Saber como escrever uma resenha de qualidade pode parecer um desafio, mas com as orientações certas, você pode dominar essa habilidade. Se você está começando, não se preocupe, estamos aqui para ajudar com um guia simples e direto, da forma como valorizamos as resenhas que escrevemos aqui no Beco Literário.
O primeiro passo para escrever uma resenha é escolher a obra que você deseja avaliar. Pode ser um livro, filme, restaurante, produto ou qualquer coisa que você tenha interesse em compartilhar suas opiniões. Certifique-se de estar bem familiarizado com a obra e ter uma compreensão sólida antes de começar a escrever.
Entendendo o Propósito da Resenha
Antes de começar, é essencial entender o propósito da sua resenha. Pergunte a si mesmo por que você está escrevendo. É para informar os leitores sobre a obra? Convencê-los a experimentá-la? Ou simplesmente expressar sua opinião? Ter clareza sobre o propósito ajudará a moldar a sua abordagem – aqui no Beco, valorizamos dois tipos de resenhas literárias: aquelas que chamamos de surto literário, feita de fãs para fãs em que expressamos os nossos sentimentos lendo aquela obra por meio do texto e aquelas mais robustas, feitas com o olhar da psicanálise sobre a obra.
Explorando a Obra
Antes de colocar as palavras no papel, é fundamental que você explore a obra em questão. Leia o livro, assista ao filme, jante no restaurante, use o produto, ou experimente o que for necessário para ter uma compreensão profunda. Anote as suas primeiras impressões, o que você gostou e o que não gostou.
Estruturando sua Resenha
Uma resenha típica tem três partes principais: introdução, corpo e conclusão. Na introdução, apresente a obra, fornecendo informações básicas, como título, autor (ou diretor/criador) e contexto. No corpo, discuta os aspectos específicos da obra, como enredo, personagens, estilo, pontos fortes e pontos fracos. Na conclusão, resuma a sua opinião geral e forneça uma recomendação, se apropriado.
Seja Crítico, mas Justo
Ao escrever uma resenha, seja crítico, mas lembre-se de que a crítica construtiva é mais valiosa do que críticas puramente negativas. Explique por que você gostou ou não gostou da obra, fornecendo exemplos concretos. Seja honesto, mas também justo em sua avaliação. É importante ressaltar quando algo não te agrada e justificar o porquê: não é o seu tipo de obra? Te desencadeou algum gatilho? Isso faz com que leitores possam medir se, apesar de você não ter gostado, eles podem ter a capacidade de gostar.
Revisão e Edição
Depois de escrever a sua resenha, revise e edite cuidadosamente. Verifique a gramática, ortografia e clareza. Certifique-se de que a sua resenha flua de forma lógica e coesa.
Escrever uma resenha é uma habilidade valiosa que pode ser útil em muitos aspectos da vida, desde a escola até o trabalho e o lazer. Com prática e seguindo este guia, você estará no caminho certo para se tornar um resenhista habilidoso e informado. Agora, mãos à obra e compartilhe suas opiniões com o mundo – e caso queira compartilhar a sua aqui no Beco, manda um e-mail pra gente em [email protected].
Vou iniciar essa resenha dizendo que ela vai ser complicada de escrever. Talvez você deva conversar com alguém é um livro complexo, emocional e feito para ser sentido e por isso, nesse texto, quero me atentar mais a descrever o que ele me fez sentir, as feridas que ele abriu e menos a história, porque na verdade, ela não é tão relevante assim para o bom andamento. O que conta é a história que ele cria com a gente.
Talvez você deva conversar com alguém é um livro que fala de Lori, a escritora. Ela é terapeuta. Logo de início, começamos a conhecer alguns de seus pacientes pela ótica dela e o que ela sente enquanto está os atendendo. Para quem faz terapia, é como ver o outro lado da moeda. Vemos Lori tentando compreender o que o paciente está falando, tentando ter empatia, tentando separar e afastar aquilo que é seu e o que não é… Um grande trabalho, que requer muita concentração. Ao mesmo tempo, Lori também é paciente de outro terapeuta, o Wendell. E nesse ponto, conhecemos as questões que ela tem e que ela trabalha em sua análise.
O livro permeia por mais de quatrocentas páginas dessa forma. Lori vendo seus pacientes semanalmente, com suas idas e vindas, e indo para Wendell, tratar suas próprias questões. Para quem é adepto da análise, Talvez você deva conversar com alguém é um prato cheio. Enquanto Lori ouve seus pacientes, nós nos encontramos nele e nas intervenções que ela dá. Eles parecem um pouco nossos pacientes também (ou talvez só me pareça isso porque sou psicanalista), ao mesmo tempo em que nos sentimos um pouco eles, um pouco elas. Será que é por isso que o subtítulo consta “uma terapeuta, a terapeuta dela e a vida de todos nós”? Provavelmente sim. É um livro que mais parece um espelho.
