Atualizações, Autorais

Autorias: Noventa dias, por Rafaela Donadone

Oi Pai, Tudo bom?

Você sabe que nossas cartas sempre foram uma coisa nossa. Ninguém mais sabia. A partir do momento que eu mostrei (e postei) a primeira delas, algumas pessoas  vieram me perguntar como eu estou. Não foi uma pergunta simples “como você está?”. Era mais como uma desconfiança, como se eu escrever sobre minha saudade pra você fosse um um pedido de ajuda oculto, como se eu não estivesse bem, sabe pai? Se você estivesse vivo, será que eu ia ser julgada por escrever pra você?

“Já se passou tanto tempo…”. Quem padronizou o tempo do luto? Quem criou essa linha arbitrária de até quantos dias meu luto é normal? Alguém mensurou a intensidade da minha dor ao longo dos anos? Não, ninguém fez isso, pai. Pesquisando um pouco sobre o luto me deparei com a informação que após noventa dias eu já teria uma vida normal. Sairia do “luto”.

Sabe pai, eu achei isso um insulto. Como em noventa dias, eu seria capaz de assimilar que nunca mais vou te ver? Como em noventa dias eu seria capaz de aceitar que nunca mais vou ouvir sua voz? Como em noventa dias eu seria capaz de me acostumar a não sentir seu cheiro? Já se passaram nove anos e eu ainda não consegui nada disso. E acredito que se passarão noventa anos e eu ainda vou ter você dentro de mim.

Noventa dias é o prazo. Ninguém criou esse prazo pra quem está sofrendo, porque na verdade, o luto de perder alguém que se ama nunca passa, ele apenas muda de forma. Meu luto era carregado de lágrimas diárias e desespero, passou por uma longa fase de lágrimas silenciosas e apáticas, hoje ele é um pouco mais saudoso, e amanhã quem sabe como ele vai ser? A única certeza que eu tenho é que ele continuará existindo. Acredito que as pessoas criaram esse tempo quantificável para que elas possam voltar ao normal. Para que depois de noventa dias eles possam falar sobre outros assuntos sem se sentirem culpadas. Três meses é o tempo que as pessoas levam para esquecer algo que eu nunca esquecerei.

Ah, e sim, eu estou bem. Isto não é um pedido de ajuda velado. É só uma carta de uma filha saudosa  para um pai amado.

Saudades,

Sua filha.

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