Estopim do fim
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Crônica: O estopim do fim

O fim chegou. Tão temido, tão louco. Mas, ele chegou em um estopim sintomático. Tudo é sintoma de uma doença que acomete o organismo silenciosamente.

Uma comorbidade que não dialogou com o outro. Não entrou no jogo da vida. Não se enturmou com o balanço dos órgãos. O sintoma veio servido como banquete em taça de cristal.

De onde veio? Pra onde vai? Quem me passou essa maldita praga? Não sei. Não tem culpados. Eu não conseguia lembrar se tinha sido aquela ida ao supermercado ou aquela festa clandestina no bar de portas fechadas.

De que adianta culpar alguém agora, sozinho, no leito de morte? O estopim foi o sintoma. O sintoma indicou a doença. A doença levou tudo como enxurrada. Foi-se. Ninguém ficou.

Enquanto me vou, festejam-se clandestinamente nas ruas, nos becos, nas coberturas, nos porões… Festeja-se clandestinamente. A importância enevoa-se conforme o álcool sobe. As desculpas aparecerão quando o eclipse passar e o dia amanhecer.

E então, já estarei do outro lado. Talvez não todos os pedacinhos vermelhos, mas certamente que a maioria deles estará ao meu lado. O tempo sabe ser fiel, mas também sabe ser cruel.

O universo não dá segundos. Ele dá primeiros. Os segundos passam, se vão. Fogem das nossas mãos. Escapam das nossas tentativas. Parece que estão zombando de nós. Mas, não, não estão.

Estão apenas vivendo os primeiros, enquanto abrem mão dos segundos. Segundos estes que eu já quis. Hoje, me vou com meus primeiros.

“-pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.” — Clarice Lispector

Tenho os meus primeiros e não preciso dos teus primeiros. Tampouco quero os segundos. Deixe com que eles se vão… Deixe com que os segundos voem, com os minutos e as horas.

Cada voo que ele dá fora de nossas mãos, é um voo que eu dou em direção aos meus cristais estilhaçados para começar de novo.

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