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Às vezes a gente fica ressentido, né?
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Autorais, Histórias

Às vezes a gente fica ressentido, né?

Resolvi perguntar pro Chat GPT, um robô com inteligência artificial o que significava se sentir ressentido. Ou, como eu gosto de falar, ressentindo. Ele me respondeu que significa ficar magoado, irritado ou guardar sentimentos em relação a uma situação passada, geralmente envolvendo alguma mágoa. Ele acrescentou que quando alguém fica ressentido, isso implica que a pessoa mantém esses sentimentos ao longo do tempo, não conseguindo superar ou perdoar completamente o evento que causou a emoção. Então sim, a pessoa fica re-sentindo. Sentindo de novo, e de novo, e de novo…

+ Autoria: Tesouro em mãos erradas vira frangalhos

Sabe, eu falei pra minha terapeuta que às vezes eu me sentia assim, ressentido. De vez em quando, eu quero tanto conquistar alguma coisa mas eu não vou atrás porque eu me saboto. Para mim, vale mais a certeza de não conseguir que a incerteza do sim ou do não. E isso me deixa puto – eu vejo pessoas conquistando exatamente o que eu queria conquistar e fico com inveja, com raiva. Mas elas tentaram o sim, né? Eu preferi a certeza do não. E eu fico sentindo isso como se fosse uma vaca mascando grama. Sentindo, sentindo, sentindo, ressentindo…

Que saco, sabe. Por que algumas pessoas simplesmente vivem sem sabotagem? Eu não vim com esse dispositivo de fábrica, nem com aquele que controla a ansiedade e teria que, teoricamente, não me deixar imaginar os piores cenários possíveis até que eu desistisse do que eu queria. Eu só queria ir lá e fazer. E não ficar ressentido quando alguém vai e faz quando eu não fiz.

Eu tô assistindo Big Brother e tem um participante lá que me deu um estalo exatamente sobre isso. Não posso citar o nome dele por motivos de processo, mas todas as vezes em que o vi, ressentido em um show de um artista que chegou lá, eu senti uma pontada no coração. Ele sempre fala que é maior, que é melhor, mas por que ele não tá lá? Simplesmente porque o outro foi lá e tentou o sim e desafiou o não até conseguir. E ele, talvez tenha ficado como eu, ressentido, sentado, bicudo no fundo da festa.

A minha terapeuta fala que a gente precisa ter paciência com a gente porque a gente só aprende a viver, vivendo. Concordo com ela. Mas seria tão mais fácil não ter tido que enfrentar algumas coisas para sobreviver no começo da vida e só começar a viver agora, no final dos 20, viu? É tão lindo ver pessoas que vivem desde cedo. Eu sobrevivi até uns 24, 25. Hoje, com 28 que eu comecei a viver de verdade mesmo, ou seja, 8 anos que eu sobrevivi para agora eu começar a viver. Soa como tempo perdido para mim. Soa injusto. Me deixa ressentido de novo.

Vivo me questionando o porquê. Vivo me comparando com os outros, às vezes até de forma hipócrita mesmo, dizendo que cada um tem seu tempo quando na verdade eu queria o tempo do outro e não o meu. Da mesma forma que algumas pessoas enxergam sem óculos e eu preciso pagar para enxergar, por que algumas pessoas simplesmente nascem vivendo e eu tive que nascer sobrevivendo?

Essa é a pergunta de milhão, né. Eu nunca vou saber. Minha terapeuta disse que também não. Até lá, eu tento só interromper esse fluxo e esse refluxo das coisas que eu sinto. Tipo um coelho que come, faz cocô e volta lá pra comer o cocô e digerir de novo. Eu me sinto um coelho de sentimentos. Só que preciso parar de ir lá e ficar eternamente comendo a minha bosta.

Minhas considerações sobre você, luto
Autorais, Livros

Minhas considerações sobre você, luto

Hoje faz cinco meses. Por mais que insistam em dizer que minha vó se foi no dia 12/12, para mim, a partida aconteceu no dia 11. No interminável dia onze que também foi o último dia que estivemos juntos. O dia doze nunca existiu. Só existiu um dia onze que durou 48 horas ininterruptas e que depois se tornou dia treze, o número do azar, como dizem por aí. No fundo, eu sempre soube que seria você o primeiro luto a vir. Desde criança, eu soube que você seria a primeira a ir embora, vó. Nunca falei para ninguém das intermináveis noites em que eu chorava sozinho, convulsivamente, com a possibilidade desse dia chegar. Mas o sol brilhava lindo no dia seguinte porque o dia ainda não tinha chego. Porque você estava lá, me dando bom dia com suco de laranja.

