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A poesia voltou: o resgate da essência literária

A poesia voltou com tudo na última Bienal do Livro do Rio. Entre os sucessos da nova geração, estão Akapoeta, Bráulio Bressa, Fabricio Carpinejar e JL Amaral. O catarinense e advogado Mauro Felippe também participa deste novo momento e traz na sua nova obra “Palavras Têm Vidas” reflexões, poemas, crônicas e provocações.

A poesia voltou! Com ela, a essência da literatura. Sim! Os versos que relatam as miudezas da vida retornaram com toda força. Há algum tempo o gênero deixou de figurar nas listas de best-sellers. Um título que vendesse mais de mil cópias era considerado sucesso absoluto. A volta por cima se deu com a fama instantânea dos poetas em diversas mídias e, principalmente, no Instagram e Facebook. A tendência ultrapassou o limite das redes sociais e fez dos escritores do gênero um novo (ou velho) fenômeno editorial.

É o caso do escritor catarinense Mauro Felippe, que lançou durante a última Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro a antologia Palavras Têm Vidas. O poeta também utiliza as mídias sociais para publicar os versos de suas outras obras: Humanos, Nove, Ócio e Espectros. Só no Facebook o autor tem mais de 160 mil fãs.

As poesias de Mauro imprimem a realidade humana, transparecem as adversidades, estão cheias de críticas ácidas e refletem a complexidade da mente. Em um estimulante jogo de palavras, Mauro revive o gênero literário em essência ao empregar ao leitor sensações que somente a poesia é capaz de proporcionar.

Após anos escrevendo, foi na poesia que o escritor se encontrou e pretende seguir no gênero. “Não mais saberia viver sem ler e escrever a todo instante, vejo que as palavras agora registradas nesta reunião de textos me impulsionam a continuar. Obviamente, uma nova parte virá!”, sugere.

Leitura do Poeta das coisas simples
Leitura e Pensamentos
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LEITURA DE POESIA: considerações sobre o gênero lírico em Mário Quintana

O poema é feito de palavras, seres equívocos que, se são cor e som, também são significado; o quadro e a sonata são compostos de elementos mais simples – formas e cores que em si nada significam.

[leitura de] Octávio PAZ, 1982

O questionamento central deste artigo é “como se faz a leitura de poesia?”, mas antes de responder essa pergunta, é preciso primeiramente entender o que está sendo lido, para depois saber como se dá a leitura. O gênero literário Poesia é caracterizado por suas especialidades, inclusive no aspecto leitura, em linhas gerais, como ser a arte de escrever em versos e por meio de sua linguagem estar agrupada vários fenômenos estilísticos que são utilizados, não só para customizar, mas para tentar abarcar o sentimento por intermédio de palavras, e esses fenômenos linguísticos são denominados de figuras de linguagem.

Para entender todo esse sistema poético que é constituído tal gênero literário, conforme Modesto Carone Netto (1974), em sua obra crítica Metáfora e Montagem, poesia é:

[…] junção de imagens descontínuas. Apresenta-se, dessa forma, como um conjunto de metáforas visuais agrupadas sem necessidade “lógica”, ou seja, reunidas num sistema semiológico em que uma não decorre necessariamente da outra, como acontece no discurso linear comum ou na obra literária que lhe acompanha de perto os passos. (CARONE NETO, p. 15, 1974)

O autor continua discutindo em seu texto que

[…] as imagens isoladas do poema se comportam como as “tomadas” ou as fotogramas montadas num filme, articulando planos e cenas cujo significado seria aferível pela forma em que essas unidades colaboram ou colidem umas com as outras na consciência de quem lê o poema (como ocorre na mente de quem vê o filme).  (CARONE NETO, p. 15, 1974)

Para enriquecer a conceituação de poesia neste trabalho, é válido trazer um teórico que aborda uma teoria mais poética, portanto, mais adocicada durante o ato da leitura.

