Tags

autorias

Autoria: segue o baile
Autoria: segue o baile
Autorais

Autoria: segue o baile

Leia ouvindo: These memories – Hollow Coves

por que eu ficaria?

o violão apoiado no colo, dedilhei a única música que conhecia, apenas quatro notas. pensei muito antes de enviar aquela mensagem, dizer adeus nunca é fácil. corra o quanto puder, o destino sempre estará dois passos a sua frente, que ironia! olho para a parede, meu olhar percorre toda a sala. esqueci de tirar a poeira dos meus livros.  a sabedoria chinesa diz que encontramos nosso destino no caminho que tomamos para evitá-lo. estamos fadados, pre-destinados, arruinados em nossas histórias pré-fabricadas. não te culpo, já estava programada para me culpar, não te anulo, já estava destinada para me ensinar, não te afasto, já estava prometida para construir as barreiras entre qualquer pessoa e meus sentimentos, você me levou cativo. você arrastou em terra firme, cascalhos e ossos ralados o pingo de dignidade que me restava . afugentou todo meu eu dentro do esverdeado do teu olhar. você era demais para mim, só eu que não enxerguei. eu já estava prometido para me entregar, eu já estava marcado para me reconstruir, eu já estava anunciado para me tornar o que sou hoje. era o esperado para nós, sem estardalhaço, sem cara de surpresa. cumprimos bem nosso papel. por isso, carrego em meu coração a certeza de que tomei a decisão certa. sua voz ainda ecoa minha mente ao falar que estava infeliz, não quero passar por isso novamente. apesar das várias desculpas, inúmeras intrigas, um montante de mal-entendidos, ainda pensava que podíamos sobreviver. na verdade, não podíamos, você não podia. você não queria. todos temos nossas lutas, somos guerreiros de nossas próprias histórias. não suportei a ideia de te prender a mim, não sou calabouço, não sou cárcere, não sou gaiola, não sou trancas de ferro; sou  brecha de calmaria em um mundo acabado em dores e desilusão, sou paz em guerra e luz numa madrugada solitária, aconchego. sou pena e asas, sou aroma de casa após uma longa viagem, sou eu, eu sou eu, com erros, defeitos, mas amor, mesmo que na calada e talvez sem muita expressão, mas em essência, pura fragrância de ternura e afeição.  sou um mistério que eu pensava que era capaz de decifrar [pelo menos, me garantiu em suas palavras um amor eterno, juras! apenas um assoalho de mentiras]. mas tudo bem, sério. como diz aquele ditado, cada um oferece aquilo que tem, e o que eu tenho para lhe oferecer é felicidades! felicidades sempre! vejo como eu era antes de você e vejo também, como você era antes de mim, e olha, estou contente com o seu crescimento, afeito com o que me tornei.  não sei para onde a vida irá nos levar, entre encontros e desencontros, mudanças e permanências, seu lar sempre será o que eu fiz para você e de você, tem detalhes meus espalhados em sua existência, sem pormenores, tem um grande reflexo meu no seu amadurecimento. não vai ser eu aquele que ira aproveitar dos frutos da bela árvore que plantei em seu coração, mas seu coração sempre lembrará daquele que preparou a terra e aguou a pequena semente. viva, frutifique, aproveite o que você tem de melhor. Só isso, espera, um grande abraço e, não se esqueça: FELICIDADES SEMPRE!

Autoria: Versos de uma doce Alvorada
Autoria: Versos de uma doce Alvorada
Autorais

Autoria: Versos de uma doce Alvorada

– O Leão andava de um lado para o outro na terra nua, cantando a nova canção. Era mais suave e ritmada do que a canção com a qual convocara as estrelas e o sol; uma canção doce, sussurrante. À medida que caminhava e cantava, o vale ia ficando verde de capim. O capim se espalhava desde onde estava o Leão, como uma força, e subia pelas encostas dos pequenos montes como uma onda. Em poucos minutos deslizava pelas vertentes mais baixas das montanhas distantes, suavizando cada vez mais aquele mundo novo. Podia-se ouvir a brisa encrespando a relva.