+ Esqueci como respira

Até que o dia chegou. De mansinho. Quando eu menos imaginava, quando eu menos esperava. Quando eu sequer pensava que você viria, luto insensível e que chega sem avisar. Não dá nem um spoiler. A gente bebeu, conversou o dia todo, demos risada, nos divertimos… E na madrugada você se foi, sem sequer me dar um toque. Podia ser uma coisa breve. Podia ser algo do tipo olha, aproveita, viu? Amanhã não estou mais aqui.

Escute ouvindo nossa música preferida, “Meu mundo caiu”, de Maysa, que mais parece uma premonição desse dia horroroso

De fato, eu aproveitei mesmo sem aviso. Não sei explicar o que existia dentro de mim naquele dia onze que me fez aproveitar tanto a sua presença, vó. Talvez tenha sido o mesmo sentimento que me fez chorar por noites a fio com a possibilidade que me trouxe um sutil alerta de que agora seria de verdade. Inconsciente, eu não devo ter percebido. Mas que bom que é o inconsciente que guia nossa vida, né? Porque o luto só vem e entra sem bater, derrubando tudo o que tem pelo caminho.

Quando cheguei em casa nesse mesmo fatídico dia, dormi. Ressaca. A gente tinha bebido muito juntos, vó. Eu nem sei se já bebi essa quantidade na vida. Mas você gostava e assim foi. Acordei de madrugada com um mal estar horrível, tomei meu banho e voltei pra cama. Tudo inconsciente, afinal, esse mal estar só podia ser a ressaca, né? Coloquei A Diarista pra passar na TV, a série que a gente gostava de ver juntos e que, até hoje, vinte anos depois, continuava sendo minha série de conforto.

Cinco minutos depois, a ligação veio. Você tinha partido uma hora atrás. Como assim, morreu? Eu gritei. Não tem como morrer assim. Ninguém morre do nada, sem dar a chance da tecnologia médica intervir, fazer alguma coisa, reanimar. Não é pra isso que serve aqueles choques que dão no coração? Aquele monte de máquinas que ficam apitando e fazendo você ficar vivo, mesmo que de forma mecânica? Como assim morreu sem sequer passar pelo hospital antes, dar algum aviso, algum sintoma? Não, não pode ser.

Mãe, só me fala para onde preciso ir que chego em 20 minutos. Vem para o IML, ela disse. IML, kkkkk. Esse é o lugar para onde levam pessoas que a gente tem certeza que estão mortas. Se minha avó passou mal, ela deve estar no hospital primeiro. Ninguém vai pro IML tão rápido assim. O corpo nem esfriou ainda, como vai pro IML, pensei, mas fui.

É, luto maldito. Você me esperava lá. Era o IML mesmo e o corpo da minha vó em uma maca que parecia um barquinho. Um barco que conduzia sua existência para longe da minha existência. Sua bochecha estava corada. Ainda era você, Vokinha. Só estava dormindo. Ainda estava envolta naquela manta que muitas vezes dividimos para assistir A Diarista. Para de brincadeira, vó. 

Não era brincadeira e eu sabia. Inconscientemente de novo, todas aquelas noites de choro agora eram um dia interminável. Pra mim, ainda o dia onze. Para o resto do mundo, era a segunda-feira doze. A segunda-feira doze para mim se tornou mais temível que qualquer sexta-feira treze.

Chegou o velório. O caixão abriu. Não era você ali, vó. E você, luto, fazia questão de me espancar essa realidade de que, quem estava deitada ali, era uma boneca de cera que sequer parecia minha vó de aparência. O que vocês tinham feito com ela? Por que ela não estava se decompondo como um cadáver normal? Por que ela parecia uma boneca encerada, maquiada, com as bocas costuradas e os olhos colados? Um ser humano se decompõe quando morre. Não vira um boneco inchado e irreconhecível.