Dividido em quatro partes, vamos avançando. Vemos pacientes melhorarem, evoluírem, regredirem, viverem, morrerem, desistirem da terapia, começarem um processo analítico… Ao mesmo tempo em que vemos Lori como o ser humano além da analista. Vemos ela colocando de lado seus próprios sentimentos para ajudar a desatar os nós dos seus pacientes, enquanto vemos ela desatando seus nós com seu terapeuta depois. É um livro que, entre frase e outra, nos traz uma avalanche de autorreflexão e autoconhecimento. Essa é a terceira postagem que faço dele aqui no Beco, já fiz outras duas só de frases. Eu tenho certeza que grifei quase o livro todo e ainda levei algumas passagens para a minha terapia.
Em Talvez você deva conversar com alguém, sentimos a necessidade de conversar e de nos salientar como seres humanos enquanto seres relacionais. Nós sentimos vontade de conversar com alguém. De falar, de escutar e de ouvir e ser ouvido. É um livro que vai ressoar de formas diferentes em cada pessoa, tratando de assuntos como compulsão à repetição, traumas, morte, vida, luto, luto em vida, mudanças… Como Wendell diz em uma passagem, a tendência da vida é de mudar e a nossa é de resistir a mudança. Eu daria todo o céu de estrelas para esse livro porque cinco não são suficientes.
Sinopse:Quando um coelho vidente prevê a destruição da toca onde vive, ele se une a seus amigos para achar uma nova casa. No caminho rumo à mítica colina de Watership Down, enfrentam rivais e armadilhas. Mas, mesmo depois de chegarem e, teoricamente, encontrarem um lugar seguro para viver, precisarão lutar para salvar a colônia vizinha e repopular a própria comunidade. Em busca de Watership Down fala de dominação e opressão, de fascismo e utopia, de mitologia e delírio coletivo, de sentimento de comunidade e de loucura. No Reino Unido, ocupa o segundo lugar entre os juvenis de fantasia mais vendidos do século XX, atrás apenas da saga Harry Potter.
Se alguém te recomendasse uma história sobre coelhos, o que você pensaria?
Bom, eu não pensei muita coisa. Fui rapidamente convencido pela beleza da capa, pela sinopse instigante e pela pequena citação de George R.R. Martin logo abaixo do nome do autor: “Uma das melhores fantasias do século XX”.
Como quase sempre, eu tenho de concordar com Martin.
Afinal, “Em Busca de Watership Down” é sim é uma história sobre um grupo de coelhos que começa uma jornada em busca de uma vida melhor. Mas falar isso é apenas abordar sua superfície.
O livro, originalmente publicado em 1972, foi escrito pelo inglês Richard Adams, em resposta ao desejo de suas filhas, que adoravam ouvir suas histórias antes de dormir e durante longas viagens de carro, e queriam uma versão impressa da narrativa.
Tendo como base suas experiências de vida e as pessoas que conheceu ao longo do caminho, o livro de Adams passa longe de ser uma história exclusivamente infantil, trazendo uma narrativa épica, abordando temas como heroísmo, exílio, abuso de poder, religião, amizade e guerra.
Tudo começa quando pequeno coelho, Quinto, relata sua visão para seu companheiro, Avelã, afirmando que o viveiro onde vivem será destruído: em sua premonição, os humanos destruirão toda a região, matando todos os coelhos dali no processo.
Avelã, já revelando seu instinto para liderança, decide migrar para se estabelecer em algum outro lugar, e tenta convencer a maior parte da comunidade em os acompanhar. Sem sucesso, ele decide partir na companhia de um pequeno grupo, dando início a uma longa viagem em busca de construir um novo viveiro.
Seguindo a visão de Quinto, a colina paradisíaca de Watership Down é sua terra prometida: um lugar farto de alimentos e seguro contra inimigos, onde uma nova comunidade de coelhos poderá se expandir. Mas o caminho é cheio de ameaças e armadilhas. O mundo selvagem é um lugar duro para os coelhos, que precisam se superar e contar uns com os outros para permanecer vivos.
O autor, Richard Adams
Profunda, bela e envolve, ainda que tenha cenas tensas e violentas, a obra de Adams fala muito sobre nossa realidade. Desde temas simples como companheirismo e liderança, até ideias complexas de sociedade, fé, destruição humana, manipulação de massas e regimes ditatoriais, a obra consegue estabelecer um equilíbrio perfeito entre um conto de fadas e uma narrativa épica sobre êxodo.
