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Crônica: Augusta, que saudade

Augusta, graças a deus,
Graças a deus,
Entre você e a angélica
Eu encontrei a consolação
Que veio olhar por mim
E me deu a mão.
Augusta, que saudade,
Você era vaidosa,
Que saudade,
E gastava o meu dinheiro,
Que saudade,
Com roupas importadas
E outras bobagens.

Augusta, Angélica e Consolação – Tom Zé

Linda como nunca, só pude corresponder seu olhar. Movida por um passado catastrófico, tal moça não conhecera o amor verdadeiro, a vida em si, sua real importância. Augusta vivia em uma bolha, e em sua bolha esquecera de que deveria prosseguir. A aula continuava, e seus olhos se voltaram para a professora. Não, ela não prestava atenção nas palavras ditas pela mulher esquelética, na verdade ninguém ali dava a importância necessária para o momento, todos, imersos em pensamentos, ou apenas falando o que não deviam em redes sociais. Mas Augusta era diferente, ela instigava pelo olhar, instigava qualquer ser humano. Concentrada em um ponto fixo na parede, entre o J e o K, a garota mirava algo que ninguém via, só seus olhos, olhos de fotografia, visionários, eles nunca estiveram aqui. Não nesse cubículo, eles vêm o futuro, e para Augusta o futuro não é palpável, é apenas um amontoado de dúvidas e esforços.

Encaro suas curvas, mesmo sob a farda desfavorável, suas curvas provocavam, a calcinha azul claro visível por entre a calça e a camisa, concentre-se nos olhos, idiota, nos olhos, mas era quase impossível. Olho para a minha frente, Carol pressiona a cabeça contra a parede, ali eu sei o que se está pensando, era de costume, sempre nas aulas tediosas, Carol pensar em sexo, admito, ela nunca fora tão inteligente quanto estava sendo naquele momento. Concentrar-se na metodologia de um professor era difícil, mas visualizar cenas eróticas frente a tais professores é coisa de gênio. Chuto sua banca, ela faz um sinal com a mão esquerda, como quem diz: “Espera, estou perto de um orgasmo.” E ela estava, em algum universo paralelo, mas estava. Olho para trás e vejo Matheus, concentrado em sua conversa com Letícia, ou era Laura, tanto faz, as duas estavam no mesmo recinto, as duas se encaravam, as duas já passaram a mão no mesmo senhor que com todo seu disfarce escondia o celular sob a bolsa. Ao lado de Matheus, na outra fila estava Jê, cochilava, ai está, alguém que arrumou um serviço melhor do que Carol, dormir, realmente, seria melhor do que trepada imaginária. Seu pescoço beijava o ombro direito, Jê só acordaria no momento em que o intervalo começasse, ou quando Fernando, sentado a sua frente, lhe tocasse na perna direita para mostrar alguma pornografia no celular. E a frente de Fernando estava ela, Augusta, em seu lugar típico.

Por instantes pensei em entrar na brincadeira de Diane, e ali, imaginar eroticamente a garota. Seu corpo esguio, branco, sendo observado por uma lâmpada que refletisse toda sua beleza. Seus movimentos calculados, demonstrando as ancas desenhadas por algum Michelangelo ou Sanzio. Enquanto suspirava entre esculturas Renascentistas e uma Augusta nua, a mesma, ali, sentada uma cadeira após a mim, enfiou a mão no nariz vagarosamente, retirou algum resíduo e caçou na sala algum espectador de seu feito. Sem encontrar visualizadores, passou a mesma mão na calça e voltou a olhar para o nada. Provavelmente seus problemas não lhe cercavam mais, ou não haviam cercado, era pura imaginação minha. Na realidade, enquanto procurava significados para o silêncio de Augusta, ela deveria está ali, preocupada como iria retirar a meleca que lhe incomodara as duas aulas anteriores, agora com a intrusa expulsa do nariz, Mariane descansaria, até o tema: “Rochas Metamórficas” sumir do quadro e chegar a hora de comer seu biscoito com gosto de alpiste.

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