Mas, apesar de ser irreconhecível, o inconsciente estava em conluio com você, maldito luto. E me fez perceber que, sim, era o que restou de você. Um pedaço inanimado de carne com produtos químicos que retardavam a decomposição, mas que ainda sim ia pro trato digestivo de vermes, bactérias, minhocas ou seja lá o que que vive embaixo da terra.

A pior parte veio depois. Aquele bando de familiar que eu sei que falava mal de você, vó, indo perto do seu caixão prestar as últimas homenagens. Estão aliviados agora que ela morreu, né? Bando de hipócrita falso, maldito. Era o que eu queria falar. Era o que eu não parava de pensar, com ódio, com raiva. Estão felizes em ver ela assim? Morta? Né? Acabou! Veio ter a prova de que esse foi realmente o fim, né, sua galinha desgraçada? Mas a norma social me fazia ficar ali, no cantinho, com os pensamentos pra mim. Observando, contendo minha raiva, chorando, ficando ao lado do caixão com esse fantasma maldito do luto do lado.

Sei que em determinada hora, acho que foi quando o caixão abriu, eu dissociei, como se meu cérebro quisesse me acordar do pesadelo dizendo esse é só mais um sonho daqueles, ACORDA AGORA, vai dar bom dia para sua vó e tomar suco de laranja com ela. Mas não era mais um sonho daqueles e meu cérebro compartilhava comigo a frustração de não conseguir acordar, de não conseguir fugir daquele dia onze interminável, nem tampouco daquela segunda-feira doze maldita. Alguém me abraçou, segurou meus braços e me tirou de estar debruçado ali do caixão. Eu queria gritar para que me deixassem ali. Eu não queria ser salvo, eu não queria ser tirado dali, pelo amor de Deus, me deixa ficar aqui, me deixa tentar dissociar até que eu acorde, até que eu consiga sair desse pesadelo. Eu já saí outras vezes, eu já manipulei meu sonho outras vezes, vou conseguir de novo. Me deixa aqui. Mais alguns minutos e eu consigo. Sempre demorou, mas eu sempre consegui. Me deixa, me deixa, me solta, para de me afastar desse pedaço de carne em decomposição que horas atrás era minha vó que estava abraçada comigo, bebendo e comendo bolo de chocolate. Me deixa, caralho. Me solta. Eu não consegui dizer nada e fui só levado. Eu sequer consegui pensar tudo isso assim, em palavras.

Ali, eu era um amontoado de sentimentos que nunca me ensinaram a sentir debruçado em um amontoado de carne em decomposição que outrora fora minha avó.

O resto do dia transcorreu com eu fugindo dos seus abraços, luto. Cada pessoa que vinha me abraçar desejando força, paz do senhor ou força no meu coração me faziam sentir a bile na garganta. Sim, quase vomitei na cara de cada pessoa que, com mais boa vontade que tivesse, vinha me desejar seus sentimentos ou forças. Eu não queria seus sentimentos, já estou repleto dos meus. Guarde o seu para você e me deixa aqui, definhar até quem sabe morrer junto. Não quero saber de deus, de jesus que habita meu peito, de nada disso. Se existisse de fato um outro plano, a gente já saberia. Acabou aqui. Minha vó morreu. Seu cérebro simplesmente decidiu que era hora de parar, os órgãos pararam junto e agora resolveram que não deveriam mais funcionar e sim, comê-la de dentro pra fora até que nada mais se reste.

Não tem lado de lá. Parem de me abraçar. O único abraço que eu quero ter agora é o único que não posso ter. Seu abraço nojento só me lembra desse maldito luto, desse maldito fantasma, dessa maldita sombra que vai me acompanhar pro resto dos meus dias para me lembrar que minha vó não vai ver eu terminar uma nova faculdade, que ela não vai estar no meu casamento, na festa de um ano do meu filho e nem vai conhecer minha primeira casa própria. Não vai. Nem do plano de lá porque simplesmente isso não existe. É fábula para consolar quem fica. Nós. Os vivos com um fantasma pesado e insuportável do luto.