Adams se utiliza de regras bastante particulares, estabelecendo uma cultura única e plausível para seus personagens, ao mesmo tempo que aborda com intensa as emoções humanas e cria uma aventura sem igual.
Depois de um estrondoso sucesso mundo a fora, a história já foi adaptada para uma série de animação em 1978, se firmando como um clássico do século e, recentemente, ganhou uma versão 3D produzida pela Netflix.
Ainda que seja uma história de coelhos, “Em Busca de Watership Down” é absolutamente humana e, despretensiosamente, consegue o que muitas histórias tentam, mas que pouquíssimas conseguem fazer: encantar crianças, jovens e adultos.
Em Busca de Watership, 2018
Ficha Técnica:
• Capa dura: 464 páginas
• Editora: Planeta; Edição: 1 (1 de agosto de 2017)
• Idioma: Português
• Autor: Richard Adams
• Tradução: Rogério Galindo
• ISBN-10: 8542210964
• ISBN-13: 978-8542210965
• Dimensões: 23,4 x 15,8 x 2,8 cm
Quando pegar “Todos Nós Vemos Estrelas”, para ler, tenha em mente que você não irá larga-lo enquanto não acabar. Esse é o primeiro ponto positivo, afinal, por ser um conto, conseguimos terminar a leitura rapidamente. Mas também é um ponto negativo, pois nos deixa querendo mais. Muito mais.
Inclusive, “Estrelas” são como duas histórias em uma. É quase como ler um cross-over entre dois mundos que acabamos de ser apresentados. Começamos conhecendo a história de Lisa, uma adolescente com alguns problemas sociais, que prefere a companhia dos livros ao invés de sair para curtir com seus amigos – vamos combinar que uma maratona literária ás vezes é muito melhor que sair mesmo. Lisa vive com seu pai e sua madrasta, Tatiana, que aparentemente é bem chatinha, mas acredite, ela te conquista. E meio que obrigada, Lisa participa de um amigo secreto com sua turma de escola, mas óbvio que com segundas intenção: a moça tem o desejo de poder se aproximar de Heloísa, sua crush, através da brincadeira. Por um acaso do destino, a situação se inverte, e Lisa não tira Heloísa, mas sim o contrário. Presenteada com um diário, a nossa história se inicia justamente aí: este diário podemos resumir em um Death Note do bem. Sim, o que escrevemos realmente acontece.
Enquanto isso, somos apresentados a Lucien, príncipe de Trinitam, um reino que controla os elementos da terra e do ar. Lucien é personagem da saga de livros “A Glória do Traidor – que existe apenas dentro do conto (por enquanto, esperamos) – e suas terras fazem fronteiras com Vormiam e Démores, que controlam os elementos químicos e metálicos e do fogo, água e destino respectivamente. Eis que somos apresentados ao príncipe enquanto ele está em fuga, por ter surrupiado um poderoso artefato que pode pôr fim ao tratado de paz entre os três reinos. O rapaz, que na verdade não passa de um adolescente, é o herói favorito de Lisa e é trazido para os tempos atuais após ela desejar estar na companhia de seu personagem predileto. Então apesar de estar fugindo de dois exércitos e estar prestes a iniciar uma batalha épica e acabar com a paz em Trinitam, Lucien é inexplicavelmente transportado para São Paulo.
Se aprofundar na chegada do príncipe e o desenrolar de sua estadia no Reino de Santana (São Paulo) seria estragar a experiência de leitura para quem ainda não teve a oportunidade de ler, mas alguns pontos que precisam ser ressaltados: a amizade construída entre Lucien e Lisa e o fato dos capítulos alternarem os pontos de vistas nos dão uma visão muito completa sobre o que passa na mente e no coração de ambos. É como fazer parte dela. Ambos acrescentam muito na vida um do outro: seja a garota dando um choque de realidade no príncipe ou ele ensinando o valor que temos e o quanto podemos oferecer ao próximo. Afinal, todos nós vemos estrelas, mas nem todos se lembram de olhar para o céu. Lucien tem uma humanidade dentro de si, uma inocência que soa natural e é apenas lindo acompanhar o seu desenvolvimento. “Todos Nós Vemos Estrelas” nos embarca em uma jornada de autoconhecimento e reflexão que é muito pouco visto em outras obras de fantasia e é isso que mais encanta após o término da leitura.
“Estrelas”, como eu particularmente chamo, está disponível para leitura dentro do programa Kindle Unlimited da Amazon, em que você paga a assinatura de R$19,90 e pode ler uma vasta biblioteca de livros em qualquer dispositivo – pode ser um Kindle, celular ou tablet. Para quem não é assinante, o conto está disponível por apenas R$2,90, basta clicar aqui.
