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Resenha: Objetos Cortantes, Gillian Flynn

Recém-saída de um hospital psiquiátrico, onde foi internada para tratar a tendência à automutilação que deixou seu corpo todo marcado, a repórter de um jornal sem prestígio em Chicago (EUA), Camille Preaker, tem um novo desafio pela frente. Frank Curry, o editor-chefe da publicação, pede que ela retorne à cidade onde nasceu para cobrir o caso de uma menina assassinada e outra misteriosamente desaparecida.

Desde que deixou a pequena Wind Gap, no Missouri (EUA), oito anos antes, Camille quase não falou com a mãe neurótica, o padrasto e a meia-irmã, praticamente uma desconhecida. Mas, sem recursos para se hospedar na cidade, é obrigada a ficar na casa da família e lidar com todas as reminiscências de seu passado.

Entrevistando velhos conhecidos e recém-chegados a fim de aprofundar as investigações e elaborar sua matéria, a jornalista relembra a infância e a adolescência conturbadas e aos poucos desvenda os segredos de sua família, quase tão macabros quanto as cicatrizes sob suas roupas.

Objetos Cortantes, primeiro romance de Gillian Flynn, apresenta todo o talento da autora em conduzir tramas misteriosas e destrinchar a mente humana da maneira mais brutal possível. Cheio de reviravoltas, constrói personagens incríveis e é impossível parar de ler depois que iniciamos.

A narrativa, em primeira pessoa, nos apresenta Camille Preaker, uma repórter de um jornal em Chicago que recebe a missão de investigar em Wind Gap, sua cidade natal, um caso de assassinato e, mais recentemente, o desaparecimento de garotinhas. Mas voltar para casa significa voltar para o centro de sua dor, pois foi justamente nesse local que Camille viveu suas experiências mais traumatizantes e o que não faltam são fantasmas e marcas desse passado perturbador para lembrá-la.

“Eu estou aqui, falei, e essas palavras pareceram chocantemente reconfortantes. Quando entro em pânico eu as digo a mim mesma em voz alta. Eu estou aqui. Não costumo sentir que estou.”

O que encontramos com sua chegada é uma cidade perturbada pelos acontecimentos recentes. Camille busca a ajuda da polícia, que se recusa a colaborar com a imprensa. Enquanto isso, a cidade enche-se de fofocas e muitos querem fazer parte daquilo para ter seu nome aparecendo no jornal. A investigação nos permite conhecer as relações que permeiam a cidade. Intercalamos com o passado da jornalista e logo podemos começar a supor o que vem acontecendo. Vários suspeitos são apresentados e não temos a menor ideia se devemos ou não confiar em alguém. Afinal, essa não é uma trama onde existe pessoas totalmente boas ou totalmente más. Isso fica bem claro. Todos os personagens são bem reais e complexos.

Além da investigação, o outro foco da história é o relacionamento de Camille com sua família. Logo de cara fica evidente o quão desestruturada essa casa é. A mãe, Adora, parece abominar tudo que a filha mais velha faz. Entre as duas paira a morte da irmã de Camille, que era adorada pela mãe. Alan, o padrasto, parece ser uma pessoa pacífica e alheia a tudo que acontece. Já a meia irmã de Camille, Amma, é a nova princesinha da casa e assim é tratada, tendo todas as suas vontades atendidas.

“Sempre me senti triste pela garota que eu era, porque nunca me ocorrera que minha mãe poderia me consolar. Ela nunca me disse que me amava, e nunca supus que sim. Ela cuidava de mim. Ela me administrava.”

Usando esses ingredientes, Gillian Flynn cria uma história arrebatadora. Objetos Cortantes não é apenas um livro investigativo. Aqui, mergulhamos na mente humana, em sua parte mais obscura e complexa. Com temas polêmicos e diálogos extraordinários, é psicologicamente perturbador. Em cada página entendemos o peso que a protagonista carrega nas costas, que a fez recorrer à automutilação como mecanismo de escape.

O final, claro, não poderia ser menos que surpreendente. Se você gosta de suspenses psicológicos, a leitura está mais que indicada. Sendo esse o primeiro livro da autora e o primeiro contato que tive com uma obra dela, agora é praticamente impossível não ler o restante de suas narrativas.

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