E você sabe que é maldoso, querido luto. Mais maldoso que a própria morte. Você faz aquele primo meu que eu não falo há anos, que eu amava falar mal com a minha vó, esquecer nossas diferenças ao lado do caixão e vir me abraçar desejando força e pêsames. Para o caralho com seus sentimentos. Você não sabe o que estou sentindo porque no segundo seguinte, você está fora da capela, ABRAÇANDO A SUA VÓ, VIVA, ALI, DO SEU LADO, CONVERSANDO. Eu sei que você pensa: coitado do Gabriel, ele não pode mais fazer isso, mas, que bom que eu posso. Antes ele do que eu. Antes a vó dele do que a minha.

Eu sei que você pensou isso. Eu mesmo já pensei isso em outros velórios: que pena, perdeu a pessoa. Mas que bom que eu não perdi ninguém e posso ir embora desse pesadelo de energia densa para o abraço daqueles que eu amo.

Até que eu não pude ir embora mais.

E todo dia pra mim é o mesmo dia. A maldita segunda-feira 12. Ou a maldita noite de domingo, dia 11.

esqueci como respira
Autorais, Livros

Esqueci como respira

uma semana que eu esqueci como respira.

o processo de luto é muito peculiar. me pego várias vezes fazendo planos sem lembrar que minha vó se foi. em outros momentos, escuto a ligação da minha mãe me dando a notícia e o ar sumindo. de vez em quando parece que não tem mais ar pra respirar. e depois passa.

biel, a vokinha morreu. infartou.

depois vem a saudade boa. as lembranças boas. e então, parece que o ar vai faltar novamente. o ar parece que não preenche os pulmões. e eu volto pro início desse ciclo. eu sempre soube. mas jamais estaria preparado.

Leia ouvindo: Oceano, Mc Tha

tem horas que a saudade aperta tanto que não dá pra respirar. é engraçado porque moro longe da minha vó há alguns anos. mas, agora saber que nunca mais vamos nos ver nessa vida é sufocante, torturante.

em horas que estou distraído e penso: meu deus, preciso comprar uma caixa de skol beats para o natal. aí lembro que não preciso de uma caixa esse ano. minha vó não vai estar lá pra beber igual água comigo e sozinho não bebo tanto.

essa lembrança que assombra da ligação da minha mãe me dando a notícia é a pior. é ainda pior que entrar naquela sala minúscula do iml pra reconhecer o corpo. é ainda pior que ver que sim, era minha vó ali. ainda quente com as bochechas coradas.

biel, a vokinha morreu. infartou.

só não é pior que perceber a impotência e a impermanência da vida. ali, não tinha nada que pudesse ser feito. nenhum dinheiro no mundo, nenhum querer no universo, nenhuma simpatia, magia, misticismo ou medicina poderiam reverter.

a hora tinha chego. o meu ar tinha ido. e o apesar de pesava. pesava muito. o ar pesava muito. parecia chumbo nos pulmões. e o sangue ainda corria. não podia ser um engano? médicos também se enganam. ninguém morre assim, né? do nada. sem reanimar. sem nada.

como que pode isso? como que pode não ter nada na medicina que possa ser feito? tanta tecnologia, tantos anos de estudo e nada pode ser feito? eu tenho que aceitar? como se aceita o inaceitável? como se aceita o peso da ausência física eterna?

como se aceita o entender que minha vó nunca mais veria eu me formar. eu ter um filho. eu envelhecer. como se aceita o conformar de que eu nunca mais vou comer aquele frango frito que só ela fazia? como substituo os verbos no presente pelos verbos no passado?

como deixar algo no passado que eu quero que faça parte do meu presente e do meu futuro? como? como existir em um mundo onde não se existe mais? onde nunca mais poderemos rir, fazer planos e até se desentender, brigar?

como existir sem a existência física? como respirar esse ar pesado, irrespirável, sufocante? eu não sei.

esqueci como respira.

por enquanto, vou tentar me lembrar como se respira.

Sempre tudo em mim sorri
Autorais, Livros

Sempre tudo em mim sorri

Lhe escrevi da última vez no ápice da minha angústia. Desabafando sobre uma perda que eu não sabia se aconteceria. Pois é, não aconteceu. Mas, eu estava sendo forte por fachada porque simplesmente eu precisava. Aquela história de passar uma força que não temos. Agora, cada parte de mim sorri.