Octavio Paz (1982), no capítulo intitulado de Poesia e Poema, de sua obra O Arco e a Lira, nos esclarece o significado de poesia. O autor escreve que a poesia é

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza: exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. (PAZ, p. 15, 1982)

Paz (1982) continua a dissertar logo abaixo, na mesma página de discussão que

Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência ás regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. (PAZ, p. 15, 1982)

Portanto, como ler este texto tão especial?

 

É interessante trazer para a discussão a argumentação defendida por Bosi (1994, p. 477) ou esclarecer que, à medida que o material significante assume o primeiro plano: verbal e visual, o poeta reelabora esse material em vários campos. São eles:

  1. no campo semântico: ideogramas (“apelo à comunidade não-verbal”, segundo o Plano Piloto cit.); polissemia, trocadilho, nosense…;

  2. no campo sintático: ilhamento ou atomização das partes do discurso; justaposição; redistribuição de elementos; ruptura com a sintaxe da proposição;

  3.  no campo léxico: substantivos concretos, neologismos, tecnicismos, estrangeirismos, siglas, termos plurilíngues;

  4.  no campo morfológico: desintegração do sintagma nos seus morfemas; separação dos prefixos, dos radicais, dos sufixos; uso intensivo de ceros morfemas;

  5.  no campo fonético: figuras de repetição sonora (aliterações, assonâncias, rimas internas, homoteleutons); preferência dada às consoantes e aos grupos consonantais; jogos sonoros;

  6. no campo topográfico: abolição do verso, não linearidade; uso construtivo dos espaços brancos ausência de sinais de pontuação;

Exemplo, atente para a leitura do poema logo abaixo:

Das utopias

Se as coisas são inatingíveis… ora!

Não é motivo para não quere-las

Que triste os caminhos, se não fora

A mágica presença das estrelas!

Mário Quintana

 

Neste exemplo de poema, escrito por Mário Quintana, é possível identificar através da leitura, alguns traços da teoria explicada por Philadelpho Menezes (1991). Primeiramente uma leitura morfológica, o poema possui uma única estrofe contendo quatro versos. Não possui emjambement, a linguagem clara e muito subjetiva.  As rimas são intercaladas – A B A B – veja logo abaixo:

 

Se as coisas são inatingíveis… ora!           A

Não é motivo para não quere-las               B

Que triste os caminhos, se não fora           A

A mágica presença das estrelas!                B

 

Como dito no início do parágrafo de análise, segundo a leitura da obra de Philadelpho Menezes (1991) explica que o uso de pontos é um traço contemporâneo, o uso de reticências transmite ao leitor o pensamento profundo e reflexivo do verso, o termo “inatingíveis” carrega em si um peso semântico muito profundo que, ao final, o eu lírico compara as estrelas do ceu. Quem trilha o caminho da vida não consegue alcançar as estrelas do ceu, pois são inatingíveis, mas olhar para elas e deseja-las, vê-las ao cominhar, muda e transforma o sentido da caminhada.

O Professor, mediador, pode desenvolver a leitura em sala de aula que as estrelas é uma metáfora para qualquer sonho inalcançável de seus alunos, e ao desejar/sonhar/querer esses sonhos e anseios impossíveis não os faz ser iludidos ou perdidos na vida, pois é o brilho das estrelas e a mágica de sua presença que faz a caminhada da vida se tornar mais divertida, a existência se torna mais fácil, visto que lidar com as adversidades, lutos, dificuldades e imprevistos da caminhada podem paralisar ou abater.

  1. no campo semântico: estrelas é a metáfora de sonhos inalcançáveis, sonhos distantes, difíceis de se concretizar;
  2. no campo sintático: construções sintáticas usuais como expressas segundo a gramática, não há rupturas;
  3. no campo léxico: linguagem fácil e simples de fácil acesso;
  4. no campo morfológico: não há desintegração do sintagma nos seus morfemas; ou separação dos prefixos, dos radicais, dos sufixos; ou uso intensivo de ceros morfemas;
  5. no campo fonético: figuras de repetição sonora (aliterações, assonâncias, rimas internas, homoteleutons); preferência dada às consoantes e aos grupos consonantais; jogos sonoros;
  6. no campo topográfico: construção tradicional do verso, linearidade; não há o uso construtivo dos espaços brancos, mas o uso do recurso das reticências que transmite um peso semântico ao entendimento do texto;

 

 

 

 

Referências 

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. Editora Pensamento Cultrix LTDA – São Paulo, SP, 1994.