C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia

Aprecio o azul do céu, tão límpido, distante, embaçado com algumas pinceladas de branco neve, esfumaçadas por toda a dimensão de tom cárdeo celeste… Sim, estou falando das nuvens, seres mágicos do ar perdidos pelo paraíso azulado. Safira para quem quer sair um pouco da terra, voar e não andar, extasiar do ar mais puro e não simplesmente respirar.

Sonho. Realidade. Viver…

É arrebatador ficar observando como muda a tonalidade do céu ao amanhecer, os raios solares ao incidirem sobre o firmamento anuviado e sereno, se transforma do azul anil para uma coloração mais avermelhada, e então passam a surgir tons alaranjados e por um pouco mais afastado, longínquo até, bem perto do sol, riscas de amarelo canário.

Foi um dia difícil, tirei minhas sandálias e fui caminhar pela areia. Um lugar paradisíaco, isolado, fúnebre de tanta perfeição. As gaivotas assoviam enquanto sobrevoam as águas e a maré que, vagarosamente aumenta, banha os meus pés me convidando para entrar e estar com ela.

Em um pequeno rochedo, camuflado por algas e pequenos crustáceos e cascos velhos dos pequenos animais encouraçados, leves e singelos reflexos de um pote de vidro incide sobre meus olhos. O limpo e então percebo que estou segurando uma garrafa de vidro que se mostra exausta de tanto perambular pelo mar aberto com uma pequena rachadura no envolto de seu casco.

Cristalizo minha atenção naquela garrafa e encontro um pequeno papel envolto de uma fita dourada acompanhada por um lindo laço carmesim que tinha como função fixar o formato cilíndrico do papel que de grossa espessura, logo se mostrava amarelado devido a pequenas gotas de água salgada ter conseguido penetrar no vidro pela fenda na garrafa.

No papel estava escrito um poema. Para quem, não sei responder, por qual motivo… Essa eu respondo, e digo que, com toda certeza, era o amor.

Sinto-te mesmo sem te tocar
Estou contigo mesmo sabendo da sua… Distância

Conheço-te sem te conhecer
Entendo-te sem te entender
Penso em você imaginando tudo ou nada

Conheço tua voz sem nunca tê-la escutado
Reconheço teus olhos sem nunca tê-los visto
Lembro-me do teu sorriso mesmo nunca estado ao teu lado quando se alegrou

Sinto junto a ti a lágrima que escorre em tua face,
Meras presunções
Plausível veracidade

Sinto-te
Por mais que precises, te espero
Por mais que chores, te consolo
Por mais que desejes, te amo
O tempo não é o inimigo do amor

Autoria: O voo de uma mariposa, de Gustavo Machado - Beco Literário
Autoria: O voo de uma mariposa, de Gustavo Machado – Beco Literário
Autorais, Livros

Autoria: O voo de uma mariposa

De qualquer forma, eu gostaria de saber se alguma vez aparecemos em histórias e canções. Estamos numa, é claro, mas quero dizer: ser posto em palavras, sabe, contadas ao pé da lareira ou lidas de um grande livro grosso com letras vermelhas e pretas, anos e anos depois. E as pessoas dirão: “Vamos ouvir a história de Frodo e do anel!”. E Elas dirão: “Essa é uma das minhas histórias preferidas”. – J. R. R. Tolkien, O senhor dos anéis

Livro. Página. Letra, capa. Parágrafo, linha, travessão. Inspiração, ou pior, a falta dela. Com a ajuda de uma bela xícara de café, escrevo. Perfaço, prosaicamente, uma escrita sem nenhum sentido, ou será que a falta de sentido produz a existência de um? Não pensar em nada é pensar em alguma coisa? O ser – humano é ser capaz de pensar em nada? Pauso a reflexão.

Começo o segundo parágrafo, meus pensamentos estão em como iniciar o terceiro. Gastei minha tarde, e só consegui escrever isso. Preciso pensar. Levanto-me, batendo o lápis contra a minha testa. Tive uma idéia, vou falar do nada, pois nada é alguma coisa, eu acho. Pensar em como o pobre e pequeno pássaro bate em minha janela, já não é mais tão interessante quanto escrever a respeito do nada. “Tum Tum, Tum Tum”, só se ouve seu bico batendo indo de encontro à janela. As patas roçam, arranhando assim o vidro.

O bichano demora um pouco para desistir, insiste um pouco mais… Pronto, já se foi.

