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As diferenças entre sexualidade, gênero e sexo biológico
Atualizações, Sociedade

As diferenças entre sexualidade, gênero e sexo biológico

O campo da sexualidade no ser humano, e de qualquer outro ser vivo, é plural. Ao estudar Psicanálise, essa pluralidade se torna ainda mais evidente com todas as nuances que um ser humano pode apresentar. Sabemos que a Psicanálise é o saber do inconsciente e ele se dá na transferência, isto é, na interpretação, na particularidade de cada pessoa.

Por isso, é preciso que as pessoas entendam, cada vez mais, as diferenças básicas entre a orientação sexual (também chamada de sexualidade), a identidade de gênero, o sexo biológico e a expressão de gênero. Conceitos que se ligam, mas que se referem a coisas diferentes.

A orientação sexual (ou sexualidade)

Chamada por algumas pessoas de sexualidade, a orientação sexual diz respeito a vida afetivo-sexual de um determinado indivíduo. Em linhas gerais, ela diz por quem ele se apaixona.

É importante ressaltar que a orientação sexual jamais deve ser chamada de “opção sexual”, já que atualmente entende-se que ela não é uma escolha da pessoa, e sim algo que se desenvolve com ela. Algumas pessoas ainda debatem acerca do termo “orientação”, já que também, nenhum indivíduo é orientado a seguir determinado caminho na vida afetiva. Para fins unicamente didáticos, chamaremos aqui neste texto dessa forma.

Entre as principais orientações sexuais existentes, podemos destacar algumas:

– Heterossexual (ou heteroafetivo): indivíduo que sente atraído por alguém com a representação de gênero diferente da sua;

– Homossexual (ou homoafetivo): indivíduo que se sente atraído por alguém com a mesma representação de gênero que a sua;

– Bissexual: indivíduo que se sente atraído tanto por alguém com a representação de gênero diferente da sua, quanto por alguém com a mesma representação de gênero;

– Pansexual: indivíduo que se sente atraído por qualquer representação de gênero;

– Assexual: indivíduo que não se sente atraído sexualmente por outras pessoas.

Vale a pena ressaltar que tanto a homossexualidade, quanto qualquer outra orientação sexual não são considerados doenças ou desvios pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e sim, particularidades de cada ser humano. Qualquer terapia que diga ser de “reversão sexual” é proibida.

A identidade de gênero

A identidade de gênero diz respeito a como um determinado indivíduo se identifica culturalmente na sociedade em que esta inserido. Em linhas gerais, a identidade de gênero é como a pessoa se sente e como ela se identifica na sua cabeça. Essa identidade de gênero, pode ou não ser condizente com o seu sexo biológico e não tem relação alguma com a orientação sexual.

Entre as principais identidades de gênero, podemos destacar:

– Cisgênero: pessoa que se identifica com o gênero com a qual foi designada no nascimento. Esse grupo corresponde às pessoas que se identificam com os padrões culturais designados para seu sexo biológico. Ex.: Mulher cisgênero: indivíduo que nasceu com o sexo biológico feminino e se reconhece como tal na sociedade.

– Transgênero: pessoa que não se identifica com o gênero com o qual foi designado no nascimento. Corresponde às pessoas que não se identificam com os padrões culturais do seu sexo biológico e nesse caso, realizam a transição para o gênero com o qual melhor se identificam. Podem ou não passar por terapias hormonais de adequação de gênero e cirurgias de redesignação sexual. Ex.: Homem transgênero: indivíduo que nasceu com o sexo biológico feminino e não se reconhece como tal perante a sociedade, transicionando então, para o gênero masculino.

– Gênero fluido: pessoa cuja identificação oscila entre os gêneros. Há períodos em que se reconhece como gênero feminino e há períodos que se vê como do gênero masculino;

– Não-binário: indivíduo cuja identificação não se coloca como do gênero masculino ou feminino. Corresponde a um grupo com o gênero fora do padrão binário convencional. Há discussões no plano político e social, sobre os papéis designados e desempenhados pelo gênero masculino e pelo gênero feminino.

