Depois de ser exilada do mundo das fadas e condenada a viver no mundo mundano, Jude está indignada, afinal, ela é a Grande Rainha de Elfhame por direito. Essa é a premissa do livro que encerra a série O Povo do Ar, de Holly Black, A rainha do nada, depois de um livro com um final completamente avassalador como O rei perverso, é praticamente impossível não emendar uma leitura na outra.
É, eu não emendei. Mas não consegui me concentrar direito em nenhum livro no intervalo até eu me render para A rainha do nada. E devo dizer que li numa sentada só. Sentei para ler um capítulo como quem não quer nada e quando vi, já estava chegando na página 100, 200 e no epílogo.
O ritmo ditado por Holly Black na narrativa final começa de forma mais lenta, tanto que achei que não fosse engatar de primeira na leitura como fiz com os outros dois livros da série (que também li rápido, mas parei em alguns pontos estratégicos). Jude no mundo mortal é tediosa e talvez esse mesmo tenha sido o sentimento que Black quisesse passar na leitura, afinal, ela claramente não pertence àquele lugar. Morando com Vivi e com Oak no apartamento de Heather, ela passa seus dias em tédio supremo e, de vez em quando, se arrisca em algumas missões feéricas no mundo mortal.
Até que Taryn, sua irmã gêmea chega de Elfhame esbaforida, confessando que matou o noivo Locke e agora precisa enfrentar um julgamento. Ela quer que Jude vá em seu lugar para provar sua inocência e ela pode, afinal, o geas que o príncipe Dain deu à ela quando ela entrou para a Corte das Sombras, a fim de protege-la de qualquer encantamento de fada ainda funciona. E ela embarca, contra Vivi e com medo de ser sentenciada à morte por Cardan, que a exilou.
– Você veio do nada e para o nada vai retornar – sussurra ele em meu pescoço.
Ao chegar em Elfhame, ela enfrenta um julgamento com muita ansiedade e Cardan a reconhece. Quando eles estão prestes a botar os pingos nos is, Madoc invade o castelo para resgatar a filha, que ele pensa ser Taryn e a leva para seu acampamento de guerra, onde treina e reúne forças para tirar o trono de Cardan. Jude, irritada, percebe que o padrasto quer usurpar também o trono dela, mesmo ninguém sabendo que ela é a Rainha do Mundo das Fadas.
Depois de uma armação de Madoc para Jude ser pega, Cardan acaba anunciando para todo o mundo das fadas que ela é sua esposa e portanto, rainha por direito. Eles parecem se entender melhor quando o então rei perverso revela que o exílio era uma charada: só a Coroa poderia perdoá-la. Ela, como rainha, poderia ter acabado com seu exílio. Não é possível que Jude não tenha percebido isso vivendo há tanto tempo no mundo das fadas, sério! Até eu, que li os três livros em pouco menos de um mês percebi a charada no tom de voz de Cardan.
– Ela é minha esposa – revela Cardan, a voz se espalhando pela multidão. – A Grande Rainha de Elfhame por direito. E, definitivamente, não exilada.
Agora, juntos no trono, eles enfrentam a ameaça de Madoc e uma maldição que ronda a coroa de sangue, já que, em uma das invasões ao castelo, Cardan se transforma em uma serpente gigante que está amaldiçoando toda Elfhame. Sozinha, sem o amor de Cardan e tendo que levar um reino nas costas, Jude precisa entender em quem pode confiar, de que forma confiar e como vencer a maldição.
É o típico livro que a gente não tem um segundo de paz e encerra a série sem nenhuma ponta solta. Quando você acha que as coisas finalmente estão dando certo, Holly Black mostra que não se deve confiar tão fácil no povo féérico.
A vocês, ofereço vinho de mel e a hospitalidade de minha mesa. Mas a traidores e violadores de juramentos, ofereço a hospitalidade de minha rainha. A hospitalidade das facas.
Apesar de ter capítulos um pouco mais longos que os outros livros da série, A rainha do nada não perde em nada quando o assunto é ritmo, história de tirar o fôlego e até um pouquinho de fan service com cenas mais quentes de Jude e Cardan, que finalmente resolvem se entregar ao romance congelado que vinha sido cultivado nas outras séries. A forma como Holly consegue criar enigmas e entrelaçar histórias de fantasia é simplesmente única – sempre espere acontecer alguma coisa que você já poderia ter previsto com alguma isca que ela colocou anteriormente na série.
Agora, lido com a minha ressaca literária de terminar essa série cinco estrelas e só me resta ler os outros livros do esquema de pirâmide torcendo para ter mais um gostinho do apaixonante Cardan e da encrenqueira Jude. Recomendo muito!
