A obsessão na moda do coaching
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A obsessão na moda do “coaching”

De alguns anos para cá, o termo coaching saiu do completo anonimato para estar na boca da maior parte dos brasileiros. Antes, a palavrinha que se referia apenas a treinadores de futebol ou de esportes no geral ganhou um sentido mais amplo, em várias áreas do conhecimento. Em números, a atividade cresceu aproximadamente 300% no Brasil em quatro anos, segundo a International Coaching Federation (ICF), e o número de brasileiros com formação na área passou de sete mil em 2012 para 25 mil em 2015. E a previsão é que estes números aumentem ainda mais.

O que é “coaching”?

Para entender a amplitude do termo, é preciso voltar um pouco na história. A palavra, no Brasil, foi importada dos Estados Unidos e remete a um treinador. Em tradução livre, o coach é um treinador, um mentor. Apesar de, na nossa cabeça, provavelmente o coach ser aquele de esportes, conforme mencionado no início do texto, a palavra surgiu na educação, nas universidades inglesas dos séculos XVII e XVIII, frequentadas pela nobreza britânica. Nessa época, os alunos iam para aulas de “coach”, conduzidas por um “coacher”.

No Brasil, segundo registros, no início da década de 1990, com o advento do empreendedorismo, os empresários em ascensão começaram a demandar que seus funcionários estivessem treinados em algumas habilidades, como comunicação, gestão de tempo, produtividade, inteligência emocional e resiliência, por exemplo, palavras muito comuns nesse universo. Com isso, surfando nessa maré de ascensão do empreendedorismo, outros empresários passaram a fundar institutos que ajudavam outros empreendedores a treinarem seus funcionários. Nasceu então, o “coaching”.

No entanto, apesar dessa breve história, o termo ainda é muito amplo, ainda mais em 2020, com tantos coaches quânticos, coaches de emagrecimento, coaches de projetos, coaches de empresas…. Tem coach pra tudo! Segundo a Association for Coaching, a palavra significa “um processo sistemático colaborativo, focado na solução, orientado para resultados, no qual o “coach” facilita o aumento do desempenho do trabalho, da experiência de vida, do aprendizado auto direcionado e do crescimento pessoal do cliente”. Em linhas gerais, o treinador lança mão de técnicas para ajudar o seu aluno a desenvolver algumas habilidades.

Onde a obsessão entra nesse trabalho?

Só por definição, o trabalho de “coaching” parece muito bonito. Funcionários treinados, com técnicas desenvolvidas exclusivamente para ele. Empresas no auge, faturando muito. Será que é assim também na prática?

A profissão de “coach”, no Brasil, não é regulamentada. O número informado no início do texto, de 25 mil coaches compreende perfis bem variados de profissionais. Há pessoas com milhares de cursos, formações, horas de experiências, especializações e há pessoas que fazem um curso de cinco horas e saem sendo “coaches” e é nesse ponto que mora o perigo. Se ele tivesse ficado restrito ao ambiente empresarial, para onde foi criado, tudo ainda sim poderia estar nos conformes. Há profissionais bons e ruins em todas as áreas. O problema está na parcela desses 25 mil que fogem às normas e acabam por causar mais prejuízo às pessoas que benefício, manchando todo o nome de uma categoria.

É possível hoje em dia, ver coaches de emoção, de sentimentos, de ansiedade, emagrecimento, ciência quântica…. E onde estão os embasamentos teóricos ou científicos dessas práticas? Eu te respondo: no achismo. Dizer que é só você respirar e contar até cinco para acalmar sua ansiedade pode funcionar para muitas pessoas, mas não é uma regra geral. E tem “coach” que vai te dizer que é sua crença limitante que te impede de fazer com que isso funcione. O processo, em vez de ajudar ou de se adequar a cada particularidade, muitas vezes simplesmente culpabiliza a vítima.

E é nesse ponto, nestes “profissionais”, que encontramos o comportamento obsessivo-compulsivo. Há um aprisionamento muito grande nas obstinações teóricas, nas repetições, nos atos compulsivos que não se encaixam com a subjetividade de cada indivíduo. O trabalho que deveria ser pessoal, como um treinador se adaptando a cada um da sua equipe, acaba por se tornar um negócio massivo com regras que fogem a qualquer princípio de realidade. Ainda há, neste comportamento, um alto índice de animismo. Tudo para esses “profissionais” tem uma alma. “Você só está a um pensamento positivo de atingir tudo o que deseja para a sua vida”, eles dizem.

Não é errado ter crenças, querer pensar de forma positiva de vez em quando, torcer para as coisas darem certo. Mas é preciso que vejamos que cada pessoa é única, cada pessoa tem a sua subjetividade. As pessoas têm classes sociais diferentes, formações pessoais e profissionais distintas e uns tem mais possibilidades de acesso a lugares que outros.

Imagina só, você pega uma criança que não teve acesso aos estudos porque tinha que trabalhar com os pais para comer no final do dia e diz para ela que ela só precisa pensar positivo para alcançar o mesmo resultado no vestibular que uma criança que passa doze horas do seu dia na escola particular no ar condicionado? Me parece covardia.

Generalização e consequências

Não podemos generalizar o profissional “coach”. Existem pessoas que realmente se empenham em ajudar outras pessoas. Elas se especializam, aprendem com os acertos e erros de sua própria vida e adequam suas metodologias para cada pessoa que vá usufruir do seu treinamento. No entanto, infelizmente, elas têm se tornado raridade no Brasil. Cada vez mais é comum vermos pessoas que se formaram no curso de um final de semana causando danos permanentes a psique dos seus clientes. A pessoa entra para ser treinada, para melhorar, e sai obstinada, com crises de pânico, níveis alarmantes de ansiedade e estresse nas alturas porque acredita não estar com seu pensamento positivo o suficiente.

Não há uma fórmula mágica para lidar com pessoas. Cada ser humano é único e sua saúde mental não é um brinquedo. No século XXI, que estamos vivendo, cada vez mais vemos pessoas estressadas, ansiosas e preocupadas com o futuro. Os comportamentos compulsivos e obsessivos estão cada vez mais normalizados, sobretudo no ambiente corporativo. Os exemplos nas redes sociais são produtivos, lindos e te dizem o que você precisa fazer, só não te dizem que aquela não é a vida real. Um recorte da vida de alguém não é a vida dessa pessoa por completo, por isso, ao entrar em um processo de “coaching”, procure profissionais habilitados em psicologia, psicanálise ou então, faça tratamentos lado a lado.

Sua saúde mental não deve ser colocada nas mãos de alguém que acredita que todos os seus pensamentos e objetos são responsáveis pelo mundo exterior. Freud já dizia que o homem não é senhor nem em sua própria casa, se referindo que não temos controle total sobre o nosso inconsciente. Se não temos controle sobre nós mesmos, o que te faz pensar que temos controle sobre o que acontece fora de nós?

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