Além da identidade de gênero de um indivíduo, devemos considerar também a sua expressão de gênero, que são os modos pelos quais a pessoa exterioriza a sua identidade de gênero. Refere-se ao conjunto de vestimentas, acessórios, modos de se portar e outros. A expressão de gênero se refere ao papel em que um determinado gênero está designado a desempenhar no “status quo” de uma sociedade, já que os papéis de gênero e suas performances são construções da sociedade em que o ser humano está inserido.

Vale a pena ressaltar também, que segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), ser transgênero não é uma doença e isso deve ser retificado na Classificação Internacional de Doenças (CID) até 2022.

O sexo biológico

O sexo biológico, como o próprio nome sugere, se trata da condição biológica do indivíduo. Dentro de sexo biológico, destaca-se o sexo cromossômico, o sexo de genitais internos e o sexo de genitais externos.

O sexo biológico cromossômico diz sobre os cromossomos que aquela pessoa possui, seu código genético. O sexo biológico de genitais internos e externos se refere aos órgãos sexuais, internos (próstata em homens, útero em mulheres, por exemplo) e externos (pênis em homens, vagina em mulheres, por exemplo).

Em todos os casos, eles podem coincidir, isto é, um ser do sexo biológico masculino pode ter cromossomos, órgãos sexuais internos e externos condizentes com o sexo masculino, por exemplo, ou diferir, como é o caso das pessoas intersexuais que nascem com características físicas e/ou hormonais de sexos biológicos distintos.

O sexo biológico, além das suas subdivisões, pode ou não coincidir com a identidade e expressão de gênero do indivíduo, conforme explicamos no tópico anterior.

Considerações finais e conclusão

Observando a sexualidade humana sob esses três itens, já é possível confirmar aquilo que afirmamos no início do texto: ela é plural, tanto no nível psíquico, quanto no nível biológico e no afetivo-sexual.

É importante que saibamos respeitar cada particularidade e cada realidade, de uma forma em que todos os indivíduos alcancem a devida equidade dentro da sociedade em que estão inseridos. O ser humano não cabe numa caixinha, assim como suas particularidades. Devemos entender e interpretar cada uma delas de forma única, de modo a alcançar cada vez mais uma melhor convivência e aceitação de parcelas que hoje são tão marginalizadas só por serem minorias.

A obsessão na moda do coaching
Atualizações, Sociedade

A obsessão na moda do “coaching”

De alguns anos para cá, o termo coaching saiu do completo anonimato para estar na boca da maior parte dos brasileiros. Antes, a palavrinha que se referia apenas a treinadores de futebol ou de esportes no geral ganhou um sentido mais amplo, em várias áreas do conhecimento. Em números, a atividade cresceu aproximadamente 300% no Brasil em quatro anos, segundo a International Coaching Federation (ICF), e o número de brasileiros com formação na área passou de sete mil em 2012 para 25 mil em 2015. E a previsão é que estes números aumentem ainda mais.

O que é “coaching”?

Para entender a amplitude do termo, é preciso voltar um pouco na história. A palavra, no Brasil, foi importada dos Estados Unidos e remete a um treinador. Em tradução livre, o coach é um treinador, um mentor. Apesar de, na nossa cabeça, provavelmente o coach ser aquele de esportes, conforme mencionado no início do texto, a palavra surgiu na educação, nas universidades inglesas dos séculos XVII e XVIII, frequentadas pela nobreza britânica. Nessa época, os alunos iam para aulas de “coach”, conduzidas por um “coacher”.

No Brasil, segundo registros, no início da década de 1990, com o advento do empreendedorismo, os empresários em ascensão começaram a demandar que seus funcionários estivessem treinados em algumas habilidades, como comunicação, gestão de tempo, produtividade, inteligência emocional e resiliência, por exemplo, palavras muito comuns nesse universo. Com isso, surfando nessa maré de ascensão do empreendedorismo, outros empresários passaram a fundar institutos que ajudavam outros empreendedores a treinarem seus funcionários. Nasceu então, o “coaching”.