Voltemos ao nada. O sol já não estava alto para que eu pudesse desfrutar um pouco mais da tarde que parecia estar perfeita, e a noite já perdurava. Uma mariposa sobrevoa sobre a minha cabeça, posso ouvir o tilintar do seu bater de asas amedrontando o meu raciocínio. E eu aqui, no nada.

Nada deve significar alguma coisa, crises de quem quer escrever. Já pensei em sair, tomar alguma coisa, refrescar minhas idéias, e então me lembrei:

– Como vou refrescar algo que eu, ainda, não tenho?

Por conseguinte, volto para o meu cantinho. Aquele ali, seguindo o corredor principal o último quarto da casa. Cômodo até que espaçoso, menos mal.

Decidi tirar um cochilo, mas não durou mais do que vinte minutos. Debruçado sobre minha cama, olhando para livros, folhas e lápis, levantei. Caminhar pela avenida me faria bem.

Estava às portas das horas altas da noite, e eu caminhando pela Avenida Coelho no centro da cidade. Estava frio, calmo, desértico. Meus cabelos acompanhavam o balançar das folhagens das palmeiras, e com todo tipo de sentimento fraternal já conhecido, fazia o papel de unir meus pensamentos com o vento, que iam e viam sobrevoando longas distâncias e por alguns momentos não conseguia distingui-los.

Acomodei-me logo num banco, em uma praça ali perto, tirei um livro do bolso para ler. Começava a entender o porquê das crises dos escritores. Tantas idéias, inúmeros pensamentos que, ficavam às vezes distantes, outrora tão pertos que solidificam travados quando ouso passar para o papel.

Fiquei precavido naquela situação, sozinho, em uma praça que ligava a avenida, ruas e ruelas que, por sorte estava bem iluminada.

Já sentado, folheando algumas páginas do meu livro, escutei:

– Poeta, não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso.

Respirei fundo, e vagarosamente olhei para minha direita e vi uma senhora sentada. Num pulo, caí do banco e sai aterrorizado catando mamona, goiaba, pequi e tudo mais que eu via pela frente. Estava desconcertado, não tinha visto chegar, não ouvi seus passos, muito menos quando se sentou, não fizera um barulho. Tratei em me desculpar, foi um pouco embaraçoso.

– Perdoe-me, senhora … Eu, eu … Não a vi sentando ao meu lado.

Limpando as frestas de areia que se alojaram em minha roupa, olhei delicadamente ao rosto da pobre senhora que me assombrou, de cabelos bem brancos, o nariz um pouco avantajado, um chale feito à mão em volta dos ombros e que descia para os braços até chegar às mãos, aparentemente frágeis, mas que lhe renderam forças para escrever tudo aquilo que lhe rodeava, um terninho azul escuro com bolinhas brancas com uma saia bem longa e sapatinhos pretos. Olhando com mais calma, não parecia uma personagem assustadora, mas serena, com olhos atentos a sua volta.

Quando dei por mim, de quem estava sentado ali no banco ao meu lado, decidi voltar para o chão onde tinha acabado de levantar. Por algum tempo, fechei os olhos, e quando os abri, ela continuava lá.

– Boa noite, tudo bem? , indaguei atrevido e atemorizado.

– Consegue aprender tudo o que precisa esta noite começando a conversa assim? , respondeu diretamente.

– Aprender? , respondi bruscamente.

Olhei para aquele céu negro, com nuvens ligeiramente azuladas, que de um tom tão marinho que poderia difundir-se facilmente com a escuridão da noite, a não ser pelos clarões e lampejos irradiados pela lua, um branco tão vivo quanto de uma pérola.

Começamos a conversar, em poucos minutos ali sentados, eu já me acostumara. Não sei como, mas já estava tão perturbado tentando encontrar algo – que nem mesmo o quê eu sabia, que conversar face a face com Cora Coralina, já não era impossível.

Cora me disse que, não sabia se a vida era curta ou longa para nós, mas siaab que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar.

E ainda completou, dizendo:

– Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

Abri os olhos com o tilintar do bater de asas de uma mariposa sobrevoando a minha cabeça, perturbando o meu raciocínio. Debruçado sobre minha cama, olhando para livros, folhas e lápis, levantei. Encontrei o que não estava perdido.