Eu gosto do trabalho da Holly Black há muito tempo. Desde criança. As crônicas de Spiderwick foi um dos primeiros livros que li na infância e sempre ficou intacto na minha memória o quanto eu amava a forma dela criar mundos mágicos. Quando saiu O príncipe cruel, fiquei meio relutante. Primeiro, porque ultimamente não me conecto tanto com livros de romance que não sejam LGBTQIAP+. Segundo, porque tinha medo de não gostar mais da escrita da Holly, levando em conta que hoje em dia sou um pouco mais crítico com isso (eu amo as histórias da Cassandra Clare, por exemplo, mas odeio a escrita dela).
Resolvi dar uma chance para O príncipe cruel na Bienal do Rio, quando descobri que ia entrevistar a Holly. E eu simplesmente devorei o livro em três dias. Voltei para a fase adolescente do Gabriel que deixa de comer, dormir e ir ao banheiro só para ler mais uma página e ainda, de quebra, me tirou de uma ressaca literária de ler ficção fantástica que eu estava há tempos.
“Nós somos filhos de tragédias.”
O príncipe cruel é um livro que conta a história de Jude, uma garota mortal, mudana, humana, que vê seus pais serem assassinados bem diante dos seus olhos e é levada junto com a irmã gêmea Taryn e a irmã mais velha Vivi ao Reino das Fadas. Quando a gente fala de fada, parece aquele mundo animado de fadinhas que voam e só fazem o bem. Se você espera isso, já vai tirando o cavalinho da chuva que o reino de Holly Black, chamado de Elfhame, é onde vive todo tipo de criatura feérica, cortes seelie e unseelie. E é justamente isso que eu mais gosto nas mitologias da Holly: ela brinca com cores de cabelo, cores de pele, características psicológicas e físicas… E isso é difícil de encontrar em livros que falam de seres feéricos.
“Se eu não puder ser melhor que eles, então vou ser muito pior.”
No mundo de Elfhame, Jude precisa entender que nunca será como os outros feéricos. Ela sempre será mortal e por isso, sempre mais fraca, sempre preterida… Mas ela quer conquistar o seu lugar na corte como guerreira. E é nessa jornada que a gente conhece o príncipe Cardan, perverso, otário, ridículo e que faz de tudo pra ela sofrer: desde palavras duras e vergonhosas até a obriga-la a se drogar com as comidas das fadas.
“Ele é uma faísca e você é altamente inflamável.”
O mais incrível da narrativa de O príncipe cruel é que os relacionamentos e afetos são tratados por uma ótica política. É um livro que tem romance, tem descoberta, tem vida, mas acima de tudo, é um livro que fala sobre relações políticas no reino das fadas e é isso que me deixou fascinado. Não preciso nem dizer que o plot twist de enemies-to-lovers de Jude e Cardan também me tirou alguns suspiros, mas isso só foi possível e eu só me conectei tanto com os personagens pela Holly saber manejar justamente as relações frias e superficiais, baseadas em interesses, que os seres feéricos estabelecem entre si e entre os mortais.
“O Reino das Fadas podia ser lindo, mas a beleza é comparável à carcaça de um corcel dourado cheio de larvas se contorcendo por baixo da pele, prontas para explodir.”
O livro tem capítulos curtos (eu amo!) e alguns mais longos que não ultrapassam as vinte páginas. Ele é escrito em primeira pessoa (exceto no prólogo), então conhecemos o mundo pelo ponto de vista da Jude. Apesar disso, não se torna cansativo de ler (como muitos em primeira pessoa). Ele é fluído. De início, você pode levar um tempo para engatar a leitura enquanto você se ambienta com Elfhame e os costumes de lá, mas depois de você passa da página trinta, você só consegue parar quando chega na 300.
“Você não é nada. A espécie humana finge ser tão resiliente. As vidas mortais são uma longa brincadeira de faz de conta. Se você não pudessem mentir para si mesmos, cortariam a própria garganta para acabar com sua infelicidade.”
Se eu já gostava da Holly Black na infância, agora na vida adulta parece que sua escrita e suas histórias me acompanharam. É um livro young adult, que não traz temas infantis como era em Spiderwick, mas também não deixa a desejar em nenhum momento quando o assunto é desenvolvimento de mundo e de personagem. Com certeza, uma leitura cinco estrelas.
No último sábado (02), estivemos na Bienal do Livro do Rio de Janeiro para ver com nossos próprios olhos o primeiro final de semana de festa e que de quebra, ainda ia contar com Holly Black, Cassandra Clare, Julia Quinn e muitos outros autores de renome. Se você já esteve em uma, deve saber muito bem como ficam as filas, os corredores, os estandes… Mas isso é papo para outro texto, porque, um dos motivos principais da nossa ida foi Holly Black!