PAZ, Octavio, A tradição da ruptura; A revolta do futuro. In: Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p.11- 58.

______. O Arco e a Lira/ Octávio Paz; tradução de Olga Savary. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

UNGARETTI, Giuzeppe. Razões de uma Poesia./ Organizacäo de Lucia Wataghin – Edusp/Irnaginfirio, São Paulo, 1994.

Informações sobre o livro: https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/literatura-internacional/teoria-e-critica-literaria/o-arco-e-a-lira-30738284

Imagem retirada do acervo: AmeopoemA
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Poesia Marginal: da Geração do Mimeógrafo dos anos 70, aos Zines xerocados de hoje – Estação AmeopoemA

O que você anda lendo? Gosta de Poesia? Vou além… você sabe o que é Poesia Marginal? Sabia que o grande cenário poético atual não figura nas grandes editoras, não está nas prateleiras das grandes livrarias e você pode ter acesso a esse material riquíssimo nos perfis e páginas das mídias sociais, saraus, bares, esquinas e que o Fanzine, ou, mais precisamente o Zine, na maioria das vezes, é a primeira publicação desses poetas e poetisas? Perguntas, perguntas e mais perguntas. Calma! Se você já sabe de tudo isso, sei que tem lido muita coisa boa, já você que não sabe, agora vai ficar sabendo e te garanto que vai curtir a coluna, pois um dos meus propósitos aqui no Beco Literário é tratar sobre a Literatura Marginal e seus agentes mais contemporâneos e atuantes, portanto já que vamos tratar de poesias e zines, adianto que esta publicação artesanal perde o prefixo “fã” quando não há objetivo de homenagear um determinado “ídolo” e passa a ser uma publicação autoral, ou que trate de um tema que não tem a ver com homenagem a uma determinada figura pública, por isso, aqui trataremos dos Zines.

A Literatura Marginal foi assim conceituada na década de 70 e tem como principais autores dessa época, Leminski, Torquato Neto, Chacal entre outros. Óbvio que muitos não chegaram sequer a serem conhecidos publicamente. Digamos que, para cada poeta que tem seu trabalho reconhecido, dez moleques saem da várzea para o Futebol profissional, uma estatística exagerada que criei aqui para dar a dimensão da enrascada que era/é se meter a escrever objetivando algum lucro nisso, por menor que seja. No meu caso de maior sucesso, já recebi umas cervejas em troca de um, ou outro livro meu e não há demérito nisso, que fique claro. Voltando ao nosso assunto, a Literatura Marginal influenciou toda uma geração de artistas no Brasil, não só na própria Literatura, mas também na Música, Dança, Artes Plásticas e demais linguagens artísticas, porém como nosso enfoque aqui são os zines de poesia, vamos dizer que esses são netos dos livretos produzidos artesanalmente pela “Geração do Mimeógrafo”, que ficou assim conhecida por conta dos livros produzidos e reproduzidos naquele trambolho em que na década de 70, 80 e 90 rodavam as provas escolares da galera da minha geração e gerações anteriores. No média – metragem “A Lira Pau – Brasília: A Geração do Mimeógrafo e os Poetas Marginais de Brasília na Ditadura Militar”, Nicolas Behr diz: “a Geração do Mimeógrafo tirou o terno e a gravata da poesia”. Talvez eu não tenha ouvido, ou sequer imaginado, uma definição melhor para a poesia marginal e, para você que não sabe do que é,  pergunte aos seus pais o que era esse tal “mimeógrafo” que eles, certamente, vão dar uma risadinha dizendo: “É… na minha época blá… blá… blá.” Eu confesso que quando tive contato com um, cheirei tanto álcool que rolou uma onda, sem exagero.