No entanto, apesar dessa breve história, o termo ainda é muito amplo, ainda mais em 2020, com tantos coaches quânticos, coaches de emagrecimento, coaches de projetos, coaches de empresas…. Tem coach pra tudo! Segundo a Association for Coaching, a palavra significa “um processo sistemático colaborativo, focado na solução, orientado para resultados, no qual o “coach” facilita o aumento do desempenho do trabalho, da experiência de vida, do aprendizado auto direcionado e do crescimento pessoal do cliente”. Em linhas gerais, o treinador lança mão de técnicas para ajudar o seu aluno a desenvolver algumas habilidades.

Onde a obsessão entra nesse trabalho?

Só por definição, o trabalho de “coaching” parece muito bonito. Funcionários treinados, com técnicas desenvolvidas exclusivamente para ele. Empresas no auge, faturando muito. Será que é assim também na prática?

A profissão de “coach”, no Brasil, não é regulamentada. O número informado no início do texto, de 25 mil coaches compreende perfis bem variados de profissionais. Há pessoas com milhares de cursos, formações, horas de experiências, especializações e há pessoas que fazem um curso de cinco horas e saem sendo “coaches” e é nesse ponto que mora o perigo. Se ele tivesse ficado restrito ao ambiente empresarial, para onde foi criado, tudo ainda sim poderia estar nos conformes. Há profissionais bons e ruins em todas as áreas. O problema está na parcela desses 25 mil que fogem às normas e acabam por causar mais prejuízo às pessoas que benefício, manchando todo o nome de uma categoria.

É possível hoje em dia, ver coaches de emoção, de sentimentos, de ansiedade, emagrecimento, ciência quântica…. E onde estão os embasamentos teóricos ou científicos dessas práticas? Eu te respondo: no achismo. Dizer que é só você respirar e contar até cinco para acalmar sua ansiedade pode funcionar para muitas pessoas, mas não é uma regra geral. E tem “coach” que vai te dizer que é sua crença limitante que te impede de fazer com que isso funcione. O processo, em vez de ajudar ou de se adequar a cada particularidade, muitas vezes simplesmente culpabiliza a vítima.

E é nesse ponto, nestes “profissionais”, que encontramos o comportamento obsessivo-compulsivo. Há um aprisionamento muito grande nas obstinações teóricas, nas repetições, nos atos compulsivos que não se encaixam com a subjetividade de cada indivíduo. O trabalho que deveria ser pessoal, como um treinador se adaptando a cada um da sua equipe, acaba por se tornar um negócio massivo com regras que fogem a qualquer princípio de realidade. Ainda há, neste comportamento, um alto índice de animismo. Tudo para esses “profissionais” tem uma alma. “Você só está a um pensamento positivo de atingir tudo o que deseja para a sua vida”, eles dizem.

Não é errado ter crenças, querer pensar de forma positiva de vez em quando, torcer para as coisas darem certo. Mas é preciso que vejamos que cada pessoa é única, cada pessoa tem a sua subjetividade. As pessoas têm classes sociais diferentes, formações pessoais e profissionais distintas e uns tem mais possibilidades de acesso a lugares que outros.

Imagina só, você pega uma criança que não teve acesso aos estudos porque tinha que trabalhar com os pais para comer no final do dia e diz para ela que ela só precisa pensar positivo para alcançar o mesmo resultado no vestibular que uma criança que passa doze horas do seu dia na escola particular no ar condicionado? Me parece covardia.

Generalização e consequências

Não podemos generalizar o profissional “coach”. Existem pessoas que realmente se empenham em ajudar outras pessoas. Elas se especializam, aprendem com os acertos e erros de sua própria vida e adequam suas metodologias para cada pessoa que vá usufruir do seu treinamento. No entanto, infelizmente, elas têm se tornado raridade no Brasil. Cada vez mais é comum vermos pessoas que se formaram no curso de um final de semana causando danos permanentes a psique dos seus clientes. A pessoa entra para ser treinada, para melhorar, e sai obstinada, com crises de pânico, níveis alarmantes de ansiedade e estresse nas alturas porque acredita não estar com seu pensamento positivo o suficiente.