Não me encontrei com Cora, mas com a literatura.

Como ela mesmo diz, o que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher. Letras, frase, parágrafo e livro. Gastei toda a minha madrugada, e até agora, só consegui escrever até aqui.

Homem
Homem
Autorais

Crônica: Homem

Você não pode mudar o passado. O que quer que tenha acontecido em sua vida até agora – coisas boas ou más – não pode ser alterado, e todas as decisões e acontecimentos que o tornaram o que você é hoje estão indelevelmente inscritos na história da sua vida.
Billy Graham, A Jornada

Dia de chuva, é hoje… a água está limpando a terra e lavrando as serragens, umedecendo as folhagens secas e o caule retorcido das árvores depois de um longo tempo seco. Hoje não é um dia bom para levantar da cama cedo. O Homem se arruma para poder apreciar o seu café com leite e pão de ontem.

– Sempre encontro contigo logo cedo Livre – arbítrio. Seu primeiro comentário pela manhã.
– Até parece que não dormimos juntos desde a sua puberdade Homem, quando nos conhecemos. Livre – arbítrio respondeu diretamente ao Homem pegando uma xícara de café com leite.

Ele sorri discretamente passando manteiga no pão.

– Onde está consciência? Sabe onde ela está? Já estou saindo para trabalhar e ela ainda continua a enrolar todas as manhãs…

Livre – arbítrio optou pela sua liberdade em não responder, pois já estava cansado em conviver com estes pequenos entraves logo pela manhã. Consciência chega na cozinha, não come nada, não bebe nada, simplesmente se senta para conversar um pouco antes de ir trabalhar com Homem.

Foi um longo dia de trabalho, o tempo não para. A Consciência se atrasou para descer do ônibus e o Homem quase se estranha com o motorista, foi por pouco. Livre – arbítrio nada fez, na verdade, não podia fazer nada. A tarde passou como se fosse quarenta e oito horas a duração da exposição do sol e Consciência trabalhou bem, ela não se perdeu. O difícil quando essa mulher se perde é que tudo sai fora do controle, o emocional, o racional, o lógico e também o empírico.

Ao chegar em casa, um belo banho e a leitura de um bom livro resolveria tudo. Consciência escolhe o livro e questiona ao Livre – arbítrio se era uma boa escolha para o dia, ele responde propondo duas alternativas para Consciência: foi uma boa escolha e não foi uma boa escolha. Consciência se alegra e decide optar pela alternativa da boa escolha para a leitura daquela noite.

Amanheceu o dia com o sol, o despertador não tocou e então ele dormiu alguns minutos a mais. Consciência estava trancafiada em um sono pesadíssimo, quando ela decide se cobrir com o cobertor da inconsciência para se proteger do frio, o atraso e o sono pesado era certeiro. Por não haver questionamento a respeito do tempo, acordar ou não acordar, estar atrasado ou não, Livre – arbítrio ficou quieto.

O Homem acordou com a incidência dos raios do sol em seu rosto e viu que estava atrasado.

– Consciência, Livre – arbítrio!!! Gritou rispidamente. Estamos ATRASADOS!

O Homem se aprontou rapidamente, Livre – arbítrio o acompanhou. Consciência estava jogada na cama como um trapo em um dos cantos da casa. Homem não esperou ela se aprontar. – O que há de acontecer de errado, questionou. Livre – arbítrio não argumentou, simplesmente apresentou as alternativas de escolha. O Homem decidiu ir, sem Consciência.

Quando Consciência acordou, ela estava sendo requisitada em um banco de uma praça perto da empresa onde Homem trabalha. Ele perdeu o ônibus das 6:15, esperou impaciente aquele que estava para chegar às 7:00. O ônibus atrasou devido ao pneu furado. Brigou dentro do ônibus devido ao acento de gestante.

– Uma mulher grávida em pé e um malandro mal caráter sentado, esse é o fim da picada! Injuriou audivelmente.

Homem saiu do ônibus com os olhos inchados e a mão dolorida, – Ele saiu pior, argumentou ironicamente. Quando chegou na empresa, o patrão o recebeu na porta, o dispensou do dia de trabalho daquele dia (o patrão era gentil), na verdade já tinha perdido a manhã toda. Seu estado não era apreciável, roupas rasgadas, ensaguentadas e amassadas. O rosto inchado somado com a cara de ontem por dormir demais e também por estar atrasado.