Como se faz e o que são os Zines?
São diversas as possibilidades de confeccionar Zines. Podem ser manuscritos, digitados, impressos e xerocados. Há uma série de técnicas para estilizar cada livreto, ou folheto, o autor “zineiro”, escolhe como prefere, enfim. Eu conheci o Zine e fiz o meu primeiro no ano de 2007, quando estudava no Centro do Rio de Janeiro e lá mesmo dobrava uma folha de papel A4, escrevia uns poemas e xerocava para vender, ou mesmo trocar pelo que rolasse, geralmente aceitava uma contribuição espontânea só para pagar a xerox mesmo. Hoje, dez anos depois, as coisas mudaram um pouco, porém a essência continua a mesma e cada vez mais os zines vão ganhando modelos, materiais e formatos diferentes, os mais comuns são de poesias, mas também se encontra com contos, quadrinhos e outros gêneros literários e uma das galeras mais resistentes desse cenário é o pessoal do “AmeopoemA”, que tem ponto entre a porta do Centro Cultural Banco do Brasil  e Cinelândia. Nelson Neto, Shaina, Dy Eiterer, Sidney Machado, Paulinho, Rômulo Ferreira, Luiz Silva e outras figurinhas fáceis por ali já ofereceram suas poesias para milhares de pessoas naquele local. Segundo Rômulo Ferreira, o movimento é:

Acervo: AmeopoemA

Grupo de leitura e proliferação poética e artística!

Criado em junho de 2010, a partir de uma forma física que era o  ZINE AMEOPOEMA, veio a vida  este grupo que tem a intenção de facilitar a proposta de ser lido e divulgar os trabalhos de amigos e desafetos!

Temos três formas de espalhar poesia pela cidade:

1-    Zine mensal impresso AMEOPOEMA, que está em sua 47 edição.

2-    Sarau AMEOPOEMA, rede de leitura e troca de ideias em praças públicas de todo o território nacional.

3-    Página em rede social, onde todo autor e leitor podem interagir de forma mais direta.

Criado por Rômulo Ferreira e Bárbara Barroso. O AMEOPOEMA, vem atuando de forma independente e sem ajuda de custos de lei alguma, vivemos basicamente da colaboração de amigos e alguns passantes de onde os eventos acontecem.”

Eu, Guarnier, este humilde poeta, já os considero parte do imaginário poético daquele canto da cidade e um dos patrimônios do Centro do Rio, portanto você que vier dar uns roles por aqui, tem que passar lá, comprar seu zine e beber dessa poesia, já para você que nem pretende pisar estas terras, mas que gostaria de conhecer o trampo, é só dar uma conferida na página do Facebook deles que deixarei no final da coluna.

Link da página do AmeopoemA: https://www.facebook.com/ameopoema/?fref=ts

Colunas, Livros

Os 10 Melhores Poemas da História (Parte 1)

Escolher os melhores poemas da história é difícil, limitar a escolha a apenas dez poemas é mais difícil ainda e qualquer um que se engaje nessa tarefa é indiscutivelmente pretensioso. De qualquer forma, aqui está a primeira parte da minha lista dos dez melhores poemas da história.

10. Soneto de Fidelidade, de Vinicius de Moraes

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

O nosso poetinha fala do amor de uma forma peculiar. Ciente de que não há de viver para sempre, confessa que deseja apenas vivê-lo em cada “vão” momento.

9. How do I love thee, de Elizabeth Barret Browning

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Amo-te até nas coisas pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte. (tradução de Manuel Bandeira)

Soneto de Elizabeth Barrett Browning dedicado ao seu marido, Robert Browning, também poeta. Na opinião deste humilde colunista, a mais bela declaração de amor já feita por alguém. Robert se apaixonou por Elizabeth antes mesmo de conhecê-la pessoalmente, apenas lendo seus poemas.

