Atualizações, Autorais

BEM MARCADO – texto autoral

trilha sonora indicada para leitura deste texto: the night we met – lord huron

secretaria eletrônica: oi! aqui é a ana, estou estudando agora e não posso te atender… desculpa! mas deixe seu recado que entro em contato depois! beijos! – BEEP
– oi ana, sou eu [risos]. queria te perguntar se está tudo bem… como foi a sua avaliação? qualquer coisa estou aqui, está bem?! um beijo e bons estudos!

cheguei um pouco tarde e muito cansado, nem tirei a roupa, ainda com tênis deitado na minha cama. passo a mão no rosto. tenho uma cicatriz no meu dedo. meu celular vibra, uma notificação

@artur respondeu a sua história: mas quem não é estranho? – dou um sorriso de canto sincero.

ao ler, volto para o meu dedo e penso: cresci vendo aquela marca bem no alto do meu polegar, na primeira falange coladinho da unha. sempre a vi traçar a minha pele e eu nunca descobri como ela foi parar ali. não me lembro de nenhum machucado, nenhuma dor, nenhum sangramento. não tenho nenhuma história para contar de como fui presenteado com aquela marca no meu dedo, ela sempre esteve ali, comigo. por incrível que pareça, li sobre uma história que explica como essas marcas surgem e o porquê. segundo a lenda, um casal fora impedido de ficarem juntos. distanciados, afastados, com ritmos de vida totalmente diferentes, mas nunca longe um do outro, sempre arrumavam um jeito para encontros e eternizarem num só momento o amor. tiraram a visão dela, pois achavam que assim nunca mais poderiam se ver. ele tinha medo de se perderem na multidão. durante a última noite de invernia, ela decidiu marca-lo, uma cicatriz em sua mão. a dor do corte para lembrar a luta que tinham que conviver, o sangue do pacto e a cicatriz, a marca que a presença e ausência causa um no outro. estão ligados. com tal característica, não importa o tempo ao passar, ou o lugar ao caminhar, mesmo sem a visão ao cumprimenta-lo, ela sempre saberia que aquela marca em seu dedo seria a oportunidade de encontrá-lo na liberdade. a lenda diz que a cicatriz no dedo é a marca de um amor que está a sua procura. você está marcado e tem alguém te procurando.

meu celular vibra novamente

mas como assim? existe uma pessoa te procurando? existe toda essa onda de “pessoa certa” para você? artur diz que não, ana diz que sim. artur diz que existem pessoas certas para momentos certos, é assim que ele lida com os seus relacionamentos; ana me diz que existe uma pessoa certa para uma vida inteira, depois disso ela me convidou para ser padrinho de seu casamento, fiquei muito feliz com o convite [por sinal]. minha cicatriz me diz que tem alguém que me marcou e está a minha procura nesse exato momento, minhas experiências me dizem o contrário, não sou de ninguém, na há ninguém disposto a encarar minha realidade, pelo contrário, preciso me conquistar e tentar me aceitar, talvez nem eu queira ficar comigo mesmo, um eu fora de si.

não consigo pensar sobre isso, me enovelo em ideias e inúmeras variáveis. isso tudo está fora de mim. ”pessoa certa”, que ironia! com o tempo, passei a pensar nos relacionamentos e como eles são. alguns de nós estão predestinados a se amarem, outros, por sua vez, são na verdade, viajantes solitários da vida. estranhos e complexos demais para serem entendidos.

se existir a pessoa certa e ela morrer num acidente? fico sem ninguém? e se alguém estiver comigo e eu achar que sou a sua pessoa certa e ela está comigo por comodidade ou por falta de outras oportunidades? e se eu estiver com alguém no supermercado e encontrar a minha pessoa na fila de queijos, enquanto tem alguém me esperando com o carrinho segurando um pote de café? e se me apaixono pela pessoa certa de outro? onde estão as regras da vida? pelos céus!

fecho e abro minha mão algumas vezes, qual o motivo de ter uma cicatriz aqui? neste lugar? um sábio disse que você pode estar cercado por pessoas e se afogar em solidão, você pode ter alguém e estar só. não sei se existe uma pessoa certa, também não sei se há probabilidade de existir, muito menos de não existir. o “amor” é um jogo de poker, todos estão blefando e todos estão dizendo a verdade, depende do ponto de vista, depende daquilo que quer acreditar. não é possível saber o que se passa dentro do coração das pessoas, amar alguém é uma insegurança constante, nada no outro está ao seu domínio, muito menos reconhecimento. afinal, não sabemos de nada.

e voce? acredita que existe uma pessoa certa para você?

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