– Consciência, onde está você agora? Questionou o Homem choramingando o dia perdido.

O melhor lugar agora era a sua casa, mas ir primeiramente ao hospital fazer um curativo era melhor. Livre – arbítrio olhava e Consciência o acalmava, tudo iria melhorar, agora ele estava consciente.

Asas no coração
Asas no coração
Autorais

Autoria: Asas do Coração

Com bico para fora da gaiola, admirava. Seus olhinhos arredondados acompanhavam as penas das araras em alto voo. Penas grandes, lustrosas com cores bem vivas e suntuosas. Avermelhadas, azuladas e amareladas. Essa era a visão do pequeno pardal sem asas.

O pequeno assistia o mundo das aves pelas grades de sua gaiola. Para estar na ala mais alta de sua morada precisaria das asas de outro pardal. Pegava carona para subir, pegava carona para descer. Um pássaro sem asas, ironia. Ainda no aconchego da casca de seu ovo em um ninho constantemente construído e almofadado pelas mais macias folhas, perenes em tom carmesim e arejado com gardênias e pequenos lírios do vale. Ali, alimentava seu sonho de voar. Não reconhecia a própria deficiência, não vivia a própria realidade.

Ao olhar para si, via enormes asas com penas alvas e longas, asas capazes de subir tão alto que as nuvens tocariam suas patas. Encostava o bico nas grades e assim, varava o dia, perdia a noite em sonhar. Mas como? Como voar? Acontece que as asas do pequeno pardal estavam em seu coração. Essas eram as asas de verdade. Mesmo que nunca tenha sentido o vento sendo cortado pelas suas penas, ele sabia qual era a sensação. Mesmo nunca tenha precisado pousar depois de um longo voo, o pequeno pardal sabia qual era o frio na barriga que a gravidade lhe causaria ao fechar as asas e tocar o chão.

Amanhecia em imaginar e anoitecia em sonhar. Todas as noites se maravilhara com os vários voos, movimentos em pleno ar que imaginava e criava. Vivia, mas em sonhos.

Sentia, mas na imaginação. Voava, só que com o coração. O que me admira meu amigo, o que realmente me surpreende e fascina, não é um pardal sem asas sonhar em um dia voar, mas um pardal sem asas ter a certeza de que está voando sem nunca ter saído da gaiola.

Aplausos para imaginação.

Autorais

Crescendo

Eu costumava detestar ser tratada como criança isso nos meus 10 pros 13 anos, me frustrava ouvir “Sai pra lá menina, isso é assunto pra adulto” Mal sabiam eles que quanto mais diziam isso mais eu forçava me reafirmar como a adulta formada que pensava ser naquela época.

Hoje, na fila do banco enquanto escrevo isso ouço um rapaz atrás de mim dizer “Senhora, a fila já andou. É  a sua vez” Fico perplexa ao ouvir  essas palavras, coisa que lá na minha infância me faria ficar deslumbrada vendo que alguém percebeu o quão evoluída eu sou e que de fato devo ser tratada como tal, me fez parar e pensar quando foi que eu cresci e me tornei mais uma adulta? Será que foi quando tive minha primeira aula de direção? Ou foi quando bebi pela primeira vez? Provavelmente deve ter sido naquele dia que disse pra minha mãe que iria pra uma festa e só voltei no outro dia, quem sabe até deve ter sido quando decidi morar sozinha. É engraçado como uma série de pequenas coisas acontecem de forma tão sutil que nem percebemos até chegarmos ao presente inimaginado por nossas versões mirins.

Avancei na fila e fui embora.

Autorais

Virei rotina

Quando eu estava no ensino médio, a professora de filosofia falou sobre o quão rotineira nossas vidas se tornavam ao longo dos tempos e que a cada dia que passava, e nossa maior idade chegava, a vida só tornava-se mais e mais coisa de rotina.

