Resenha: A Clínica - A farsa e os crimes de Roger Abdelmassih, Vicente Vilardaga
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Resenha: A Clínica – A farsa e os crimes de Roger Abdelmassih, Vicente Vilardaga

A Clínica – A farsa e os crimes de Roger Abdelmassih, de Vicente Vilardaga apareceu para mim no Kindle Unlimited e resolvi dar uma chance. Como gosto e sou fã de livros de true crime, ainda mais os brasileiros, devorei essa leitura em pouco mais de dois dias.

A cronologia do livro é dividida de acordo com a vida do ex-médico Roger Abdelmassih, desde sua formação na faculdade, sua especialização em clínica masculina e posterior formação em reprodução humana. Com isso, passamos a entender sua “ascensão” e a sua “queda”, que foram tão bruscas quanto rápidas, e o poder midiático que proporcionou esses dois momentos tão distintos.

O livro que mostra tudo sobre a farsa e os crimes da medicina reprodutiva que chocaram o Brasil. Este livro-reportagem de apuração precisa tem como foco Roger Abdelmassih: um mito da medicina reprodutiva, incensado nos melhores salões paulistanos, homem admirável acima de qualquer suspeita, mas cujo espantoso edifício de crimes chocou a todos os brasileiros. Com um texto primoroso e uma reconstituição detalhada dos fatos, o repórter Vicente Vilardaga esmiúça a inacreditável trama de mentiras que cercam o médico condenado a 278 anos de prisão por mais de 48 delitos de abuso sexual a suas pacientes.

O primeiro capítulo, A festa, mostra o auge de Roger Abdelmassih, quando ele se posicionava como o maior especialista em reprodução humana do Brasil, quiçá, do mundo, com números impressionantes e taxas de acerto acima da média, cobrando valores exorbitantes. O fato era: o ex-médico dizia ser instrumento de Deus para criar bebês, oferecendo certezas em um universo onde elas são cada vez mais escassas.

Na sequência, inicia-se A investigação, quando a casa do ex-médico começa a cair. Uma jornalista da Globo leva um caso pessoal de assédio até seus colegas de trabalho e, por conta disso, a investigação começa a tomar corpo no Ministério Público, em sigilo. Abdelmassih, em quanto isso, continua vivendo seu auge, andando nos carros mais caros, morando nos endereços mais prestigiosos e atendendo estrelas, famosos e pessoas que juntaram a economia da vida toda em busca do sonho do filho.

A investigação dura muito tempo, vai e volta da justiça milhares de vezes, novos fatos surgem a todo momento e nem isso é capaz de parar o ex-médico, que conta com a melhor equipe jurídica e de gestão de crise que o dinheiro pode pagar. Sim, gestão de crise. Sua presença e relação com o jornalismo era tão próxima, que pode-se afirmar que ele virou referência no assunto e em outros, só com a ajuda de uma boa assessoria de imprensa e do seus números inflados, bem como seu ego, como A Clínica nos mostra.

Os capítulos são longos, detalhados e trazem muitos personagens da história à tona, afinal, a teia de pessoas que protegiam Roger Abdelmassih parecia interminável: funcionários de confiança, laranjas, parentes… Afinal, o dinheiro, para ele, parecia valer mais que qualquer outra coisa na vida.

Nos três capítulos finais, A prisão, A condenação e A fuga, a história passa a tomar um tom que o leitor quase segura o fôlego, em um jogo que parecia ser ficcional. Condenações, prisões preventivas, tentativa de anulação de processo, negar acusações, olhares feios na rua… Quando Abdelmassih se torna o inimigo número um e a justiça resolve tardar, mas não falhar, vem o inesperado: ele se torna foragido e assim permanece por mais de três anos.

Mais uma vez, ele depende de uma extensa rede de proteção para manter seu padrão de vida foragido, contando apenas com seus rendimentos passivos (um negócio secundário com plantação de laranjas, no interior de São Paulo) e um esquema faraônico de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e muitos outros crimes, além dos quais já fora condenado por mais de 200 anos de cadeia.

É interessante ler, do ponto de vista jornalístico de Vicente Vilardaga, que trouxe apenas os fatos já divulgados de forma organizada e cronológica, escritos com uma redação espetacular que faz o leitor mais jovem, que conhecia a história de Abdelmassih pelos noticiários mas não acompanhou por conta da idade, entender do começo ao fim um dos maiores esquemas criminosos da justiça brasileira. Para quem não sabe, além dos crimes de estupro, atentados ao pudor, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e muitos outros, Abdelmassih e A clínica também foram investigados pela manipulação de material genético humano para além dos limites permitidos pela ciência – sim: pais e mães podem ter tido filhos sem o próprio código genético, com DNA de terceiros desconhecidos, DNA do próprio médico ou até mesmo, com o DNA de mais de duas pessoas, já que ele costumava “turbinar” gametas sexuais mais velhos com organelas de células mais novas.

É uma leitura igualmente chocante, surreal e capaz de tirar o fôlego, principalmente quando a gente percebe que poderia ser inverossímil e digna de um romance de ficção científica futurista, mas é só um relato de algo que aconteceu bem embaixo dos nossos narizes.

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