Mais de 700 mil pessoas decidiram tirar a própria vida em 2019, número superior ao de mortes por HIV, malária, câncer de mama e homicídio, de acordo com o último levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, foram registrados 12.895 casos em 2020, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Para os sobreviventes enlutados, termo criado por especialistas para se referir a quem enfrenta o suicídio de um parente ou amigo, o sentimento de perda foi agravado durante a pandemia, diante das restrições impostas para evitar a propagação do vírus.
+ A Covid e a impossibilidade de viver o luto
No atual cenário, o processo de luto tem sido ainda mais difícil, como explica a psicóloga Luciene Bandeira, cofundadora da Psicologia Viva, maior empresa digital de saúde mental da América Latina e integrante do Grupo Conexa. “Isso acontece, principalmente por causa de dois aspectos: distanciamento social e velórios limitados a poucas horas de duração e ao máximo de 10 pessoas presentes. Dessa forma, quem está enfrentando essa situação acaba se isolando e sente que faltou uma homenagem e despedida mais simbólicas ao ente querido”, ressalta.
Ela apresenta quatro especificidades que os sobreviventes enlutados enfrentam e que os diferenciam em relação à dor que envolve outros tipos de morte: sentimento de culpa, procura por justificação, estigma social e abandono. Esses fatores podem causar depressão, desenvolvimento de transtornos mentais, queda de produtividade, dependência química e desinteresse em sua própria vida.
Diante disso, Luciene destaca a importância da posvenção – cuidados e intervenções aos sobreviventes enlutados. Trata-se de uma forma de identificar e valorizar aspectos de proteção que possuam maior influência sobre os indivíduos, como senso de responsabilidade com a família; laços sociais bem estabelecidos com parentes e amigos; estar empregado; ter crianças em casa; capacidade de adaptação positiva; além de acesso a serviços e cuidados de saúde mental.
Esse último ponto, por sinal, tem crescido consideravelmente nos últimos dois anos. Por recomendação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), as terapias presenciais passaram a acontecer na modalidade on-line, durante a Covid-19, visando à segurança de pacientes e psicólogos. A medida contribuiu para que mais pessoas se sentissem à vontade para procurar ajuda profissional, acredita Luciene. “Percebemos que os pacientes têm se sentido mais seguros e confortáveis em expressarem suas emoções, estando no ambiente doméstico. Eles não ficam expostos aos riscos de contaminação e também têm mais flexibilidade de horários”, completa.
Luciene acrescenta que o luto é um processo individual e não tem tempo específico de duração, pois cada um reage de maneira diferente e sua resolução envolve ressignificações em relação à perda, aceitação da condição e adaptação ao novo contexto. Para lidar com a ausência do ser que partiu, além da terapia, ela sugere algumas dicas, como buscar grupos de apoio organizados por profissionais e/ou pessoas que vivenciaram o luto; realizar rituais de despedida ou homenagens que acalmem o coração, caso a pessoa se sinta confortável para isso; participar de projetos de voluntariado; escrever conteúdos que possam contribuir com outras pessoas na mesma situação; compartilhar os sentimentos, entre outras.
Comentários do Facebook
Sem comentários