Lembro que na época ri por entre os dentes de sua observação e acrescentei um ‘’coitada’’ a sua situação, afinal, acho que vida de professor naquela época não tinha muitos avanços graças ao retorno financeiro – não que hoje tenha mudado muita coisa -, e prometi que nunca viveria assim. Eu seria feliz e a única rotina que iria criar era a de ser feliz cada dia mais. Para começar, eu seria uma jornalista, viajaria o mundo por atrás de notícias e lugares incríveis. A carreira de escritora também me levaria a países como Portugal – sempre sonhei ter um livro publicado lá! -, ou quem sabe traduziram uma das minhas obras para o espanhol e eu faria uma turnê pela América Latina e passaria pela Espanha.

Hoje, me encontro sentada nessa mesma escrivaninha branca, que comprei no terceiro período da faculdade com um dinheiro que recebi por um texto que havia vendido para essas revistas de adolescente, tentando terminar esta crônica. Daqui ouço o choro de Amora, minha filha, porque João, meu filho mais velho, não quer deixa-la ver seus desenhos. Também estou atenta a lasanha que está no forno, para que pelo menos desta vez ela não queime, afinal, meu marido não tem culpa se casou-se com uma zero a esquerda na cozinha.

Não viajei para lugar nenhum que não tenha sido a Disney, nos 2 anos da Amora. E o único livro que publiquei até hoje foi independente e não rodou nem minha cidade, quem dirá chegar na Europa. Eu acordo as seis, arrumo as crianças para a escola e vou trabalhar. Mesa, notebook, corrigir textos que irão para um jornal de circulação nacional. Às quatro da tarde busco as crianças, casa, deveres de casa, faxina e começar a janta. Meu marido chega e então tenha uma folga para terminar o trabalho que trouxe para casa.

É, eu não me tornei professora, mas acabei por virar rotina.

 

Autorais

Autorias: O garoto da coroa, por Victor Augusto

O amor já bateu em sua porta uma porção de vezes, entrou, se acomodou e por fim, saiu. A vida lhe mostrou caminhos intensos, lhe cruzou com novas pessoas e por fim, manteve poucas. Ele sempre tentou buscar razões nas complicações que a vida colocava a sua frente.

Ele era só um garoto. Um garoto diferente, talvez, único. Um garoto sensível por fora e por dentro, por dentro tinha sua armadura protetora. Por dentro existia um lado que poucas pessoas conheciam de verdade. Por trás de toda armadura, existia um menino. Um menino que ria sozinho de coisas bobas, um menino que tinha suas crises, seus problemas, suas paranoias, um menino que tentava achar graça nas coisas simples da vida. Um menino que andava pelas ruas com uma coroa e um sorriso frouxo no rosto.

Como eu havia dito, um menino diferente. Ele via as coisas com seus próprios olhos. Às vezes, o amor lhe cegava, mas quem nunca ficou cego de amor por alguém? Por trás de tanta bondade, ele tinha sua base. Ele não era inocente, só não estava preparado para tantas surpresas. Suas palavras descreviam seus problemas, mas o seu olhar, ele descrevia o que realmente não era notável.

Seu olhar tinha audácia própria, assim como ele tinha seu próprio controle. Seu coração não era descartável, suas palavras eram sinceras. Ele era expressivo. E talvez isso o destacasse tanto, expressar e sentir muito. O nosso maior problema é sentir muito por quem sente tão pouco. Somos reféns de sentimentos incabíveis, sentimentos que não cabem dentro da palma de uma mão. Certo dia, eu lhe disse, você não merece sofrer dessa maneira. E olha, sorte de quem o tem na palma da mão. A vida é uma montanha russa, quando tudo está indo para cima, ela te coloca de ponta cabeça sobre seus maiores medos.

Ela é sacana, mas comigo ela foi boa, me fez conhecer alguém que realmente veio fazer parte dos meus maiores dias. Como por exemplo, meu aniversário. Ele não merece alguém que não é capaz de preenchê-lo como ele preencheria um coração vazio.

Às vezes, às vezes ele errava, agia por impulso, caia de cabeça, se atirava sobre suas decepções e por fim notava que tudo não passava de uma grande neura, não é? Calma, ainda vamos enfrentar essas neuras juntos. Ele é incrível e tem sua própria originalidade, mas poucas vezes consegue reconhecer o quão bom consegue ser. Nós nunca nos olhamos em frente ao espelho e notamos todas nossas qualidades expostas. Alguns tem certa dificuldade. E quando o mundo o machuca, ele encolhe sobre o canto e assim desliza nas palavras, e assim descreve o que realmente sente. Como havia dito, ele tem seu próprio armamento.

