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Resenha: Orange is the New Black, Piper Kerman

Quando era jovem, tudo o que Piper Kerman queria era viver novas experiências, conhecer pessoas diferentes e descobrir o que fazer com o diploma recém-adquirido da prestigiosa Smith College. Anos depois, com um bom emprego e prestes a se casar, ela recebe uma visita inesperada: a polícia. Piper estava sendo intimada para responder por envolvimento com o tráfico internacional de drogas. A acusação era verdadeira: recém-formada, Piper teve um caso com uma traficante glamorosa que a convenceu a levar uma maleta de dinheiro para a Europa. Piper é condenada a quinze meses de detenção numa penitenciária feminina no meio do nada. Em Orange Is the New Black, Piper apresenta casos curiosos, perturbadores, comoventes e divertidos do dia a dia no presídio. Cercada de criminosas, logo percebe que aquelas mulheres são muito mais complexas do que ela imaginava.”

Orange is the New Black é uma autobiografia feita por Piper Kerman sobre seu envolvimento no mundo do crime e seus dias como prisioneira. O livro serviu de inspiração para a excelente série da Netflix. Então imagine minha surpresa ao descobrir que as duas obras são bem diferentes.

Sim, a essência ainda está lá. Mas, enquanto o livro é exclusivamente sobre Piper, a série expande todo o universo da história para torná-la mais dinâmica e dramática, o que é compreensível, afinal é preciso ter material para várias temporadas. A capa da edição brasileira pode deixar alguns fãs confusos por isso. Se você se interessar pela leitura para descobrir o rumo que a série vai tomar, não se iluda. A narrativa do seriado já chegou a ultrapassar partes do final do livro e é independente.

Alguns acontecimentos foram adaptados com fidelidade, mas alterações drásticas também foram feitas. Vários personagens tiveram sua importância e personalidade alteradas. Se você assistiu, é inevitável não tentar identificar quem é quem, e alguns personagens são fáceis de reconhecer. Entretanto, com a grande quantidade de pessoas apresentadas, fica impossível continuar tentando fazer associações.

Portanto, conhecer a série prejudica apenas em parte a leitura do livro. Claro, alguns acontecimentos da história já serão conhecidos, assim como seus desfechos. Mas as diferenças entre as obras compensam o que já sabemos. Além disso, o livro é cheio de informações mais detalhadas sobre o sistema penitenciário americano, com reflexões sobre o mesmo. E, por focar exclusivamente em Piper, seus sentimentos e emoções são bem mais trabalhados.

A narrativa funciona quase como um diário, usando uma linguagem bem simples. Porém, não é uma leitura rápida. Tudo é bem detalhado e, por mais que não seja um livro grande, com pouco mais de 300 páginas, sua leitura pode ser maçante. Uma dica, principalmente se você não é acostumado ou não tem preferência por obras biográficas, é lê-lo em doses homeopáticas, alternando com outros livros para que não fique tão cansativo.

A construção do ambiente prisional, por sua vez, é muito bem feita. Conseguimos compreender as diferentes angústias e dificuldades que essas mulheres enfrentam em um local tão inóspito, onde não possuem voz e são sempre oprimidas.

“Aqueles homens [agentes penitenciários] detinham o poder não apenas de pôr um fim nas nossas visitas, mas também de me colocar na solitária sempre que quisessem; minha palavra não valeria contra a deles.”

Os personagens são muitos e dos mais variados o possível. Fica até difícil se conectar com alguns deles. A maioria aparece apenas em um capítulo ou é rapidamente citada. Mesmo assim, os que ficam mais próximos de Piper são mais desenvolvidos e já conseguem ilustrar essa variedade que existe no ambiente carcerário.

O mais interessante na leitura é acompanhar a transformação de Piper. O seu crescimento pessoal é quase palpável e é isso que torna o livro tão autêntico e válido para o leitor. Por mais que tenha tido a chance de se preparar antes do encarceramento, o que Piper encontra é uma realidade onde é obrigada a se adaptar, ou não conseguiria suportar o tempo de sua pena (mesmo que pequeno).

E a narrativa vai além das experiências e transformação de Kerman, possuindo também severas críticas ao sistema penitenciário americano. Principalmente no que se refere ao retorno das detentas à sociedade. Muito pouco é feito para que essas mulheres tenham oportunidades após seu tempo na prisão. E isso, sem dúvida, reflete no seu retorno à criminalidade, que acaba sendo a única alternativa possível.

“A lição que nosso sistema prisional ensina a seus residentes é como sobreviver como um prisioneiro, não como um cidadão.”

Ironicamente, por mais que seu relato seja bastante esclarecedor, Piper não passou pelas piores experiências que uma prisão pode oferecer. Pelo contrário, ela foi uma exceção à regra. Afinal, possuía todo apoio de familiares e amigos e nunca ficou desamparada. Além disso, tinha um lugar seguro e estável esperando quando saísse. Até mesmo a prisão onde Piper fica não é tão “barra pesada” como outras. E é exatamente um pouco disso que falta à história. Uma experiência do ponto de vista de quem realmente passou por todos os problemas citados, o que abrange a maioria da população prisional.

E parece que essa visão será possível em pouco tempo. Catherine Cleary Wolters, que foi responsável por introduzir Piper ao mundo do crime e por sua prisão, também assinou contrato para narrar sua experiência atrás das grades. Ela possui muito mais informações de como funciona o tráfico de drogas e foi para uma prisão diferente da de Kerman, onde passou seis anos. Talvez seu lado da história seja mais obscuro. Na série, ela é Alex Vause (Laura Prepon) e sua história é bem diferente da vida real. O novo livro, chamado Out of Orange, será lançado em maio nos Estados Unidos. Torçamos para que seja lançado também aqui no Brasil.

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