8. The Raven, de Edgar Allan Poe

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
	É só isto, e nada mais." (tradução de Fernando Pessoa)

O mais célebre poema de Edgar Allan Poe. O poema retrata magistralmente o crescente desespero do eu lírico face à misteriosa ave que aparece em sua janela. Influência determinante na vida de autores como Machado de Assis, Fernando Pessoa e Charles Baudelaire.

7. Tabacaria, de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Uma das muitas personalidades de Fernando Pessoa concebe um poema que não deixa de revelar um pouco da biografia de seu criador. Um tesouro do Modernismo que trata de forma intimista as sensações de frustração e conformidade resignada.

6. L’Éternité, de Arthur Rimbaud

De novo me invade.
Quem? – A Eternidade.
É o mar que se vai
Como o sol que cai. (tradução de Augusto de Campos)

O jovem poeta escreve brilhantemente sobre o desespero face ao infinito. Observamos a eternidade passar diante da nossa limitada vida como quem observa o Sol se pôr ou as ondas do oceano.

Espero que vocês gostem dos poemas e que eles sejam tão significativos para vocês quanto foram para mim. A segunda parte da lista será postada em breve.

Autorais

Onde estão os nossos poetas marginais?

Nos anos 70, um grupo de jovens poetas inspirados pelo teor subversivo da poesia tropicalista, em atitude contrária aos padrões mercadológicos das editoras, começou a publicar suas obras em folhetos e até pendurados em varais, afastando-se do formalismo dos artistas da época e trazendo a tona o combate ao sistema padronizado e o debate político propiciado pela literatura. Seguindo uma contracultura expressiva dos anos 60, os autores dessa geração, dialogando com os poetas modernistas de 1922, fomentavam uma poesia primeiramente de cunho social e uma literatura incisiva, tornando-se os rebeldes que a ditadura censurava e os escritores que o mundo precisava ouvir. Sem rimas, com uma estética desconstruída e quebrando com o conservadorismo da literatura até então, esses artistas clandestinos, chamados então de poetas marginais, não se importavam com o politicamente correto e prescreviam altas doses de realidade para dentro da sua produção literária.

Nesse cenário, Chacal (pseudônimo de Ricardo de Carvalho Duarte) surge como um dos principais expoentes dessa literatura furtiva.

PREZADO CIDADÃO

colabore com a lei
colabore com o light
mantenha a luz própria

(CHACAL, 2007, p. 355)

Suas poesias, frequentemente minimalistas, contestavam o padrão de vida vigente, criticando a falsa simetria e o conservadorismo da ditadura de 1964.

EXP 

mal vc abre os olhos
e uma voz qq vem lhe dizer
o q fazer o q comer
como vestir

todos querem se meter
numa coisa que só
a vc compete:
viver a sua vida

deletar, destruir, detonar
esses atravessadores

a vida é uma só
e a única verdade
é a sua experiência

não terceirize sua vida
viva viva viva
essa é a sua vida

(CHACAL, 2007, p.106)

Simbolizando o quanto somos apressados nesse novo mundo de tecnologias com as abreviações dos substantivos presentes no poema, Chacal reflete sobre como a vida na verdade nos é imposta em vez de naturalmente vivida. Somos constantemente bombardeados com regras e normas (que geralmente não satisfazem a todos igualmente), acreditando que apenas assim poderemos viver harmonicamente em sociedade.

O apelo da contemporaneidade é esse: a literatura como instrumento de reflexão. Onde foram parar os nossos poetas marginais, que se escondem por de trás de tanta literatura rasa e sem motivo? Onde estão os contestadores dessa gaiola invisível que chamamos de sociedade?  Por onde andam os poetas desnudos dos padronizados formalismos para questionar os preconceitos velados e as ditaduras diárias sob as quais vivemos?

Um poeta para empoderar mulheres, destilar o racismo, o machismo e a homofobia para os quais fechamos os olhos e preferimos não ver. Onde estão os poetas que vão escancarar o que há de feio e grosseiro nesse mundo de amarras sociais, políticas e religiosas? Só nos resta esperar a clandestinidade virar roda de debate.