O alagoano Kleiton Ferreira conhece a Justiça no Brasil. Além de escritor, ele também é juiz federal e já atuou como advogado por uma década. “Espada da Justiça” (160 pág.), seu primeiro romance publicado pela Editora Labrador, começou a ser escrito há quase 10 anos, quando o autor era juiz em Macaé. Natural de Arapiraca (AL), Kleiton já morou no Rio de Janeiro, Paraíba e Sergipe. Hoje reside entre territórios: migrando entre sua terra natal e Propriá (SE), separadas por 70 km.
Ao apresentar um experiente juiz em crise de meia idade, afetado por problemas familiares — a história envolve o sofrimento de um pai ao ver a filha em um relacionamento abusivo — e relações acerca dos demais servidores, além de claro, as trivialidades do ofício, Kleiton discorre, de maneira sucinta e eficiente, sobre as pessoas que integram o sistema judiciário e as histórias testemunhadas nesse ambiente.
Recorrer à justiça é um direito de todo e qualquer cidadão brasileiro, e como o livro aborda, medicamentos de alto custo são solicitados por via judicial quando as esferas administrativas não são capazes de atender. Um dos casos que inspiraram Kleiton foi o do “remédio mais caro do mundo”, o Zolgensma, que hoje custa R$6 milhões, mas já chegou a custar R$12 milhões. Também estão presentes apelos à previdência social por pensões e aposentadorias.
História gira em torno do remorso e culpa de um pai perante uma relação abusiva da filha
O protagonista do livro é Abraão, que tem 25 anos de magistratura como juiz federal e é bem quisto pelos servidores no trabalho, além de reconhecido como um profissional justo e compreensivo. Mesmo com a vida estável, esse homem começa a questionar sua condição de pai, marido e profissional quando Samanta, a filha adulta volta para casa tentando fugir do comportamento violento do marido. A paternidade de Abraão é um dos temas centrais nessa ficção jurídica. Com remorso pelas falhas e ausência ao longo da vida da filha, Abraão se culpa pelos maus tratos que ela sofreu.
Em busca de entendimento e/ou qualquer desafogo, o personagem procura um psiquiatra, mas as consultas parecem um beco sem saída. Uma reviravolta só acontece quando Fafá – Maria de Fátima – uma amiga da época de escola da sua filha, se apresenta ao tribunal para fazer o requerimento de uma pensão. Maria de Fátima tem uma história marcada por injustiças e tragédias que sensibiliza o juiz, passando a zelar pela mulher com um olhar paterno.
A leitura de “Espada da Justiça” conduz o leitor sob a locução da deusa Dice, filha Zeus e Têmis, personificação da justiça e responsável pela punição aos maus juízes. Kleiton desenha entre algumas linhas os termos, hierarquias e ordens desenrolando o ‘juridiquês’. Faz isso sem apelar para qualquer tom professoral que comprometa a narrativa. “O livro passou por modificações severas no que diz respeito ao estilo de escrita. Antes era algo mais carregado de jargões, apesar da tentativa de evitá-los. Depois percebi que o tema jurídico poderia ser abordado de forma mais acessível. Mudei tudo, e como venho sempre aprimorando a escrita para torná-la mais leve e fácil, assim fiz. Hoje minha preocupação hoje é simplicidade”, conta.
Kleiton sentiu a necessidade de tratar casos como o que Maria de Fátima leva até Abraão, que apesar de comuns no dia a dia de um magistrado, carregam certa complexidade e exigem diferentes perspectivas para que sejam sentenciados da melhor forma. “Atualmente o INSS é um dos maiores ‘réus’ da Justiça Brasileira. A quantidade de ações que envolvem benefícios previdenciários é enorme. Se parte delas é julgada procedente, então há algo de errado”, aponta.
Outras pessoas e situações são apresentadas ao longo dos atos que dividem “Espada da Justiça”, tratando de doenças e necessidades, fazendo com que o leitor reflita sobre a burocracia judicial e o papel do Estado em amparar e/ou avaliar esses casos. Kleiton também batiza o antagonista da obra com seu nome. Também juiz, este homônimo se mostra inflexível e severo. Uma intensa contrapartida ao pai de enorme coração, disposto a sempre escutar e acolher que é Abraão.
Por mais que o entrecho jurídico seja o condutor do romance, o escritor nos convida a olharmos mais atentamente para a humanidade de seu protagonista. Para as dores que sente e como, mesmo em uma vida confortável, acabou por perder o controle, atormentado pela culpa das permissões que custaram a integridade da filha.
Atualmente, Kleiton trabalha de forma paralela em outros projetos. O escritor destaca uma ficção sobre um jovem que começa a escrever um diário e durante o processo é cooptado por uma célula nazista, além de uma antologia de contos, um romance histórico e uma comédia young adult. Também atua como narrador de audiolivros.