Não há uma fórmula mágica para lidar com pessoas. Cada ser humano é único e sua saúde mental não é um brinquedo. No século XXI, que estamos vivendo, cada vez mais vemos pessoas estressadas, ansiosas e preocupadas com o futuro. Os comportamentos compulsivos e obsessivos estão cada vez mais normalizados, sobretudo no ambiente corporativo. Os exemplos nas redes sociais são produtivos, lindos e te dizem o que você precisa fazer, só não te dizem que aquela não é a vida real. Um recorte da vida de alguém não é a vida dessa pessoa por completo, por isso, ao entrar em um processo de “coaching”, procure profissionais habilitados em psicologia, psicanálise ou então, faça tratamentos lado a lado.

Sua saúde mental não deve ser colocada nas mãos de alguém que acredita que todos os seus pensamentos e objetos são responsáveis pelo mundo exterior. Freud já dizia que o homem não é senhor nem em sua própria casa, se referindo que não temos controle total sobre o nosso inconsciente. Se não temos controle sobre nós mesmos, o que te faz pensar que temos controle sobre o que acontece fora de nós?

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O desafio da exigência de êxito

O famoso “Poema em Linha Reta” nos diz que todos os conhecidos do poeta eram verdadeiros campeões em tudo, sem derrotas ou fracassos. O poeta, ao contrário dos demais, experimenta todos os erros, inseguranças e medos humanos. Caso ainda não conheça esse poema de Fernando Pessoa com pseudônimo de Álvaro de Campos, vale a pena ler.

O empreendedorismo é uma ilusão que cabe certinho nas nossas fantasias de sucesso: se eu trabalhar bem e muito, serei vencedor em tudo! Há aqui uma certeza embutida de que somos os mestres de nosso próprio destino e, embora isso não esteja de todo errado, esse futuro sonhado é sempre brilhante e glorioso.

Nosso futuro é resultante de variáveis complexas atuais e de eventos passados que certamente desenharam nosso presente. Além disso, algumas dessas decisões são tomadas e ainda modificadas por cada um. O equívoco está em acreditarmos na liberdade plena da decisão consciente sobre nossos atos, já que há em nós uma faceta inconsciente que direciona nossos desejos em cada ato. A parte mais equivocada e triste: não há nenhuma garantia de eficácia e do futuro tão sonhado se concretizar do jeito que idealizamos.

O poder ilusório de ter o futuro nas mãos traz amarrada a certeza de amarga responsabilidade, pois se o ouro não vier, será por falta de esforço da parte do sujeito. Sabemos que as condições sociais e culturais são desiguais e que a boa vontade não é suficiente e, ainda assim, a culpa sobreviverá! E remoeremos, horas a fio, onde e como poderia ter sido feito diferente, e ensaiaremos o que deveria, o que poderia, como, e o constante ‘e se’ martelando as lembranças.

A psicanálise aposta numa determinação inconsciente e que esse é transmitido através da linguagem para além da língua trazendo consigo a cultura. Esse nos precede e nele nos enlaçamos desde o início, através do olhar e voz maternos, dos toques e cuidados que precisamos para sobreviver dada a nossa inexorável vulnerabilidade. O laço nos garantirá a vida.

Os fatos passados que hoje nos afetam podem ser interpretados e ditos de alguma outra forma e a análise se presta à escuta que tornará possível esse percurso. Ressignificar o passado é de certo modo modificá-lo na realidade subjetiva que representará uma mudança atual abrindo novas possibilidades de escolha do futuro que podemos vir a ter.

“Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?”, continua o poeta mencionado no início. Na vida nós encontramos alegrias, mas também sofrimentos e sempre fazemos o que nos é possível. É preciso lembrar que sempre será o nosso melhor, dadas as circunstâncias, dadas as possibilidades, dada a nossa história que a tudo, em cada um desses atos, foi determinante. Alguma generosidade no cuidado de saúde mental pode representar uma qualidade de vida ímpar e valiosa.

Longe dessa exigência de êxito, talvez possamos considerar apenas o que nos seja melhor possível sempre. Talvez, lacrar e brilhar acima de todos não seja uma escolha tão feliz assim. Talvez, aceitar uma errância onde eventualmente se acerta possa trazer novamente gente para habitar nosso mundo atualmente pleno de pretensos semideuses. Portanto, deixemo-nos fracassar um pouco!