Aquilo (não) foi real
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Aquilo (não) foi real

“Pode parecer que não, mas eu tô com saudade”, e eu também estava. E meu coração palpitava ao ler isso. Dava aquele famoso pulo e ameaçava sair pela boca. Mas não ia admitir, não podia, óbvio que não.

Mas então, te vi de longe e o sorriso apareceu sozinho, abriu, como o sol abre após a chuva. E minhas pernas aumentaram o ritmo, sem que eu pedisse. Simplesmente foram, e eu não tentei impedir. Fui, me deixei.

Te abracei, então. Seu braço ao redor da minha cintura naquele pufe dentro da biblioteca antiga. Sua letra parecida com a minha na ficha branca. “Deita aqui”, era a deixa que eu precisava e hoje penso que eu parecia um cachorro. Deitei apoiando no seu braço e de repente eu estava de novo no país das maravilhas, me perdendo mais uma vez. Me perdendo e perdendo… E você sabia.

+ Entre as nuvens cinzas de paranóia

E o beijo logo depois, com seu gosto, aquele gosto que eu era incapaz de esquecer ou encontrar em qualquer outra boca. Porque era único, exclusivo. Tudo único. E então, você me puxa pela mão por entre as árvores com poucas folhas por conta do inverno. Eu parecia um boneco nos seus braços. O chão também estava cheio delas, secas pelo frio. Os coelhos brancos e pretos saltitavam ao redor. Os patos, observavam como os cúmplices que jamais me fariam esquecer de que aquilo havia sido real, apesar de eu preferir que tivesse sido apenas um devaneio erótico e doido da minha mente.

Eu havia finalmente chegado ao país das maravilhas, estava perdido nele, fingindo que seria eterno, ou eternamente numerado, limitado. Sabendo que, apesar de perdido ali, era só um escape da minha realidade inútil. Do real nojento.

Os coelhos dali observavam ainda, cúmplices de que aquilo era real e não algo da minha cabeça. Mais provas de que nunca me deixariam esquecer por mais que eu quisesse. Cúmplices de que eu estava, mais uma vez, me deixando perder nas suas linhas tão cuidadosamente escritas do país das maravilhas.

Embaixo daquela árvore, nada mais importava, de qualquer jeito. Nada. Só o que eu estava concluindo, como um fotógrafo de retratos.

Sempre disse que amava fotos porque elas eram a prova de que tudo era perfeito, mesmo que por um milésimo de segundo. Mas, além delas, as nossas lembranças provam isso. Ou tentam. A lembrança primitiva é da sensação boa, que aos poucos é envenenada pela sua presença nojenta. Meus olhos estavam fechados, não tenho lembranças visuais. Todos os sons do mundo sumiram. Não tenho lembranças auditivas. Mas há a lembrança do toque sutil seguido dos apertos montanhosos nos meus braços. Quase agressivos.

Há a lembrança do seu cheiro de amaciante nas roupas. O mesmo cheiro daquela primeira vez. Há a lembrança do sabor, aquele que só você tinha. Não, não me refiro à menta de cereja, que era de morango. Me refiro ao seu sabor mesmo, aquele que é só seu. Aquele, mesmo, que conheço tão bem e que hora e outra volta à minha boca e me deixa desperto. “É o sabor dele”, o cérebro diz para o coração em uma descarga de adrenalina contínua. Hoje sei que isso é um alerta.

Não sei se isso tem explicação científica além de síndrome de Estocolmo. Sinceramente, como seu gosto volta à minha boca, assim, do nada? Cérebro, o senhor está cúmplice do coração? Até você?

O sol baixava conforme o céu se alaranjava. Ainda entre as árvores do país das maravilhas, você disse “Pula”. Pausa. “Não confia em mim?” Pulei, de olhos fechados, como havia pulado desse penhasco de sensatez em direção a maré dos meus sentimentos. Pulei, sem pensar. Pulei.

Você me segurou. Literalmente, e mais uma vez, como todas as outras. Você me prendeu. Fisicamente. Metaforicamente. Você me segurou. Será que eu estava seguro com você?

E então, veio o beijo lento, devagar, lento, lento… Explorador. Cuidadoso, como jamais havia sido. Calmo, sem aquela pressa ou urgência. O tempo no país das maravilhas passava mais devagar. Era um efeito contrário à você, afinal, você o fazia correr.

E o que fiz de novo era sorrir. Porque eu soube que não importava quantas vezes perdêssemos o caminho para o país das maravilhas, sempre o encontraríamos, de uma forma ou de outra.

Hoje, me pergunto: quero mesmo encontrar? Aquilo (não) foi real?

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1 comentário

  • Responder Raissa 02/12/21 em 14:10

    Não se choro por ler o texto impactante ou me sinto burra por sentir saudades de alguém igual no texto .
    Realmente as sensações ficam ,as lembranças não param de surgir ,o coração acelera quando vê alguém de longe com a cor da camisa que ele sempre usava ou quando ele chega perto e o você sente o calor do corpo dele ,o cheiro que ele só tem o abraço que te traz confiança e calma ,pena que era um sonho onde só um amo e só um sofreu ,eu queria que aquilo fosse real mais só é real na minha saudade

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