Montanha russa
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Autoria: Montanha russa, por Gabu Camacho

Nota de início: Montanha russa foi escrito há muitos anos. Mais de cinco. Ele está presente no primeiro livro, O garoto que usava coroa, mas diferente por lá. Na época em que o livro foi escrito, eu ainda não tinha me assumido LGBTQIAP+ e tive medo de entregar um texto explicitamente LGBTQIAP+ para ser publicado. Apesar do livro ser todo sobre essa temática, de forma mais sutil, eu tive medo na época e por isso, fiz a Stephenie Meyer e troquei o gênero dos personagens. Essa aqui é a versão real. Boa leitura!

Afiadas são as flechas de um coração partido.
— Cassandra Clare, “Cidade do Fogo Celestial”.

Minha animação estava ridiculamente alta. Minha avó havia me chamado para dormir em sua casa neste fim de semana que precedia o natal, afinal, meu primo Matthew chegaria com seu pai Pily do interior, na madrugada. Segundo ela, nós éramos grandes amigos na infância, eu não me lembrava disso, só me lembrava dele, e da sua presença onipresente em meu Facebook.

— Ele disse estar ansioso para te ver, Edmundo. E vocês podem aproveitar o parque de diversões aí na frente. Tudo bem se ele ficar no seu quarto? – Minha vó era muito preocupada em acomodar bem as pessoas.

— Tudo bem sim, vó. – Concordei rapidamente e voltei meu olhar para a janela, que dava numa movimentada avenida, e além dela, havia um terreno baldio, do tipo que circos e parques de diversões se instalavam em datas sublimes. Um parque estava lá agora, e eu via crianças felizes com seus ursos enormes e outras mais felizes ainda com pequenas bolinhas pula-pula.

— Bom, podemos dormir. Quando chegarem, saberemos. Já deixei o café pronto. – A preocupação pelo bem estar era uma coisa que me fascinava na minha avó. Apenas acenei em concordância e segui para o meu quarto, fechando a porta. Tinha duas camas, uma box de casal e outra de solteiro. Deixei-a preparada para Matthew, meu primo, que apesar de exalar uma aura mais velha, tinha quase a minha idade.

Sentei-me a beira da minha cama, olhando para o nada, enquanto retirava o meu colar cujo pingente era uma chave, do pescoço, e me deitei rapidamente olhando para o teto. Peguei no sono em algum momento despercebido, mas pareceu apenas um piscar de olhos quando uma buzina irrompeu em minha mente. Chegaram.

Um micro-ônibus estava parado em frente à casa da minha avó, com todos da família do interior descendo, gradualmente. Ela e meu avô estavam emocionados pela surpresa e eu estava ao canto, com meu cabelo negro desgrenhado cobrindo os olhos, esperando por um rosto que pudesse ser conhecido.

— ED! Como você está lindo, garoto! – Era minha tia Lucie, com seu jeito todo espevitado. Era uma das únicas que gostava e realmente conhecia do interior.

— Ahn, obrigado tia… – Mas ela já tinha saído para abraçar as pessoas entre si. Entrei na casa e me sentei no canto do sofá, querendo me tornar invisível enquanto tentava não ser mal educado e voltar para o quarto. Coloquei a mão involuntariamente no meu pingente de chave, já havia se tornado algo que lhe trazia calmaria.

— Hmm, oi? – Reconheci seu rosto imediatamente. Queimava em vermelho, parecia estar tímido, assim como eu.

— Oi, Matthew. Como está? Tio Pily, oi. – Levantei-me do sofá e abracei ambos. Matt tinha um cheiro masculino adocicado, meu tio cheirava a álcool.

— Grande homem, Ed. Pode ajudar Matthew com as malas e mostrar onde ele deve dormir? Já está com sono. – O tom dele não transmitia orgulho.

— Claro. Vamos, Matt… Matthew. – Droga, estava corando e nem sabia o porquê.

Pegou a maior mala e seguiu o corredor até seu quarto, nos fundos, onde se sentou na cama mais uma vez.