Mas hoje, lhe escrevo de uma maneira totalmente oposta. Estou no ápice da minha felicidade. É impressionante como ele me faz feliz, sabe? Poucas vezes me senti assim na vida. Talvez nunca. É tão bom tê-lo comigo. Eu o amo tanto, sabe? Muito. Cada coisinha. Amo vê-lo concentrado, sorrindo… Ah, que sorriso. Seus olhos são algo em que me perco fácil. Meu coração falta capotar. Tê-lo abraçado a mim me faz sentir como a pessoa mais feliz do mundo. Mais forte, capaz de qualquer coisa. Eu estou convicto de que o amo mais que tudo mesmo. Sempre estive, presumo.

+ Escuridão do cósmico segredo, Gabu Camacho

Ele é meu primeiro e último pensamento ao acordar e ao dormir. Ao tomar uma decisão. Ao fazer qualquer coisa. É bom ser feito feliz. Nunca tinha ficado nesse estado antes. Acostumado a ser fechado e triste, estou no meu ápice. Por favor, me deixe ficar assim pra sempre.

Porque não quero nada menos que isso com ele. Porque sempre tudo em mim sorri. Tudo. Cada célula deve sorrir, porque, mesmo que eu deva, não consigo ficar triste. Bate aquela saudade sempre, mas é impossível ficar mal tendo ele comigo. E sabe, eu o amo tanto… Daquela maneira que saem lágrimas dos meus olhos ao dizer. É grande, sim.

Parece que nunca terei perdas porque ele é suficiente para suprir qualquer coisa que eu precise. Dizem que existem dois tipos de amor: aquele capaz de incinerar o mundo e aquele capaz de erguê-lo em glória mesmo após a incineração. O meu, poderia ser erguido em glória mesmo após a incineração.

Sim, estavam certos: amor é pezinho.

Autorais

Autoria: Conexões

O amor é mesmo um negócio complicado. Digo isso porque todas as vezes que achei que agora vai, nunca foi e para ser bem sincera meus romances dão marcha ré e caem direto no precipício. Se alguém sobrevive, esse alguém não sou eu. Pelo menos não imediatamente, leva um tempo para a cicatrização completa do coração.

Até aqui você deve me achar uma exagerada (e talvez seja), mas tudo começou quando Ele, vou chamá-lo por uma forma mais impessoal, me mandou direct. Conversamos durante um mês. A conversa fluía muito bem, tem pessoas que você mal conhece e já tem conexão rápida como se conhecesse há anos.

Depois desse mês apenas no virtual marcamos um encontro. Era a hora de tirar a prova dos nove, saber a realidade nua e crua, tal qual como ela é. Engraçado pois a conexão continuou e durou pelos meses seguintes. Quase um ano.

Vou pular os detalhes da parte que deu certo e focar na obscura. Lembra que esse texto é sobre o que deu errado, né?! Iremos logo aos episódios em que a Bela adormecida acorda e descobre que o príncipe encantado nunca existiu.

Marcamos de sair em um domingo a tarde, iríamos ao cinema e posteriormente, lancharíamos na praça de alimentação do shopping. Esse foi o nosso ritual de praticamente todos os domingos desde que nos conhecemos. Quando a ida ao cinema não acontecia, ficávamos em casa para fazermos nosso programinha de casal. Mesmo sem a relação oficializada, eu nos considerava um casal. Além de exagerada, vejo coisas onde não tem.

Porém naquele domingo senti um clima estranho, Ele estava distante. Pressentia que algo estava por vir. Depois do filme, sentamos para lanchar e foi aí que descobri toda a verdade. Ele estava apaixonado por outra garota, difícil ouvir que já saíam há meses também, ou seja, ao mesmo tempo que comigo. Se você não entendeu o porquê dessa conversa ainda, te digo, Ele me dispensou naquela tarde. Sem demonstrações afetuosas, vi um completo estranho sentado a minha frente.

Trágico? Muito, porém aguentei e só desabei quando estava em casa. Apesar disso, ainda me resta um pouco de orgulho para evitar vê-lo me olhar com piedade. Dói saber que foi uma despedida fria que romperam as conexões que quiçá existiram. Um dia essa dor cessará e ficará somente as lembranças. Ainda bem.

tesouro
Autorais

Autoria: Tesouro em mãos erradas vira frangalhos

Há muito tempo o amor vem salvando vidas, primeiro salvou a minha, depois a sua e por fim, a nossa. Três pessoas na conjugação, uma na conexão. Nossa relação provou que é possível transformar frio no quente, tempestade em calmaria e pretensiosamente, até logo em quer ficar por toda a vida? .

