandeses. Começa a trabalhar na loja de artigos femininos Bartocci’s e a estudar Contabilidade na Universidade do Brooklyn.

Eilis é muito tímida, educada e sensível. No começo, o período de adaptação é muito difícil, ela sente uma falta imensa de sua família e de sua cidade. Tentando se enturmar e se distrair um pouco, Eilis vai a um baile, e lá conhece Tony (Emory Cohen), um rapaz de origem italiana e que trabalha como encanador. Os dois começam a sair juntos e logo se apaixonam. Esse romance facilita muito a adaptação de Eilis no país e lhe dá um sentido para ficar nos EUA.

Mas então um trágico incidente acontece com sua família na Irlanda e ela se vê na obrigação de voltar e ajudar sua mãe. Tony, com medo que ela não voltasse a pede em casamento e eles se casam às pressas no cartório. De volta a Irlanda, Eilis conhece um rapaz, Jim Farrell (Domhall Gleeson) e começa a se interessar por ele, ao mesmo tempo, recebe uma oferta de emprego muito boa então, questiona-se se realmente deveria voltar à América, já que na Irlanda teria um emprego, um pretendente e ficaria perto da sua mãe. Mas seu amor por Tony é maior e ela volta para onde ela considera ser seu novo lar.

“Brooklyn” é um filme sensível e delicado. Explora o amor de maneira muito bonita e sutil. Também mostra que o que consideramos lar não é necessariamente nossa terra natal, mas sim onde nos sentimos felizes. Apresenta as diferenças culturais entre Irlanda, mais conservadora e influenciada pela igreja católica e EUA, onde a liberdade e diversidade é maior, e as exigências individuais são outras.

A interpretação de Saoirse Ronan é de se admirar, todas as emoções de Eilis são representadas com maestria, sofremos quando a jovem está triste e com saudade de casa, as angústias dela, tornam-se as nossas angústias também. Fica muito clara a evolução e o amadurecimento da personagem ao longo da trama. Emory Cohen nos encanta com o gentil e engraçado Tony, e eu não poderia deixar de falar de Julie Walters (nossa eterna Molly Weasley de Harry Potter) que interpreta Mrs. Keogh, a extremante religiosa e rígida dona da pensão em que Eilis é hóspede.

Como o filme se passa na década de 50, a caracterização dos personagens é muito bonita e elegante. A fotografia mostra bastante o bairro do Brooklyn e as belezas naturais da Irlanda em contraposição com a beleza mais urbana de Nova York. A trilha sonora é também sutil, aparece nos momentos exatos e não influencia o espectador a sentir uma emoção específica, isso é feito com a própria atuação do elenco.

É um filme sem grandes emoções, mas que consegue nos prender do começo ao fim.