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Crítica: 45 years (2015)

Teu passado não te condena, não mesmo. Teu passado só vai perturbar todo um futuro incerto, vai ser constante de temores, uma corda-bamba entre os dias nauseantes. Essa é a principal mensagem de 45 years. Uma lição obscura que nem todos gostariam de receber.

O filme gira em torno de um casal que em alguns dias estaria por completar 45 anos de casamento. Kate e Geoff vivem suas vidas na normalidade cabível para o interior do Reino Unido, a mulher todas as manhãs caminha com seu cachorro, o marido cria entretenimentos entre os cômodos da casa e assim os dias se passam, até chegarmos à última semana para grande comemoração. Kate começa os preparativos para a festa de seu quase meio século de casada. Contrata gente pra isso, para aquilo, e por ai vai. Todo o clima de uma pré-festa é criado até que um carta acaba por invadir a residência dos Mercer. Em um alemão culto a mensagem da carta é a seguinte: Encontramos ela.

Nesse momento tanto Kate quanto Geoff se mostram atônitos. “Ela” seria o primeiro amor de Geoff, seu principio de paixão que morrera em uma escalada nos alpes suíços. Segundo o documento o corpo da ex-namorada de Geoff está intacto, congelado no alto de uma montanha. A partir daí a vida do casal não é a mesma. Os cinco dias que o filme faz questão de contar massantemente são cheios de desconfiança, traumas e diálogos que chegam ao ápice do arrependimento. Primeiro que Geoff não contara tudo à sua mulher sobre seu relacionamento com a sumida e morta amiga, o homem deixara permear várias camadas de verdades não postas a mesa e a medida em que estas camadas são jogadas fora Kate se transforma. Da mulher simpática que caminhava com o cachorro, Kate torna-se a ciumenta e insegura esposa e Geoff, com o que resta de sua paciência e consciência, apenas prossegue com a sua narrativa da história.

O filme de certa forma fora criado para Charlotte Rampling, que interpreta Kate Mercer. Grande parte do longa é um monologo silencioso da personagem. Suas caminhadas matinais, suas saídas para encarar rios e árvores não incomodam o espectador, ao contrário, só o deixa mais íntimo da situação. As expressões de Charlotte são um banquete para o admirador da interpretação. Cada detalha colocado pela atriz nas telas é de uma preciosidade gigantesca, mas não faz de Charlotte a melhor entre as atrizes indicadas ao Oscar. Tivemos grandes interpretações esse ano sendo indicadas pela Academia, tanto com papeis principais quanto coadjuvantes, e Rampling fora uma dessas, mas creio que não consiga tirar a estatueta de Brie Larson (Room), mesmo se sobrepondo à Saoirse Ronan (que deu o seu melhor em Brooklyn, mas não fora isso tudo) e JLaw (Joy). Se fossemos criar um ranking (já criando), Charlotte Rampling estaria empatada com Cate Blanchett, ambas teimando por um pedaço da estatueta, mas no fim de tudo não vejo motivos para o prêmio não ser entregue à Larson, que transformou Room em uma experiência ainda mais trágica e angustiante.

Uma das cenas em que vemos Charlotte Rampling em sua melhor forma é quando a personagem vai até o sótão procurar algumas partituras. Depois de encontrar uma de Bach, vemos Kate se debruçar no piano e retirar uma das melhores sinfonias do compositor alemão. É belo observar todos os sentimentos presentes no filme envolvidos em uma única situação, com apenas uma personagem guiando-os. Magistral a interpretação de Rampling. Encantadora como a junção de notas de Bach com o enredo simples e desafiador do filme. O mesmo podemos falar de Tom Courtenay como Geoff, dono de uma carreira gigantesca (assim como sua parceira), Courtenay nos conduz para situações inusitadas com seu personagem, é o modo cru de se interpretar que faz da atuação uma vitrine para iniciantes. Depositando mágoas e desejos, Courtenay intercala os momentos de seu personagem com uma dignidade que aquele senhor exige. O que vemos em 45 years são dois titãs do cinema britânico reforçando suas posições, colocando à exposição suas habilidades singulares. Não se observa isso todo dia.

A fotografia de 45 years tem suas particularidades. Passamos quase duas horas com tons claros, variando do verde para o azul e em alguns momentos chegando ao amarelo dos campos interioranos da Inglaterra. Somos presenteados com ângulos maravilhosos, que tomam toda a paisagem para si e colocam na tela. Esses momentos em que observamos todo um plano paisagístico se repetem em várias tomadas e só deixa o filme ainda mais digno de interpretações; essa lacunas oferecidas pelo diretor são propositais. Deixam o espectador observar e criar uma verdade sobre aquilo. O filme inteiro nos coloca nesta posição, não de apenas ouvinte ou espectador, mas de interpretador de algumas situações. O drama do fim da vida é retratado visceralmente, com diálogos que se encaixam perfeitamente. De uma realidade brusca e sem entremeios, 45 years nos leva a refletir sobre um tema básico, simples e que com o passar dos minutos se torna denso. Uma obra admirável e com mil significados, virando de pessoa por pessoa.

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