Pela primeira vez no Brasil, a obra de uma lendária contista norte-americana que vem conquistando cada vez mais leitores. Lucia Berlin teve uma vida repleta de eventos e reviravoltas. Aos 32 anos, já havia vivido em diversas cidades e países, passado por três casamentos e trabalhado como professora, telefonista, faxineira e enfermeira para sustentar os quatro filhos. Lutou contra o alcoolismo por anos antes de superar o vício e tornou-se uma aclamada professora universitária em seus últimos anos de vida. Desse vasto repertório pessoal, Berlin tira inspiração para escrever os contos que a consagraram como uma mestre do gênero. Com a bravura de Raymond Carver, o humor de Grace Paley e uma mistura de inteligência e melancolia, Berlin retrata (no Manual da Faxineira) milagres da vida cotidiana, desvendando momentos de graça em lavanderias, clínicas de desintoxicação e residências de classe alta da Bay Area.
Manual da Faxineira é um daqueles livros que te surpreende. Não conhecia Lucia Berlin antes dele, e agora ela faz parte das minhas escritoras favoritas. O livro é uma série de contos sobre mulheres, o que já me deixou bem interessada pois apesar de ultimamente a literatura feminina ter crescido bastante, ainda faltam livros sobre a vida real, o cotidiano da mulher, sem romantizar, sem mistificar, sem “felizes para sempre”. E é exatamente isso que Lucia passa, histórias cotidianas, reais, que podemos nos identificar, entender como os personagens se sentem, e o mais importante, pelo ponto de vista de uma mulher.
“Senti um cansaço, uma tristeza imensa, por ela, por todas nós que estávamos naquela sala. Estávamos, cada uma de nós, sozinhas.”
As histórias tem um teor autobiográfico. Embora seja difícil tentar desvendar o que é ficção e o que é sua história, pois a maior parte seria baseada em suas experiências de vida. O que fica claro na narrativa, a maioria feita em primeira pessoa, por mulheres, todas protagonistas. Lucia traz tanto temas cotidianos, como temas políticos e polêmicos, com uma sinceridade difícil de se ver. Ao mesmo tempo em que ela aborda o dia a dia em um diálogo na lavanderia, ela fala sobre traumas, que vão desde o abandono até ao abuso sexual. E tudo de uma forma leve, simples e honesta. Ela não mistifica, não “enfeita” os acontecimentos, além de ter uma linguagem irreverente. O que os deixa mais interessantes, quando são narrados pela autora.
“Mas o sorriso dela… não, era a sua risada, uma risada melancólica, gutural e cascateante que captava a alegria, deixava implícita a tristeza que existe em toda alegria e, ao mesmo tempo, zombava dela.”
O que posso dizer do Manual da Faxineira? É um livro sobre como ser mulher, sobre mulheres reais. Eu, você, sua mãe, sua vizinha. É a nossa voz, o nosso sentimento, a nossa realidade. O exemplo real de sororidade, pelas incontáveis relações entre mulheres que o livro trata. Além de surpreendente, nos faz querer saber mais sobre essa escritora que conversa e transmite tanta empatia para com seu leitor.
“Fiquei circulando, não só incapaz de me enturmar, mas aparentemente invisível, o que era um misto de benção e maldição.”
O livro é extraordinário, daqueles que devemos ler com calma, apreciando cada história, cada personagem e suas nuances, vivenciar o sentimento narrado e o que se esconde entre as palavras. Como eu disse no começo, Lucia Berlin se tornou uma das minhas escritoras favoritas, porque é quase impossível não virar fã depois desse livro.
“As cicatrizes são brutais, horríveis, mas elas fazem parte de você agora. E você é mulher, sim, sua bobona! Sem o seu Afonso, sem o seu seio, você pode ser mais mulher do que nunca, você pode ser a sua mulher!”.
Sobre a autora: Lucia Berlin – Nasceu em 12 de novembro de 1936 no Alasca e faleceu em 12 de novembro de 2004, passou a sua infância e sua vida adulta se mudando. Viveu em diversas cidades dos EUA, do México e do Chile (Idaho, Arizona, El Paso, Oakland, Nova York, Cidade do México, Santiago, Colorado). Somente em 2015 que seus contos se tornaram uma febre. Deixou 76 contos publicados num total de 3 livros. O Manual da Faxineira, em um ano, foi traduzido para sete idiomas, foi eleito um dos 10 melhores livros do ano pelo New York Times. No Brasil, foi publicado pela Companhia das Letras.
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