Anomalisa (2015), de Charlie Kaufman, passava pela minha página inicial da Netflix com frequência já há um tempo. E toda vez eu clicava, lia a sinopse e voltava. Por ser uma animação em stop motion, a vontade de ver o filme era grande. Mas eu sempre terminava pensando “não, hoje eu não tô preparada pra esse filme”.
Depois de um tempo lendo a sinopse
“O palestrante motivacional Michael se sente desanimado e isolado, até que ele conhece uma mulher extraordinária que reacende sua paixão pela vida”,
decidi que era hora.
Anomalisa se mostrou exatamente o que eu previa: um filme que precisa de tempo para ser digerido. Fiquei uma semana com ele na cabeça, pensando em cada detalhe, nas emoções que experimentei. Agora acho que consegui reunir algumas partes desse quebra-cabeça e falar em voz alta o que pensei por esses dias.
REALISMO MÁGICO
Mais uma vez, vou recorrer primeiro à literatura. Também conhecido como realismo fantástico ou realismo maravilhoso, o realismo mágico é uma corrente literária que surgiu na América Latina, na segunda metade do século XX, como uma reação aos governos ditatoriais da época.
Essa corrente inclui grandes nomes da literatura como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Jorge Luis Borges.
A principal característica dessa literatura é construir histórias por um viés realista, mas incorporar situações mágicas no cotidiano. O mais interessante é como as personagens reagem àquilo, ou melhor, não reagem. O maravilhoso é tratado como algo banal que faz parte da realidade e não é digno de espanto.
MAS E O FILME?
Bom, passada uma semana de reflexão, é exatamente dessa forma que eu definiria Anomalisa – uma excelente expressão de realismo mágico no cinema.
– ALERTA DE SPOILER –
Um dos primeiros elementos a chamar a atenção são as vozes dos personagens. Exceto Michael e Lisa, TODAS as outras vozes (homens e mulheres) foram gravadas pelo ator Tom Noonan. Logo no começo, tal fato causa uma sensação de estranhamento. Depois de alguns minutos, concluí que era exatamente esse o propósito: causar estranhamento.
Olha, eu estava errada. Passados os 90 min de filme, só conseguia pensar em uma frase que um grande amigo sempre diz: “Essa é a magia do cinema!”.
Michael Stone é um personagem melancólico que aparenta estar desanimado de tudo em sua vida: do casamento, do trabalho, das relações. Michael passa por um momento de profunda monotonia. Imagino que sua frase preferida seria “o inferno são os outros”. E é aí que o bagulho fica loco! As vozes! As vozes causam monotonia! Elas causam também estranhamento, mas é exatamente assim que Michael enxerga a vida: como se todos fossem a mesma pessoa, nada de novo, tudo sempre igual.
No final, Michael retorna para casa e é surpreendido por uma festa de aniversário. Sua esposa diz que “todo mundo veio vê-lo”, as pessoas o cumprimentam, mas Michael não reconhece ninguém.
O filme é todo pontuado por esses momentos em que o extraordinário se insere no banal. A única questão que me incomodou um pouco foi o fato de o filme, em alguns momentos, tentar explicá-los. Seria interessante deixar todo o enigma para o espectador.
Em uma cena, Michael sai do banho e seu rosto se contorce em várias expressões, a música fica mais tensa, e as coisas voltam à normalidade quando ele ouve vozes no corredor. Mais para frente, em um diálogo, Michael diz que não consegue chorar, que seu rosto se contorce, mas ele não consegue chorar.
O ponto alto do filme é a relação do protagonista com Lisa Hesselman. Naquele mundo de vozes (e rostos) iguais, Lisa se destaca. Sua voz é diferente e doce. Os dois vivem uma noite agradável, bebem, se divertem e transam. Ao acordar, Michael decide que deixará sua esposa por aquela mulher. Durante o café da manhã, ao propor a Lisa que os dois fiquem juntos, enquanto a personagem concorda em ficar com Michael, sua voz vai se transformando até ficar igual a dos outros personagens.
O inferno não são os outros, mas está dentro de Michael. A partir do momento que algo pode se tornar rotineiro, ele se cansa e cai em monotonia.
Anomalisa segue a tendência dos filmes de Kaufman, como Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004): é um olhar para dentro em que o estado psicológico dos personagens pode ter representações no mundo exterior mas, ainda assim, é o interior o que mais intriga.
Uma das poucas críticas negativas que encontrei falava que Kaufman não apresenta soluções, só mostra o problema. Mas não é esse um dos papéis da arte?
Fazer com que lancemos um olhar para nós mesmos enquanto vemos, na tela, a dor do outro?
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2 comentários
Muito bom!!
Muito obrigado amanhã eu tenho prova e eu não vou ler aquele livro de novo em três dias em tão pego resumo pela internet muito obrigado