E aqueles sentimentos antes organizados de forma confusa surgiram recolocados em caixinhas, em um leve balanço tudo se encaixou. Foi calmo, foi suave. Sem forçar a entrada e muito menos a permanência, você quis ficar e ainda ser diferença por onde muitas cópias fizeram uma infeliz estádia.

O motivo pela sua permanência tem nome e sobrenome, é o amor. Como disse ele nos salvou, primeiro o amor por nós mesmos porque não se pode dar algo que não se tem; e depois, o amor um pelo outro porque não se pode amar alguém que não esteja na mesma sintonia que a sua. O amor tem disso de equivaler as sintonias, os corpos, as almas. Foi ele que te fez chegar sereno e ter moradia fixa e própria no meu coração.

Quando te contei minha vida, por onde e quem foi andarilho, você não me julgou. Pois o amor não julga, cura. Não podia ver algo na vitrine de uma loja qualquer, que levava porque me lembrava você, mesmo que não houvesse nenhuma data em especial. Às vezes vejo seu rosto por aí e isso não chega nem perto dos delírios que sentiria se não estivesse ao meu lado. Doses de amor nunca são demais.

No amor se sonha e se acorda acompanhado. Há quem diga que o amor é muito mais sobre como a gente se enxerga ou tem guardado em um potinho no coração, descrito como o sentimento mais precioso que se pode ter. Essa preciosidade precisa ser moldada e bem cuidada. Tesouro em mãos erradas vira frangalhos. Mas amor também é afrouxar o laço e deixar ir mesmo que a vontade de ter por perto seja maior. No fim, amor é mais contradição que qualquer outra coisa.

Autoria: HomemLiteratus - a arte de criar
Autorais

Autoria: HomemLiteratus – a arte de criar

A liberdade é seu jardim secreto. Sua pequena conivência para consigo mesmo. Um sujeito preguiçoso e frio, algo quimérico, razoável no fundo, que malandramente construiu para si próprio uma felicidade medíocre e sólida, feita de inércia, e que ele justifica de quando em vez mediante reflexões elevadas. Não é isso que sou?

Jean-Paul Sartre

O Sol está lá fora,

Manhã de sexta-feira. É verão e o sol está brilhando no céu dos homens. Os pássaros regorjeiam nas copas das árvores, libélulas sobrevoam a superfícies de pequenos lagos e um jovem tenta escrever o que se pode escrever de algo que é escrito por pessoas que gostam de escrever. Tudo está conforme a atuação da lei natural, segundo a Equação Geral do Universo Filosófica: “enquanto alguns vivem, outros refletem sobre a justificativa do por que viver”.

Pensar em arte é pensar na capacidade que o homem tem de expressar simbolicamente o abstrato, metafísico. E se há relação entre o sentimento e a obra, pode-se apreender de uma relação existente entre a realidade da obra literária, e a realidade do autor – aquela em que nós chamamos ser a nossa realidade, marcada pelo tempo – sol, lua, números representando horas e minutos; pelo convívio social.

O homem é explicado/construído/elucidado sócio- histórico e antropologicamente, noções essas que podemos acentuar como desinências de realidade.

Sistematizar esse primeiro conceito que foi tematizado, é mister entender que essa questão entre criador e criatura não se separa, porque o criador é envolvido por uma certa fenomenologia para que a inspiração opere para ser formada a criatura.

Mesmo sendo eu autor, mas evocado por um pseudônimo, não nega essa afirmação. Pois, o narrador é constituído como uma entidade ontológica psicológica e não física.

Todavia, esta análise propõe com o objetivo de especificar, como por exemplo, o arquétipo dado nesta introdução “expressão fraternal existente entre criador e criatura”, para explicitar com mais acessibilidade um dos focos de discussão deste ensaio, que é a mimésis, a imitação.

Nós leitores, passamos a compreender que a realidade de uma obra literária é ficcional, mas essa ficção, de certa forma, é oriunda de uma realidade, a de quem escreve.