Particularmente, sou fã da Holly desde criança. Li As Crônicas de Spiderwick na minha primeira infância, era fissurado pelo filme, comecei a escrever sobre fantasia e seres mágicos por conta da história e cheguei a ficar na fila da livraria da minha cidade para comprar o segundo livro da série, A Pedra da Visão. E sim, tive a oportunidade de entrevistar a Holly e conversar com ela por aproximadamente quinze minutos em seu hotel, no Rio de Janeiro, no sábado da Bienal.
Se você é fanboy de fantasia como eu, Holly dispensa apresentações e você pode imaginar como eu estava tremendo da cabeça aos pés e com o inglês todo travado de estar ali, na frente dela. Certo momento até me desculpei falando que estava tentando ser profissional e ela nah, deixa disso! Só posso dizer que Holly superou minhas expectativas. Ela é simpática, fofa, completamente afetuosa, carismática e preocupada com os fãs. Gente como a gente, sabe? Faz questão de estar ali e não só de cumprir agenda.
Para você que ainda não conhece, Holly Black é uma escritora norte-americana que ficou mundialmente famosa após escrever a série de livros As Crônicas de Spiderwick. Ela é uma grande colecionadora de livros raros de folclore e em seus primeiros anos de vida ela morou em uma mansão abandonada em estilo vitoriano com sua mãe, que contava a ela várias estórias de fantasmas e fadas. Seu primeiro livro, Tithe: A Modern Faerie Tale, foi muito bem recebido pela crítica e hoje, é autora best-seller número 1 do New York Times com mais de trinta livros de fantasia para jovens adultos e crianças. Seus livros já foram traduzidos para 32 idiomas e adaptados para o cinema e TV. Hoje, ela vive com o marido e o filho em uma casa que tem uma biblioteca secreta.
Meu horário com a Holly era 15h, no hotel em que ela estava hospedada, no Rio de Janeiro. Cheguei trinta minutos antes do combinado, correndo e esbaforido com medo de não encontrar a portaria, de não me deixarem subir, de algo dar errado (enfim, o ansioso, né?). Deu tudo certo. Cheguei, subi até a sala em que iríamos nos encontrar e esperei alguns minutos. Holly me chama para entrar e me convida para sentar ao seu lado, em uma mesa preta. Estou tremendo.
Faço uma breve apresentação do Beco Literário, conto nossa história e falo de forma enrolada que Beco Literário, em inglês, significa Literally Alley. Penso em porque não escolhi um nome mais fácil porque minha língua trava e minha boca fica seca. Começo conversando, descontraindo o momento, mais por mim que por ela. Na sala, estamos eu e ela na mesa, o Patrik tirando fotos na outra ponta e duas assessoras da Holly no cantinho. Agora vai.
Você pode ouvir a entrevista original, em inglês, acima
Beco Literário: Os livros de “As Crônicas de Spiderwick” completam 20 anos de publicação este ano… (risos) Como você se sente sendo parte da infância de tanta gente? Quer dizer, a gente era criança quando leu pela primeira vez. Eu (Gabu) tinha uns doze anos e agora tenho 26…
Holly Black: É muito especial, mas também muito estranho. Para mim não parece que faz tudo isso de tempo… parece que faz bem menos (risos). Mas, eu aprecio demais quem me acompanha deste então porque eu faço muitas coisas diferentes e uma das coisas mais interessantes sobre isso e que acontece muito comigo é estar em uma sessão de autógrafos e alguém percebe que fui eu que escrevi Spiderwick e eles estão lá por outros livros e dizem “então foi você?” ou o caminho inverso, quando falo que escrevi Spiderwick e as pessoas dizem “você escreveu aquilo?”. Ser a mesma pessoa (que escreveu Spiderwick e O Príncipe Cruel) tem sido uma surpresa em quase toda sessão de autógrafos que eu faço (risos).
BL: Não sei se você já teve a oportunidade de ver o Brasil desde que chegou, mas tem algo aqui que te inspira mais? O que você gostou mais daqui?
Holly: Bom, eu nunca tinha estado aqui, é a minha primeira vez. Eu tive a oportunidade de ver o Rio de Janeiro de helicóptero e é incrível e ver a forma como a floresta avança sobre as pedras e as montanhas… (suspiro). Para mim, parecia musgo e quando eu percebi que de fato eram árvores, uau. Aquelas paisagens vão ficar comigo por muito tempo. O Rio tem uma vista incrível e você se sente em um lugar folclórico.
Beco Literário
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BL: Sempre quis te perguntar essa aqui (risos). Como o processo de escrita em parceria funciona para você? Você escreveu Magisterium com a Cassie, Spiderwick com o Tony… Quero dizer: você escreve um capítulo, a outra pessoa lê e você escreve o resto… Como funciona?