— Quer dar uma volta? – Eu estava ciente da hora, mas o parque de diversões ainda estava aberto.

— Claro. – Ele passou a mão nos seus cabelos negros, que se misturavam arrepiados de maneira preguiçosa.

Atravessamos a rua e fomos juntos para o parque, conversando sobre coisas aleatórias. Dez minutos depois, já éramos melhores amigos de infância. Matt tinha um jeito de criança, no portar assim como no pensar. Parecia um bebê em corpo de adolescente de dezessete anos, e era isso que talvez houvesse me cativado.

— Quero uma bolinha pula-pula do Homem Aranha. – Ele disse certa hora, olhando para mim.

— Vou conseguir uma pra você. – Eu sorri, mas perdi todo meu dinheiro tentando acertar o alvo, e ainda assim não havia conseguido o prêmio. Matt parecia desapontado, mas seguimos para minha avó, mais uma vez. Todos já dormiam, então fomos para fazer o mesmo. Deitei na grande cama de casal e acordei no dia seguinte, já de tardezinha, com meus braços apoiados em um saco que parecia respirar…

Não era um saco. Era Matthew.

Levantei-me silenciosamente e coloquei meu celular na tomada, depois de tirar uma foto do rosto inocente que havia passado a noite ao seu lado. Comecei a me sentir mal desde então, odiava me apegar às pessoas. Eles sempre iam embora, depois. O celular vibrou com a chegada do conselho diário:

Você pode estar em um relacionamento por dois anos e não sentir nada. Você pode estar em um relacionamento por dois meses e sentir tudo. Tempo não é uma grandeza de qualidade, de paixão ou de amor.

Sorri pro meu primo deitado na cama e fui tomar café, com as mãos para dentro da manga longa do pijama comprido.

— Quer voltar ao parque? – Matt chegou pouco tempo depois na mesa de café. — Podemos ir à montanha russa hoje.

— Claro que sim! – Eu estava adorando passar tempo sozinho com Matthew, nossas conversas eram únicas e parecíamos ser irmãos. Isso me deprimia. Sabia que logo depois ele voltaria para a cidade e então, nunca mais nos veríamos.

Nós fomos, brincamos, corremos. Matthew conseguiu uma bolinha do Homem Aranha e logo voltou para a casa. Fiquei no parque mais uns minutos, queria um presente mais especial para ele. Quando voltei, a casa era só berro.

— DELINQUENTE! NÓS VOLTAREMOS PARA CASA AINDA HOJE! – Era meu Tio Pily.

— Calma, Pily… Não precisa tratar o garoto assim. – Minha vó estava calma.

Entrei correndo na casa, mas fui impedido pelos meus pais na cozinha, para chegar até a porta.

— Ed, pegue suas coisas. Estamos indo embora. – Minha mãe soava séria.

— Devo falar com Matt antes?

— Claro, Edmundo. – Meu pai estava compreensivo, como sempre ocorria quando se tratava de sua família.

Entrei no banheiro, mas Matthew não estava para conversa, então logo saí e voltei ao quarto, em prantos, fingindo arrumar minhas coisas, enquanto caçava por um pedaço de papel. Estavam gritando para que eu fosse embora, quando meu tio esmurrava a porta do banheiro querendo que Matt saísse. Tirei meu colar de chave, envolvi em um papel e escrevi no meu garrancho:

Chave para os seus sonhos.

Deixei onde sabia que ele veria, e fui embora. Não sabia o que significava aquele gesto, mas agora não importava mais.

Então, fui embora convicto de que Matthew jamais veria minha carta.

Convicto de que jamais veria Matthew novamente.

Convicto de que meu melhor primo jamais abriria os olhos novamente.

Convicto, de que Matthew havia se suicidado no banheiro da minha avó.

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1 comentário

  • Responder Wilderlane 06/07/20 em 16:30

    E que montanha russa!
    Nossas vidas são transformadas de uma hora para outra.
    Basta apenas 1 segundo para que mude toda uma jornada.
    Enfim, cabe a nós aproveitarmos e registrarmos cada momento vivido.

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