PS: Tratemo-nos em começar a segunda parte da discussão relendo a crônica: “Homem” que serve para ilustrar a dimensão homem e as suas complexidades

Assim como Ralph Linton (1965) argumenta em seu arquétipo ‘antropo-sociológico’ O Homem: Uma Introdução à Antropologia – metamorfoseando tal pensamento em uma linguagem mais poética – a não ser que a ciência se enquadra em um sistema de teorizações equivocadas, a espécie humana, o homem, não se caracteriza como anjos caídos, mas como animais aperfeiçoados.

Seres constituídos biologicamente de células – corpúsculos bioquimicamente preparados para perfazerem sistemas de vivência e sobrevivência através de minúsculos compartimentos denominados organelas celulares que, possuem individualmente, no interior da célula, alguma atividade em particular – ao se agruparem, dão existência a tecidos que, por sua vez, formam órgãos que constituem sistemas e, por final, resulta em um organismo vivo.

Por conseguinte, coloquemos as ironias a parte desta discussão, e questionemos o retrato realizado pelo texto literário ao descrever uma tripartição no homem: corpo, consciência e o livre – arbítrio. Dissecar o corpo e discutir sobre sua função, composição, nutrição é por demasiado menos complicado. Não é presunção de minha parte não reconhecer a luta incansável do homem em buscar conhecer a ciência e colocá-la como sua fiel escudeira na formação de idéias e opiniões, desfazendo de sua importância e descaracterizando o seu lugar no ranking de necessidades da comunidade homem. Mas a discussão desse ensaio não é essa. O objetivo é traçar uma opinião, um perfil de atividade psicológica e não orgânica.

Afinal, conhecemos a sociologia, filosofia, antropologia, cosmologia contemporânea, filologia e outras logias que o ser humano tratou de separar corpus de pesquisas e atribuir-lhes nomenclaturas, significações e lugares na rede da ciência, como descreve Rubem Alves ao discutir o que é científico e não científico.

Autorais

A gente se acostuma com o que não deveria

Volto de Fortaleza, logo o avião pousa no aeroporto de Guarulhos. Adoro esse aeroporto porque ele joga na cara de paulistano e de quem mais desembarcar, a realidade da selva de pedra. Dura realidade. Dura mesmo. Dura de dar dó. Talvez seja por estas bandas que o absurdo tomou formato literal, um absurdo destruidor de essências humanas. Mulheres de salto em calçadas desniveladas. Homens de terno e gravata sobre o calor do asfalto. Gente sofrendo de falta de vitamina D e excesso de ansiedade. Tá certo isso? Alguém me responda, por favor! Tá certo esse troço todo?

E se a gente combinasse de abrir a janela para deixar o sol entrar? E se a gente combinasse de dar uma volta no parque, podemos até dar as mãos, se você quiser. Quanto tempo faz que você não  alonga seu olhar até a linha do horizonte? Maior tempão, aposto. E se a gente entrasse no mar de roupa? Estava pensando em raspar meu cabelo, raspado de máquina… sei lá… só pensando.

Sabe aquela fila enorme que a gente pega para tomar café? Então, eu decidi que não pego mais filas para commodities, quero fila de gente feliz, quero fila para pegar dedicatórias em livros e não para tratar de problemas bancários. Decidi também que eu tiro os sapatos em baixo da mesa, decidi que repito o prato se estiver com fome. Decidi também que não escondo mais minhas tatuagens em entrevistas de emprego, não escondo tatuagens e não escondo lágrimas de tristeza. Dou gargalhadas, desculpe, mas tenho acesso de riso, indelicado é ficar com cara de marra. Tem aquela cicatriz enorme na minha mão, também ficará a mostra, sinto se te incomoda, mas hoje ela é mais eu do que qualquer parte de você. Decidi que não me acostumo mais com o que não deveria.

E se a gente voltasse a dizer “eu te amo”? Quero dizer, falar olhando no olho, nada de <3

Topa? Acho que seria legal a gente se reencontrar.

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Onde estão os nossos poetas marginais?

Nos anos 70, um grupo de jovens poetas inspirados pelo teor subversivo da poesia tropicalista, em atitude contrária aos padrões mercadológicos das editoras, começou a publicar suas obras em folhetos e até pendurados em varais, afastando-se do formalismo dos artistas da época e trazendo a tona o combate ao sistema padronizado e o debate político propiciado pela literatura. Seguindo uma contracultura expressiva dos anos 60, os autores dessa geração, dialogando com os poetas modernistas de 1922, fomentavam uma poesia primeiramente de cunho social e uma literatura incisiva, tornando-se os rebeldes que a ditadura censurava e os escritores que o mundo precisava ouvir. Sem rimas, com uma estética desconstruída e quebrando com o conservadorismo da literatura até então, esses artistas clandestinos, chamados então de poetas marginais, não se importavam com o politicamente correto e prescreviam altas doses de realidade para dentro da sua produção literária.