Espero que seu coração não se despedace com a vida por pessoas que não o merecem, você só vai entender bem quando ver que a vida é curta demais pra quem não sabe valorizar os bens que cruzam nosso caminho. O para sempre é místico, e a certeza que a vida lhe dá é: você é para sempre, as pessoas, talvez. As passagens são necessárias, as idas principalmente, mas o que realmente vem a mudar nossa rotina se torna algo inesquecível.

“Escrevi um texto em que você é o personagem principal”, foi assim que o Victor havia me falado que tinha escrito algo sobre mim. Fiquei super curioso em saber o que ele falava, afinal, ele sempre soube de tudo o que se passava comigo, foi meu psicólogo particular inúmeras vezes e claro, escrevia de uma maneira de dar inveja. Nos encontramos no horário de almoço, certo dia, ele virou o notebook pra mim, com uma música que não lembro o nome, e que ele não quer me passar (chateado), e me mostrou o texto chamado “O garoto da coroa”. Li em um lugar público, e portanto não poderia chorar, então me limitei a cobrir o rosto, enquanto lia essas palavras que me descreveram com maestria. Sim, postei, primeiro como uma forma de agradecimento por me ouvir sempre, por entender todos esses dramas e segundo porque pessoas que escrevem tão bem assim merecem ser lidas e apreciadas. Espero que tenha gostado, e Victor, muito obrigado pelo texto, mais uma vez! <3
Autorais

Autorias: A primeira vez em que alguém havia me salvado dos meus próprios pensamentos, por Gabu Camacho

Todos temos inúmeras crushes durante a vida, durante a festa, durante o dia ou até mesmo, durante a ida de ônibus para a escola ou trabalho. Muitas delas, são efêmeras, vem e vão, e isso que talvez seja o mais gostoso nessa casualidade toda. Mas existem exceções, e algumas crushes ficam. Talvez não na sua vida, mas marcadas em você como tatuagem feita à ferro. Você pode começar a namorar, esquecer, deixar de falar com a pessoa… Mas o sentimento primitivo ainda está ali, só esperando a chance de se mostrar sem culpa, sem medo.

Eu sempre fui meio Augustus Waters, meus pensamentos são estrelas que jamais conseguirei organizar em constelações, não importa quantos moleskines eu compre, e quantas noites eu perca escrevendo coisas aleatórias no parque perto de onde eu trabalho. Nunca organizarei minha cabeça da maneira apropriada, nunca deixarei de sucumbir aos meus próprios pensamentos suicidas.

Confesso que não gosto de casualidades, não gosto muito de surpresas – mas amo ser surpreendido -, e fiquei um pouco sorridente quando você confirmou nossa ida ao café. Eu estava trabalhando, rodeado por pessoas, e não deveria mexer no celular. Mas foi impossível conter minha excitação, então, cheguei a afastar a cadeira da mesa só para que eu pudesse te responder da maneira mais apropriada possível. Achei que só iríamos ao café mesmo, a princípio.

Você, era uma daquelas pessoas pelas quais eu nutria o sentimento de crush, apesar de reprimido entre o turbilhão de outras coisas que se passavam pela ponte aérea entre minha cabeça e coração. Mas naquele dia, eu havia decidido me reinventar, eu estava com a minha mente limpa, tranquila, e fui com a cara e a coragem mostrar meus manuscritos mal feitos e manchados por eventuais lágrimas. É bom sentir a tranquilidade de novo, é bom se sentir valorizado.

Sempre me entreguei demais, e recebi de menos. Sempre fui o nadador que se joga de cabeça na piscina rasa, e acaba machucado no final. Nunca liguei muito para os conselhos que me davam, e talvez seja por isso que eu me arrastei tanto por algo que jamais teria um final feliz, e reprimi os sentimentos que deveria ter deixado aflorar logo naquela festa em que eu bebi um pouco além dos limites e talvez tenha feito bosta.