Holly: Escrever em conjunto funciona de formas diferentes com cada pessoa. Quando eu estava trabalhando com o Tony em Spiderwick, a gente sentava e falava sobre a história. Eu escrevia e ele desenhava. Eu mandava para ele o que eu escrevi, ele me mandava o que desenhou e nós conversávamos em cima disso. Às vezes, ele me mandava um desenho que ele fez, alguma sugestão e falava ‘você pode colocar isso no livro?’, eu respondia ‘ondeeee?’e ele ‘que tal aqui?’ (risos). Já com a Cassie, a gente escreveu tudo no computador de uma só de nós. E nós passávamos o computador de lá pra cá. Eu escrevia aproximadamente 500 palavras, ela lia e fazia as considerações dela e então, escrevia mais 500 palavras e eu lia e fazia minhas considerações. Não teve nada que nenhuma de nós não tenha feito em conjunto. E isso tudo aconteceu porque todos esses livros foram escritos em apenas um ponto de vista, então tínhamos que ter a mesma voz. Foi muito divertido para mim, eu me permiti fazer muitas brincadeiras que não teria feito normalmente porque eu pensava que se não funcionasse, a Cassie poderia arrumar ou tirar. Eu achei bastante libertador e a Cassie segue perfeitamente o outline (planejamento de acontecimentos de um livro) e eu não sigo… (risos). Então foi maravilhoso porque ela dizia ‘isso precisa acontecer, está no planejamento que precisamos seguir’ e eu respondia ‘então tá, se você diz, vamos seguir o planejamento’ (risos). Mas, eu acho que muito do que a gente pensa sobre escrever em colaboração é sobre o nervosismo do processo, porque nós vamos “bater cabeças” e isso realmente acontece, mas também é a melhor parte da colaboração porque quando você bate cabeça, você encontra uma terceira opção para seguir o caminho, o que uma ou outra pessoa sozinha não conseguiria fazer e você consegue em conjunto. Esse é o tipo de coisa que você não tem quando escreve sozinho. E é isso que eu realmente amo sobre colaborações.
BL: Que conselho você daria para nós escritores que queremos escrever um livro em colaboração?
Holly: Se você vai colaborar, meu conselho para você é: sempre tenha um projeto, que seja o seu projeto, sozinho. Porque você só consegue se regenerar dessa forma. Porque assim você tem algo que você pode tomar todas as decisões por conta própria e dizer é meu, veio da minha cabeça.
BL: Uau! Maravilhosa. (risos em conjunto). Tem uma pergunta que sempre faço para todos os autores – o que você sempre quis responder mas ninguém nunca te perguntou?
Holly: Uau! Essa é difícil mesmo. (risos). A pergunta que eu sempre quis responder é uma que ninguém quer saber a resposta, que seria ‘me conta sobre seus gatos’ (risos) ou ‘me fale sobre sua coleção de planners’. Eu queria muito que me perguntassem sobre isso mas ninguém quer saber… Mas, ‘me conta sobre seus gatos’ é meu top um (risos).
BL: Então… me conta sobre seus gatos?
Holly: Eu tenho um gato sem pelos que se chama Quasit e as pessoas gostam dele de vez em quando. Ele é um adolescente na minha casa, mas é bem amoroso e já aprontou bastante… Eu posto muitas fotos dele. Eu só postei dois vídeos no TikTok na minha vida e ele está em um deles subindo no meu pescoço (risos), porque ele é um garoto estranho. Não vou falar mais sobre meus gatos (risos).
BL: Tenho mais uma pergunta – O que nós podemos esperar para “O Trono do Prisioneiro (The Prisioner’s Throne)”? A sequência de “O Herdeiro Roubado”?
Holly:(suspiro) Ele começa imediatamente após ‘O Herdeiro Roubado’ e nele, nós voltamos para Elfham… (risos misteriosos).
Beco Literário
Com o fim da entrevista, agradeço Holly Black mais uma vez pelo seu tempo e pela oportunidade de nos conhecermos. Agora revelo a ela que na verdade sou um grande fã, mas que tinha que manter o profissionalismo. Ela pergunta meu nome e eu, sem saber falar Gabu em inglês naquela hora, respondo Gabriel. Ela assina meus dois livros com capricho, tira uma foto comigo e ainda grava um video para o Beco Literário, pedindo para eu repetir devagar Beco Literário. É, eu devia mesmo ter escolhido um nome mais fácil.
Por fim, agradeço também a Rô Tavares, da Galera Record e toda sua equipe, pela oportunidade, chance e por todos os arranjos para que esse encontro acontecesse e pela paciência de me explicar (com fotos!) como chegar no hotel. O Gabu de 26 ficou realizado por entrevistar a Holly para o Beco Literário, mas o Gabriel de 12 que sonhava em ser escritor ficou em êxtase por realizar um grande sonho.
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