O conto é escrito por Larissa Siriani, booktuber que você pode conhecer clicando aqui. Inclusive, ela acabou de lançar o livro “O Amante da Princesa” pela Verus Editora – teremos resenha logo mais – e vale lembrar: terá sessão de autógrafo no próximo dia 09 de junho em Campinas, no Shopping Dom Pedro e dia 10 de junho no Shopping Pátio Paulista, em São Paulo. Leo Oliveira já apareceu vez ou outra aqui no Beco através dos vídeos de seu canal, Um Leitor A Mais – acabou de lançar vídeo falando sobre o recém lançado Tempestade de Guerra, de Victoria Aveyard (recomendadíssimo).
Prisioneiras é o terceiro livro de uma trilogia de livros de Drauzio Varella com histórias vividas em prisões – Estação Carandiru e Carcereiros. Desta vez, o médico se aprofunda nas histórias das detentas da Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo. O fato de já ter trabalhado 30 anos em diversas penitenciárias fez que Drauzio desenvolvesse um olhar diferenciado para presos, funcionários e pessoas envolvidas em todo este processo. A habilidade de ver que ali existem vidas, sonhos, problemas de cotidiano e emoções que muitas vezes são ignoradas, até mesmo por eles mesmos.
Após uma apresentação bastante detalhada sobre os ambientes onde as vidas daquelas mulheres se desenrolam, os primeiros casos começam a ser narrados, como o dia de primeiro atendimento na penitenciária. É neste momento que fica mais explícito as diferenças deste para os outros dois livros da trilogia.
Mulheres, quando encarceradas, são esquecidas não apenas da sociedade, mas também por aqueles que a cercavam antes. Famílias, cônjuges, filhos e amigos raramente as visitam ou mantem algum tipo de contato, diferente do que acontece com homens na mesma situação. Conforme Varella diz no livro, a expectativa da sociedade é de ver as mulheres em seus devidos lugares, ‘recatadas e do lar’, e ser presa é algo que envergonha um marido ou um filho.
Prisioneiras vai te fazer repensar atitudes bem simples do seu dia. Te ajudar a enxergar melhor ao próximo. O trabalho desenvolvido por Drauzio Varella com esta parcela esquecida por todos é algo muito tocante. A sociedade tem muito a aprender com essas histórias, onde até mesmo aqui o preconceito sexual que existe no Brasil é escancarado. Uma leitura que nos faz mergulhar em um universo que parece estar diferente da nossa realidade, mas que no real, está bem próxima, já que podemos aplicar os ensinamentos em qualquer ambiente que estamos inseridos.
Heróis Urbanos é uma coletânea de contos policiais, publicado pela editora Rocco Jovens Leitores no final de 2016. A proposta é simples: sete histórias que transcrevessem a visão de cada autor sobre heróis comuns. Essa visão pode variar para cada indivíduo. Para alguns podem ser aqueles que preferem agir usando as próprias mãos, alguém que vence na vida ou até mesmo uma louca paixão que te faz encobrir até crimes da pessoa amada. A visão de herói é subjetiva e não uma visão única. A seleção de autores foi muito bem-feita (temos até um conto maravilhoso do Rubem Fonseca). Vamos falar um pouco sobre cada um dos autores e dos contos trazidos, mas tomando o maior cuidado para não estragar a surpresa daqueles que ainda não leram o livro.
Raphael Montes é sem dúvidas o queridinho do Beco Literário. Posso afirmar que é o principal nome da literatura nacional contemporânea – Dias Perfeitos foi traduzido para 18 idiomas, Suicidas se prepara para estrear no cinema e Jantar Perfeito lançado no ano passado já é um best-seller. Foi uma escolha muito boa começar o livro com o conto de “Volnei”, que na realidade não é narrado por ele, mas sim por sua esposa. A história mescla a descoberta de uma traição aliada com um monstro serial-killer que assombra a vizinhança em que tudo se desenrola, o monstro do cadarço. Ao decorrer das páginas, logo notamos que a mulher está prestando depoimento para a polícia e contando sua versão dos fatos, onde somos expostos a um senso de vingança, justiça e ações motivadas pelo o ódio e até onde podemos ir quando estamos cegos de paixão. Como já é tradicional do autor, o final é chocante e inesperado. Nota 5/5.