Nesse cenário, Chacal (pseudônimo de Ricardo de Carvalho Duarte) surge como um dos principais expoentes dessa literatura furtiva.

PREZADO CIDADÃO

colabore com a lei
colabore com o light
mantenha a luz própria

(CHACAL, 2007, p. 355)

Suas poesias, frequentemente minimalistas, contestavam o padrão de vida vigente, criticando a falsa simetria e o conservadorismo da ditadura de 1964.

EXP 

mal vc abre os olhos
e uma voz qq vem lhe dizer
o q fazer o q comer
como vestir

todos querem se meter
numa coisa que só
a vc compete:
viver a sua vida

deletar, destruir, detonar
esses atravessadores

a vida é uma só
e a única verdade
é a sua experiência

não terceirize sua vida
viva viva viva
essa é a sua vida

(CHACAL, 2007, p.106)

Simbolizando o quanto somos apressados nesse novo mundo de tecnologias com as abreviações dos substantivos presentes no poema, Chacal reflete sobre como a vida na verdade nos é imposta em vez de naturalmente vivida. Somos constantemente bombardeados com regras e normas (que geralmente não satisfazem a todos igualmente), acreditando que apenas assim poderemos viver harmonicamente em sociedade.

O apelo da contemporaneidade é esse: a literatura como instrumento de reflexão. Onde foram parar os nossos poetas marginais, que se escondem por de trás de tanta literatura rasa e sem motivo? Onde estão os contestadores dessa gaiola invisível que chamamos de sociedade?  Por onde andam os poetas desnudos dos padronizados formalismos para questionar os preconceitos velados e as ditaduras diárias sob as quais vivemos?

Um poeta para empoderar mulheres, destilar o racismo, o machismo e a homofobia para os quais fechamos os olhos e preferimos não ver. Onde estão os poetas que vão escancarar o que há de feio e grosseiro nesse mundo de amarras sociais, políticas e religiosas? Só nos resta esperar a clandestinidade virar roda de debate.

Colunas

Quem é Jéssica?

Você sabe quem é Jéssica?

Jéssica é todo mundo que nasceu e cresceu num mundo feito para mostrar que a Jéssica não é gente e tem é que, como dizia Gonzaguinha, “aprender a abaixar a cabeça e dizer sempre ‘muito obrigado'”. Jéssica é todo mundo que nasceu e cresceu nesse mundo, mas, por um motivou ou por outro, acabou aprendendo que, na verdade, é gente, sim, e tem mais é que erguer a cabeça.

Jéssica é o pobre no avião, o negro na universidade, a mulher que não fica calada com o abuso, a pessoa trans que exige o uso de seu nome social, a lésbica que joga na nossa cara o problema do estupro corretivo, o gay afeminado que se recusa a ser alívio cômico, a gorda que usa biquíni, o cadeirante que exige rampas, o cego que exige cardápio em braile, os dois meninos que dão as mãos, as duas meninas que dão um beijo, o bissexual que manda à merda quem o chama de confuso, a praticante de religião de matriz africana que não tem vergonha de falar de sua fé, a feminista negra que se faz ser ouvida…

A Jéssica é toda essa gente e muito mais. E a Jéssica incomoda, sim. Ela entra na piscina e come o sorvete e não acha estranho quando a patroa bota a mesa para ela e ainda passa no vestibular quando o filho da patroa não passa. E a Jéssica vai passando e vai sendo uma sambada na cara a cada instante, um soco no estômago por minuto, um tapa na cara por milésimo de segundo.

E aí, pode ter até alguém que vire e fale assim: Já acabou, Jéssica?

Mas ah, meu bem, acabar? A Jéssica está só começando! Vai vendo!

Como dizem no futebol: Deixou chegar, agora aguenta!

Texto por Renan Wilbert.
Publicado originalmente no Facebook. Permissão concedida para postagem no Beco Literário pelo próprio autor.