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Autoria: É um tempo de guerra

Ando com o andar de quem vai para o abate, de quem está pronto para ser sacrificado. Ando por ai sem saber com quem vou esbarrar e como essa pessoa vai reagir a tal erro da natureza. Passaram-se os anos, muitos anos por assim dizer, mas chegou o maldito dia em que a realidade fez de minha consciência seu abrigo e por fim revoltei-me. Rasgo tudo que me ensinaram desde pequeno e jogo tudo isso aos leões, jogo no mais profundo inferno e esses predecessores, esses inúteis reprodutores de preconceitos, esses senhores e senhoras que se dizem de bem, se joguem junto a ele, vão em busca de seu produto imensurável, vão e mergulhem no inferno que me colocaram. É um grito de alívio e medo, este que coloco por aqui. Medo por não saber as reações, o que isso causará à minha pessoa no fim de tudo, como verei tudo isso no fim da semana que vem, quando parar para ler os escritos, absurdos, mal feitos, não capazes para uma pessoa de meu porte. Tem absoluta certeza que foi você que escreveu isso? Já me perguntaram por diversas vezes. Tem certeza que não copiou de algum lugar? Sim, copiei do ódio que aprendi a dar fermento, fiz cópia de todo mal que já me lançaram “sem querer”. Não sou mais a criança que sofria por ter a cor que tem, não sou mais o filhote de uma mãe sozinha, não sou mais um sem voz. Em uma dessas aventuras desse sistema imbecil, consegui obter nem que seja alguns minutos de poder, consegui colocar para fora minha súplica contida em Castros e Alves, medo, é o que tenho diariamente, hora após hora, de não se rejeitado como sempre fui por milhares. Alívio por saber que esses milhares não importam. Sou dono de herança tão grande, herança que vem de atlânticos transplantados, que vem de longe e de tão perto. Sou cada sangue derramado nos navios brancos que conduziam homens para o abate, aquele que tanto falei e falarei. O abate da liberdade. Sou terços de corajosos vermelhos tupinambás, xavantes, guaranis, sou feito deles e por eles continuarei minha estadia nesse lugar que chamam de casa. Não, eu não sou daqui. Sou de onde o sol, quando acorda clama por Oiá e quando se põe abraça seus filhos em nome de mamãe Oxum, mas esse mesmo sol banha o recôncavo, o marco zero, a Pessoa de todos nós, é desse sol que falo, é ele que me guia no meio de tantos negativos, é esse sol que me faz acordar e clamar por um pouco de coragem. Sol esse que não brilha para todos, não, ele brilha para os ofendidos, para os que sofrem e mesmo assim continuam por lutar, esse sol brilha para aqueles que não conseguem aceitar tais modelos a serem seguidos, tais vitrines a serem contempladas. Meu sol é totalmente meu e não divido com seu ninguém, que julguem, que desfaçam, que tentem me puxar para sua escuridão, mas em nome de todos aqueles que me fizeram, continuo, persisto. Sou sangue, sofrimento e crença, sou parte de tribos e tribos trazidas e excluídas por entre as eras. Sou batuque no fim da tarde, flecha que transpassa as floretas, sou a resistência de uma voz que ainda canta. Canta a mais bela canção de revolta, que chora seus mortos, mas os comemora, porque estes não desistiram quando todos achavam que fariam tal coisa. Sou desse povo que grita por justiça, que não espera sentado vendo o tempo passar, sou dessa gente que não consegue absorver os insultos, que os repudia e continua a levar a vida como sinônimo de bravura. Não, por fim, perco o medo e deixo explodir o que por tanto ficou entalado no meio da garganta. Que tentem nos derrubar com seus padrões pré-fabricados, que façam de tudo para nos extinguir, que façam. Até aqui chegamos e por muito mais continuaremos com essa saga, de raça e suor. Seja na terra ou nas frases mais que bem fixadas, frases feitas não por mera vontade, mas por forças que não condizem com o normal. Força que é motivo para que isso exista.

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