Luisa Geisler é duas vezes vencedora do Prêmio Sesc De Literatura e finalista do Prêmio Jabuti. Os livros que conquistaram tal façanha foram Contos de Mentira e Quiça, de 2010 e 2011 respectivamente. Seu último lançamento, Luzes de emergência se acenderão automaticamente demonstra expertise de Luisa em contar histórias sem revelar todo seu enredo de forma direta, fazendo isso de uma forma totalmente gradual. Em seu conto publicado em Heróis Urbanos, “Material Escolar”, esta prática de linguagem fica bem evidente. O conto Material Escolar é aquele com o que mais me identifiquei (não que eu seja um criminoso, longe disso), mas por alguns aspectos da personagem principal, Carol. O conto é uma mistura de depoimentos de outras pessoas falando sobre a protagonista, uma transcrição de entrevista com uma psicóloga e cartas de recomendações. Tudo isso amarrado de uma forma coerente. É difícil chegar ao meio do conto sem perceber o que está rolando. Mas talvez seja o objetivo não entregar tudo no final e sim no meio. Carol é uma estudante esforçada, bolsista em uma das mais respeitáveis escolas do Rio de Janeiro, mas aparentemente, a garota esforçada não é ingênua, e sabe o que fazer com o conhecimento que consegue adquirir com tanta facilidade. Vale dizer: a história dela me lembrou muito a Regina George, de Meninas Malvadas. Nota 5/5.
Rubem Fonseca é um autor multifacetado. Suas publicações são sempre rápidas, direta, mas de ainda assim consegue ser sutil. É o responsável pelo livro Mandrake, que originou a série de mesmo nome da HBO. Fonseca traz aqui o conto “Passeio Diurno”, mais curto de todos na compilação. Além disso, é o que leva o tema “Heróis Urbanos” mais à risca. Conta a história de um garoto, que como muitos, cresceu sem pai e tendo que ajudar a família com pequenos trabalhos por aí. Sempre em cima de sua bicicleta, ele se torna um justiceiro da cidade, combatendo crimes e evitando assaltos em duas rodas. Nota 4/5.
Natércia Pontes teve seu primeiro livro de contos publicado em 2003, Copacabana Dreams, que conta suas impressões e histórias de quando morava no tradicional livro carioca. Não conhecia seu trabalho até então, e infelizmente, a primeira impressão não foi como eu esperava. Entenda bem: é o quarto conto do livro até então, e viemos de uma sucessão de contos muito bem feitos e deixam aquele gostinho de quero mais. Mas, “História Lacrimogênia de Jamile” quebrou essa vibe. O conto fala de uma órfã que foge do Nordeste para São Paulo e consegue mudar de vida. Mas, é muito fácil se perder nessa virada de vida, assim como o interesse na história. Nota: 2/5.
Letícia Wierzchowski, romancista com mais de 16 livros já publicados (o mais recente, Travessia terá resenha aqui no Beco nas próximas semanas). É autora do grande sucesso A Casa das Setes Mulheres, publicado em 2002 e adaptado em forma de minissérie pela Rede Globo. Aqui, temos a mais leve das histórias, “Seu Amor de Volta em Três Dias”. Aqui, o herói é um pai desempregado que precisa cuidar da filha, e para isso, aplica um golpe como pai de santo capaz de trazer amores perdidos. Mas não basta prometer, afinal, é preciso fazer acontecer para poder receber. Os métodos podem ser questionáveis, mas o resultado é bem-sucedido. A história é gostosa e até engraçada, e me lembrou bastante o personagem Pai Helinho, da saudosa novela “Da Cor do Pecado”. Nota 5/5.
Cecília Giannetti é escritora de diversos contos, publicados em livros, jornais, revistas e já atuou como colaboradora de seriados de tv e novelas, como Afinal, o Que Querem As Mulheres e Sete Vidas. Trazendo aqui “Besouro Azul Entre o Bem e o Mal”, nos aventuramos com uma jovem em busca do irmão perdido no Rio de Janeiro. Ela marca um encontro com um detetive que conheceu através da internet. O irmão, que resolveu sair por aí para combater o crime nos lembra o personagem do conto “Passeio Diurno”. Até agora me pergunto se é o mesmo. Mas aqui o mistério te envolve e te faz querer saber o que se passou com o rapaz. Nota 4/5.
Emiliano Urbim fecha o livro com chave de ouro. Antes, deixe eu explicar: não encontrei muitas informações do autor por aí para apresenta-lo para vocês; talvez seja este seu primeiro conto publicado? Bom, isso não importa. “Da Gravidade e Outras Leis” nos traz de volta aos tempos de colégio, quando éramos rotulados por alguma característica e isso nos acompanhava o resto da vida. Mas todos temos a intenção de mudar de postura no ano seguinte e assumiu uma nova identidade, correto? Pois muito que bem, nosso herói aqui tem essa intenção, mas as coisas não dão muito certo e ele se contenta em mais um ano na mesmice. Até que, por um acaso, ou, por estar no lugar e hora certos, ele passa a ser o herói da cidade, respeitado e querido por todos. A história tem muito de nós nele, entende? Problemas que todos tivemos um dia, a vontade de crescer, de ser melhor do que realmente somos. Eu ao menos, me identifiquei bastante. Nota 5/5.
