Como muitos, só fui apresentado à história de Clarice Starling ao assistir o filme baseado nessa obra de Thomas Harris, que foi estrelado por Jodie Foster e Anthony Hopkins e conquistou nada menos que 5 Oscars. Se o longa já pode ser considerado uma obra prima, não era possível esperar menos do livro. Poucas histórias tem a sorte de ser bem-sucedida tanto no cinema como na literatura e O Silêncio dos Inocentes, sem dúvida, é uma delas. Não admira que seja um dos textos mais expressivos do gênero desde o seu lançamento, em 1988.
A história de Clarice é interessante porque nos identificamos com ela. Em início de carreira no FBI, a agente vai contra o clichê da grande mente investigativa que, só de olhar para um corpo, já descobre tudo sobre o crime e quem o cometeu. Não, aqui a personagem é mais humanizada, comum. Em um meio predominantemente masculino, ela luta por seu espaço com seus méritos próprios, sem se deixar levar pela opinião alheia. Seu grande trunfo é se colocar no lugar das vítimas e olhá-las não apenas como mais um cadáver estendido no chão. É essa sensibilidade que a permite ter uma perspectiva diferenciada dos crimes de Buffalo Bill, o serial killer que está sendo investigado.
Além disso, Starling conta com a ajuda de um dos personagens mais complexos já criados na literatura policial: Hannibal Lecter, o Canibal. É ele o grande fio condutor de toda a trama, a mente pensante que nos intriga do começo ao fim. Sua presença paira por todas as páginas, mesmo que ele não esteja em cena. Thomas Harris cria uma tensão tão grande envolvendo o psiquiatra assassino que ficamos esperando ansiosamente sua próxima aparição. Hannibal é capaz de provocar vários sentimentos ambíguos no leitor. Ao mesmo tempo em que é repulsivo, é carismático e, ainda que saibamos das atrocidades cometidas por ele, nos pegamos simpatizando com aquela mente brilhante e, muitas vezes, a trama principal é eclipsada quando ele surge.
“O dr. Lecter, assassino de nove pessoas, tinha os dedos agrupados embaixo do naris e a observava. Seus olhos demonstravam uma noite infindável.”
A relação entre Lecter e Clarice é algo ímpar, envolta em tensão psicológica, com duas pessoas tão diferentes se completando em uma troca mútua de informações. É impressionante a capacidade que Hannibal tem de entrar na mente das pessoas e manipulá-las. Thomas cria o personagem que todo autor sonha em criar, aquele que intriga o leitor a todo momento e o deixa querendo mais.
Outro grande diferencial de O Silêncio dos Inocentes é que a investigação não consiste apenas de uma busca alucinada pelo culpado. Tudo é estruturado para entender seus aspectos psicológicos e o motivo literal dos crimes. Aqui, entramos na mente do assassino e a vasculhamos, o que é perturbador. Nada é exposto à toa. Existe todo um simbolismo envolvendo as mariposas e a forma como os corpos são encontrados. Buffalo Bill vai sendo destrinchado aos poucos, na dose certa.
Se você gosta do gênero, esse livro é leitura obrigatória, quer você já tenha visto o filme ou não. Com uma trama impecavelmente construída, nada deixa a desejar. O suspense criado na história nos prende até a última página, em uma narração fluida e agradável.