Apesar de tranquilo, apesar de bem resolvido, minha cabeça ainda estava totalmente bagunçada, sei que você percebeu. Mas tudo começou a seguir outro rumo quando você me beijou ao som de Take me to church com aquela chuva fria de julho como testemunha. Eu então, senti algo que jamais havia provado antes naqueles lábios maravilhosos com gosto de cereja mentolada. Aquela, havia sido a primeira vez em que alguém havia me salvado dos meus próprios pensamentos. Aquela, havia sido a primeira vez em que eu havia entendido o que era ser valorizado como a pessoa maravilhosa que eu era – sem joguinhos de ego inflado, dessa vez.

E ah, como foi bom te ter nos meus braços, como a âncora que eu precisava para manter os meus pés no chão, ou então, o balão que eu precisava para me libertar, e me deixar voar. Eu estava salvo dos meus próprios pensamentos que ameaçavam boicotar o bom funcionamento do meu coração. Eu estava, finalmente salvo, liberto.

Autorais, Colunas

Autorias: Escuridão do cósmico segredo, por Gabu Camacho

Olá, #BecoLovers! Esta é a primeira postagem da mais nova seção do Beco Literário, intitulada de Autorias, onde nós escritores, postaremos textos escritos por nós mesmos, sejam eles dissertações, artigos de opinião, histórias fantásticas… Enfim! Não há limites para a escrita. Tomamos essa decisão após muitos de vocês (lindos <3) elogiarem nossas colunas, resenhas e acima de tudo, nossa escrita. Este é só um novo espacinho para mostrar o nosso talento. Continuem comentando, participando, sugerindo… Nós sempre lemos tudo e buscamos melhorar o site ao máximo!

Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras…
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!
— Augusto dos Anjos, “Monólogo de uma sombra”.

Tudo branco. Tudo limpo, silencioso. O que houve? Algo deu errado? Não, não deu. Meu pai sorri lá longe, feliz. Atrás do vidro. Onde estou? Minha visão está turva, o mundo gira rápido demais… Um lapso de nitidez me atinge, ele não está sorrindo, ele chora como uma criança.

Por que choras, pai? Estou aqui, sou só eu, Téo. Não devo ser um desgosto tão grande assim pra ele, devo? Por que choras então, papai?

Vovó, por que choras? A senhora, tão festeira, sempre sorridente atrás do fogão, por que exibes esse rosto marcado pelas rugas e tão envelhecido, tão maltratado pelo tempo? A senhora não é assim, a senhora nunca aparentou a idade que tem…

Mamãe, por que estás abraçada a mim, sendo que estou aqui? Mamãe, olha pra mim, está tudo bem, mãe. Eu te amo, demais. Mesmo nunca tendo dito isso em voz alta. Mamãe, sou só eu, Téo…

Não é meu clone, é Ted, meu irmão gêmeo. Ele está bem. Ei, Ted! Por que exibes esses olhos vermelhos aí, cara? Não andou fumando de novo né, cabeção? Não, você chorou, posso sentir… Por que choras, cara? Você sempre foi o mais forte de nós. Cuidado, moleque, a mãe vai pegar você matando aula. Não esquece o RG quando sair de casa. Mas não chora, não. Não é o fim do mundo. Tudo vai ficar bem.

Por que tanta choradeira, por que tantos borrões turvos e pálidos nos meus olhos? Tá rolando guerrinha de ovos podres? Uma briga? Corre, corre, corre, Ted… Mas não chora, não.

Cuidado, os pais vão ver! Protege a vovó, cara…

Quem é esse cara vindo em minha direção com dois ferros de passar… Não cara, vai pra lá… Ted, ele vai me queimar, Ted, minha mão tá amarrada, me ajuda, Ted…

Papai…

Por que não consigo me mexer? Por quê? O que está acontecendo? A massa das balas de coco que a senhora fez para o café da tarde deu errado, Vovó? Não me queima, não…

Por que estou nesse aquário, por quê?

Papai sumiu, mas consigo ouvir seus berros incontroláveis…

Ted o abraçou, isso mesmo, garoto! Mamãe, por que a senhora tá dormindo nessa maca de hospital? Por que estamos no hospital?

Oi, Vovó, a senhora tá sorrindo pra mim, pode me explicar o que houve? Vovó… Eu te amo.

“A eternidade só tem fim pra quem não ama, meu menino.”

Ela viu que eu sorri, tenho certeza.

Ela viu.

E meu mundo, se apagou.