Bom, se formos fazer uma média estelar dos contos, terminamos o livro com uma nota 4 de 5. Para quem não conhece autores nacionais e quer se aventurar por histórias que se passem aqui, “Heróis Urbanos” é a recomendação perfeita. A partir daqui você conhece 7 autores diferentes, com modos muito diferentes um do outro, e depois, é só buscar outros livros ou contos que ele tenha escrito. Eu nunca havia lido nada de Letícia Wierzchowski, por exemplo, e após ler seu conto, comprei dois livros seus que me despertaram interesse.
Flores não crescem do nada – ou crescem? Para Eleanor, era o mistério que não conseguia responder: qual era o truque daquele jardineiro contratado para cuidar da estufa em sua casa e que transformara o lugar em uma floresta imaginária. Sebastian, o tal estranho, parece um homem como qualquer outro – exceto pelas perguntas desconcertantes que faz, ou pelo fato de que as plantas obedecem seus comandos de maneira muito intrigante…
Já pela sinopse a noveleta A Casa de Vidro da autora Anna Fagundes Martinoconsegue ser enigmática, interessante e diferente dos livros de fantasia atuais.
Imagem: Dame Blanche, Marina Avila
Lançado ano passado pela editora Dame Blanche, e disponível para download gratuito, a noveleta deixa bem claro o objetivo da editora, que é lançar publicações do gênero especulativo, mas de uma maneira inovadora e que não fique presa as velhas formas e clichês; o que foi um alívio para mim, uma leitora ávida de fantasia, mas que estava um pouco decepcionada com o gênero, que vem se apoiando em narrativas pouco originais e muito parecidas umas com as outras. A edição é caprichada e a maravilhosa capa de Marina Avila já dá o tom mágico dessa história encantadora, mas ainda assim agridoce (sim, preparem-se para chorar e se emocionar)!
Imagem: Dame Blanche
ATENÇÃO ALGUNS SPOILERS ABAIXO
Imagem: Dame Blanche
A Casa de Vidropossui uma narrativa poética e muitas vezes onírica, uma escolha mais que inteligente para abordar uma mitologia que lida exatamente com um mundo fantástico que vive entre a realidade e o sonho: o Povo das Fadas e seus seres feéricos. O enredo segue a protagonista Eleanor, uma senhora inglesa que em 1910 recebe uma inesperada visita em sua outrora belíssima casa de vidro: uma jovem chamada Stella, com a estranha habilidade de fazer as flores obedecerem aos seus comandos; a mesma habilidade que o seu amor do passado tinha.
É quando a narrativa volta para o ano de 1868, e na era vitoriana conhecemos a jovem Eleanor que vive em uma belíssima casa de vidro, com uma estufa e jardim maravilhosos, construída apenas para saciar os caprichos de seu pai, Aurelius (a casa é inspirada no Palácio de Cristal de Hyde Park). Eleanor vive como uma princesa aprisionada em um castelo e que perdeu a mãe muito jovem. O falecimento de sua mãe pôs a casa em luto e ela mesma; e, seguindo as convenções da época estava obrigada a usar roupas escuras, um véu negro e ficar dentro de casa. Essa última, Eleanor não obedecia, e preferia sofrer o seu luto no jardim e na estufa que lembravam a sua mãe. Ainda mais que desde que o misterioso novo jardineiro apareceu o jardim voltou a florescer, sendo o contraste belo com a frieza da casa de vidro, trazendo ainda mais lembranças de sua mãe; além de ser um bom refúgio das sufocantes obrigações sociais que uma dama vitoriana tinha que exercer.
“E Eleanor descobriu, para sua raiva, que também era vista da mesma forma. Uma menina tola em seu castelo de vidro, vivendo de tempo emprestado até que um homem, de algum lugar, de algum círculo acima de suas cabeças, viesse e lhe colocasse nos eixos. Alguém que ela não conhecia, contra quem não poderia argumentar, que um dia teria autoridade sobre ela — e que ela teria que carregar como sua mãe carregara Aurelius: em silêncio, o vaso decorado que sustenta a planta.”
