Conheci Ricardo & Vânia há algum tempo, por intermédio da minha amiga Stephanie. Na época, por algum motivo, entramos no assunto do livro, Ricardo – antes conhecido como Fofão, personagem caricato da Rua Augusta. Eu não sabia da repercussão da sua matéria no Buzzfeed, não sabia sequer de sua história. Mas já tinha o visto em uma das minhas passagens por São Paulo, a trabalho.
Não sendo de São Paulo, quando o vi, eu achei curioso mas não sabia que era uma figura tão caricata da cidade, que era tão conhecido por todos. Li a matéria do Buzzfeed durante alguns dias, era extensa e eu aproveitava os intervalos no meu trabalho para entender aquela história. Sentia um misto de querer saber tudo com ler com cuidado pra não acabar logo e não apreciar da forma correta. Sequer sabia sobre o jornalista que a escrevera também.
Tempo depois, Stephanie virou amiga do autor e me indicou o livro variadas vezes. Numa dessas indicações, resolvi comprar o e-book e jogar no Kindle, pra ver quando eu teria tempo de ler. Acabei na mesma semana.
Ricardo & Vânia conta a história do Fofão, apelido ofensivo que ganhara e quase virou seu nome, mas felizmente não virou e esse livro traduz perfeitamente o porquê e o porquê de nós, jornalistas, temos que cumprir nosso papel social. Seu nome é Ricardo Correa da Silva. Circulava pela rua Augusta há 20 anos, anônimo por muitos (exceto pelo apelido), onde panfletava, pedia esmola e às vezes, assustava algumas pessoas com o seu jeito, para não dizer aparência.
O que a gente não sabia, ao ver aquela figura, é que Ricardo foi um cabeleireiro disputado nos anos 70 e 80, mas que sua história foi ao céus ao mesmo tempo em que atingiu o inferno. Frequentador do underground, esquizofrênico, drag queen, artista de rua e muitas outras coisas, Ricardo chegou do interior e viveu sua vida no auge, por muito tempo, atendendo famosas e a elite paulistana.
Sua história, sobretudo a sua relação com o silicone que injetava na face, é curiosa. Ele tinha a obsessão pela fama, ao mesmo tempo em que sua doença o fazia acreditar que já era muito famoso (o que não deixa de ser uma verdade) e Chico consegue ir fundo na sua história e trazer de volta sua identidade, que há muito havia sido esquecida, inclusive pela família.
Nessa investigação, ficamos boquiabertos com as descobertas ao mesmo tempo em que sentimos raiva e gratidão. Pelo menos eu. Raiva pelo descaso. Ricardo esteve no meio de gente influente e terminou sem ninguém ao seu lado. Ele era indomável, nisso podemos concordar, mas ainda sim abre o parêntese da reflexão por todo o descaso em que passou em vida. Lhe fora negado seu nome, sua identidade, seu status como ser humano. Ricardo, chamado de Fofão, sequer era um ser humano para as pessoas que passavam ao seu lado.
Gratidão pela reportagem de Felitti. Por ir tão fundo e devolver a identidade a Ricardo, por recusar veementemente a chama-lo de Fofão e ir ao infinito para descobrir seu nome. Todos tem um nome e tem direito a ele. Gratidão por não transformar sua história em um espetáculo que faria todos se divertirem às custas de alguém que não está ouvindo a mesma música. E sequer teve uma mão amiga que perguntou se queria que trocassem o som.
Perguntamos onde ele aprendeu a falar línguas. “Eu já corrigi erros de tradução da Bíblia antiga. Quando a Bíblia era transmitida através de mantras.”
Nessa investigação, também conhecemos Vânia, que um dia se chamou Vagner e foi o grande amor da vida de Ricardo. Vânia foi o amor da vida, não para a vida. Ela seguiu em frente, foi morar na Europa e reconstruiu sua vida de incontáveis maneiras. Ela é o contraste e isso que torna tudo tão especial.
Acompanhamos os últimos dias de Ricardo em vida e o recomeço de Vânia, cuja história poderia ser coadjuvante com a história de Ricardo, mas o acaso é algo que não conseguimos prever.
Ricardo & Vânia tem histórias que beiram a fantasia. É incrível reviver tantas memórias, de pessoas comuns, de forma que você para alguns minutos para digerir e imaginar como aquilo pode realmente ter acontecido na vida real, porque a gente só vê em filmes. A escrita de Felitti é leve e te leva na viagem na busca da identidade, junto com ele e sua mãe, personagem presente nas páginas.
É uma leitura que, se ainda não é, deveria ser obrigatória nos cursos de Jornalismo por aí. Não li na faculdade, mas sinto que se tivesse lido, minha visão e relação com as fontes seria outra.
Atrás de cada fonte, há uma pessoa. Atrás de cada pessoa, há uma história, há amores, há desencontros, há acasos. E se é uma pessoa, se é uma história… ela vale a pena ser contada.
Comentários do Facebook
1 comentário
Fiquei interessado! Adorei a resenha.