O misterioso jardineiro se chamava Sebastian, um homem sem origem conhecida e que parecia não conhecer ou se importar em seguir os costumes e as regras sociais vitorianas, possuindo uma língua ferina que fazia perguntas incisivas e consideradas inapropriadas. Os empregados da casa fofocavam ao redor sobre quem era Sebastian: seria ele do Oriente? Ou era um cigano, ou será que ele era um demônio?! Porém, todos concordavam que desde que ele chegou, a estufa e o jardim voltou a florescer com belíssimas flores. Mas é aí que estava: como floresceu tão rápido? E como a cada dia parecia que mais e mais flores surgiam e com mais cores que antes? Esse era um mistério que intrigava ainda mais Eleanor, que começou a se aproximar de Sebastian para descobrir quem ou o que ele era.
“— Regras demais. Esse mundo de vocês tem regras demais. Como vocês dão conta de lembrar de tudo?”
É assim que Eleanor adentra no mundo mágico e belo dos seres feéricos, e conhece o seu primeiro amor. O enredo vai e volta cronologicamente, indo do passado para o presente e para o futuro; com a jovem e insegura Eleanor em 1868 se apaixonando por Sebastian e conhecendo o mundo onírico e fantasioso das fadas, e em 1910 com a Eleanor adulta e sábia, revendo sua filha Stella e relembrando sobre o seu passado com Sebastian e que era quase como um sonho (o que muitas vezes era mesmo). E uma passagem em 1919, que não darei mais detalhes, pois seria um enorme spoiler!
Anna Fagundes Martino escolheu utilizar a terceira pessoa no passado, para dar um caráter mais de contos de fadas em sua narrativa, e focado em sua personagem principal Eleanor. Então vamos descobrindo aos poucos o que Sebastian é e a mitologia das fadas junto com ela. Como eu disse, a escrita da Anna é poética dando um ar lúdico e onírico, o que faz com que o leitor muitas vezes não saiba o que é real e o que é sonho, assim como a própria Eleanor.
“Em seus sonhos, o dossel de sua cama era uma floresta, glicínias e orquídeas pendendo do teto em cortinas coloridas; os lençóis eram feitos de grama alta e azevinhos pontiagudos, lhe arranhando a pele a ponto de tirar sangue. E em seus delírios, podia jurar que as manchas cor de safira lhe subiam pelas pernas, queimando, arrancando gritos de dor e rugidos dos pulmões carcomidos pelo inferno em seu sangue.”
A história de amor entre Eleanor e Sebastian é linda, doce e principalmente natural, sem as afetações ou clichês dos amores eternos, até porque aqui não está sendo contada a história de um amor eterno e sim de um primeiro amor. E esse é um dos principais pontos de A Casa de Vidro: é uma história de crescimento e de amadurecimento de uma jovem de dezessete anos da era vitoriana, despertando e questionando sua sexualidade e principalmente questionando o seu papel como mulher em uma sociedade patriarcal. O feminismo na narrativa de A Casa de Vidro é um dos pontos altos, e Anna Fagundes Martino soube utilizá-lo exatamente por não ser um discurso panfletário, usando temas feministas de acordo com a trama, e como uma forma de desenvolver a personagem Eleanor. Ela de uma jovem ingênua, insegura e assustada, se torna uma mulher sábia, segura de si e empoderada;, esse empoderamento, lógico, de acordo com o contexto da época.
“— Você disse que viu como humanos fazem filhos. Você viu o que acontece com as mulheres depois que as crianças nascem? Viu como as pessoas as tratam? Viu a humilhação que me espera?! Para o inferno com o seu imperativo!”
“— Gosto muito da minha própria companhia, Mark. Não preciso de plateia.”
Assim como toda trama, o sexo é narrado de forma doce, delicada e poética, mas surpreendentemente natural, e definitivamente é uma das passagens mais lindas da noveleta. No entanto, o que mais me encantou é a forma como a autora abordou a mitologia das fadas: como seres curiosos que transitam entre o seu mundo e o nosso com o intuito de conhecer e se relacionar com os humanos. Não são os seres maléficos das lendas mais antigas, nem as fadinhas cheias de bondade e mágica; são seres com uma profunda curiosidade pelo que é diferente e possuem uma forte ligação com a natureza, e por isso temem o futuro da humanidade. Esse temor vem do fato de que eles sabem que grandes guerras virão: A Primeira Guerra Mundial é sabiamente mencionada, dando um caráter de romance histórico para a noveleta de fantasia. A Guerra que em tese, daria um fim a todas as guerras, mudou complemente a humanidade e sua relação com o que era mágico. Veio o pessimismo moderno e mais uma Grande Guerra Mundial, e a relação da humanidade com a magia e as crenças pagãs foi cada vez mais afastada.
“Você vem me ver quando está dormindo. Todas as noites, você atravessa os sonhos e me encontra aqui. Sua voz não demonstra nenhum nojo, nenhum medo. E seus olhos me encaram como se… Me encaram como se me vissem, como se soubessem o tempo todo que eu sou eu!”
“Do alto de seus dezessete anos, Eleanor tivera medo do futuro que lhe fora apresentado de maneira tão explícita. E medo de desejá-lo na mesma medida de seu pânico, de querer saber como era permanecer dentro daquele abraço, de como seria deixar que aquele calor lhe consumisse até não restar nem mesmo cinzas.”
“— Falo porque humanos são cheios de promessas e declarações, e raramente as cumprem. Amor não é algo que exista por decreto. Nem mesmo entre gente da mesma matriz.”
A Casa de Vidro é um livro poético, agridoce, que conta a história de amadurecimento e a descoberta do primeiro amor em meio a fadas, sonhos e futuros terríveis ,mas que trarão a força necessária para os personagens e mudarão sua forma de enxergar o mundo. Anna Fagundes Martino é uma escritora primorosa que com certeza vou acompanhar, inclusive já estou com a continuação, Um Berço de Heras no kindle, e que também terá resenha aqui no Beco. E a Editora Dame Blanche com certeza é uma editora que devemos ficar de olho em seus lançamentos e suas grandes revelações da literatura fantástica brasileira.
“Tinham sido as plantas que o fizeram reviver depois do inferno. Uma coisa era imaginar, outra era ver: uma coisa era imaginar uma guerra ou uma fada, outra era saber que existiam. As duas revelações lhe foram brutais, mas ao atravessar a brutalidade ele encontrou algum tipo de existência.”
“— Pensam muito em como são fortes e esquecem que são feitos de vidro!
— Oh, Stella… Mas vidro pode ser bem forte!”
Hardwired… to Self-Destruct, décimo álbum de estúdio do Metallica, foi lançado em 18 de novembro de 2016.
Diversas publicações sobre música comentaram o lançamento. Compilo aqui um trecho de alguns de dez dos reviews. Tentei diversificar e selecionar opiniões de gente de “fora” do mundo do metal. Vamos lá.
Pitchfork
Como Death Magnetic, o último lançamento do Metallica é uma tentativa da banda de revisitar a sua primeira fase. A diferença é que desta vez eles realmente soam como se estivessem tentando e talvez até se divertindo um pouco.
Depois de descer o pau no Load e em todos os álbuns posteriores do Metallica, Zoe Camp, do Pitchfork, elege Hardwired… o melhor disco do Metallica desde o Black Album. Mas não pense que o crítico morreu de amores pelo novo trabalho da banda: a avaliação dele é 6.5/10.
NME
Nas quatro décadas desde a sua origem eles deram conta de transcender o tempo e manter os fãs conjeturando. E enquanto a proposta de Hardwired… não é muito diferente da do último disco da banda, o Metallica ainda se mantém importante e inovador. E ninguém mais no rock merece mais aplausos por isso do que eles.
A NME adorou Hardwired…: sua avaliação de 4/5.
Consequence of Sound
Haverá lugar para o Metallica além dos livros de história daqui a 20 anos? Pelo que podemos avaliar – considerando que a definição do gênero continua a se expandir para além do que era nos anos 1980s -o Metallica pode continuar em alta? Se Hardwired… puder nos servir de prognóstico, podemos responder que sim, mas não sem hesitar.
Sean Berry, do Consequence of Sound, gostou do álbum, apesar de admitir que ele não é perfeito. Compreensível, segundo Sean. É natural que um disco de oitenta minutos tenha momentos baixos.
Loudwire
Hardwired… To Self Destruct mostra o Metallica trabalhando no que eles fizeram em “Death Magnetic” em vez de começar com apenas um rabisco, enquanto encorporam elementos de álbuns como Kill ‘Em All, Master of Puppets e Load. O resultado é um álbum que soa familiar e confortável ao mesmo tempo que propulsa a banda adiante.
Chad Bowar, do Loudwired, também gostou do álbum, embora reconheça a sua inconsistência.
Por onde começar a ouvir Metallica?
Se você nunca ouviu a banda a fundo e não tem muita experiência com o metal, sugiro que comece pelo Black Album. É o disco mais fácil de digerir e soa bastante agradável. Quando ouvir o material restante da banda, talvez você torça o nariz para o disco mais comercial da banda, como muitos fãs fazem. De qualquer forma, se você decidir se aproveitar o som do Metallica, eu prometo uma experiência sônica bastante interessante.