Eu gosto do trabalho da Holly Black há muito tempo. Desde criança. As crônicas de Spiderwick foi um dos primeiros livros que li na infância e sempre ficou intacto na minha memória o quanto eu amava a forma dela criar mundos mágicos. Quando saiu O príncipe cruel, fiquei meio relutante. Primeiro, porque ultimamente não me conecto tanto com livros de romance que não sejam LGBTQIAP+. Segundo, porque tinha medo de não gostar mais da escrita da Holly, levando em conta que hoje em dia sou um pouco mais crítico com isso (eu amo as histórias da Cassandra Clare, por exemplo, mas odeio a escrita dela).
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Resolvi dar uma chance para O príncipe cruel na Bienal do Rio, quando descobri que ia entrevistar a Holly. E eu simplesmente devorei o livro em três dias. Voltei para a fase adolescente do Gabriel que deixa de comer, dormir e ir ao banheiro só para ler mais uma página e ainda, de quebra, me tirou de uma ressaca literária de ler ficção fantástica que eu estava há tempos.
“Nós somos filhos de tragédias.”
O príncipe cruel é um livro que conta a história de Jude, uma garota mortal, mudana, humana, que vê seus pais serem assassinados bem diante dos seus olhos e é levada junto com a irmã gêmea Taryn e a irmã mais velha Vivi ao Reino das Fadas. Quando a gente fala de fada, parece aquele mundo animado de fadinhas que voam e só fazem o bem. Se você espera isso, já vai tirando o cavalinho da chuva que o reino de Holly Black, chamado de Elfhame, é onde vive todo tipo de criatura feérica, cortes seelie e unseelie. E é justamente isso que eu mais gosto nas mitologias da Holly: ela brinca com cores de cabelo, cores de pele, características psicológicas e físicas… E isso é difícil de encontrar em livros que falam de seres feéricos.
“Se eu não puder ser melhor que eles, então vou ser muito pior.”
No mundo de Elfhame, Jude precisa entender que nunca será como os outros feéricos. Ela sempre será mortal e por isso, sempre mais fraca, sempre preterida… Mas ela quer conquistar o seu lugar na corte como guerreira. E é nessa jornada que a gente conhece o príncipe Cardan, perverso, otário, ridículo e que faz de tudo pra ela sofrer: desde palavras duras e vergonhosas até a obriga-la a se drogar com as comidas das fadas.
“Ele é uma faísca e você é altamente inflamável.”
O mais incrível da narrativa de O príncipe cruel é que os relacionamentos e afetos são tratados por uma ótica política. É um livro que tem romance, tem descoberta, tem vida, mas acima de tudo, é um livro que fala sobre relações políticas no reino das fadas e é isso que me deixou fascinado. Não preciso nem dizer que o plot twist de enemies-to-lovers de Jude e Cardan também me tirou alguns suspiros, mas isso só foi possível e eu só me conectei tanto com os personagens pela Holly saber manejar justamente as relações frias e superficiais, baseadas em interesses, que os seres feéricos estabelecem entre si e entre os mortais.
“O Reino das Fadas podia ser lindo, mas a beleza é comparável à carcaça de um corcel dourado cheio de larvas se contorcendo por baixo da pele, prontas para explodir.”
O livro tem capítulos curtos (eu amo!) e alguns mais longos que não ultrapassam as vinte páginas. Ele é escrito em primeira pessoa (exceto no prólogo), então conhecemos o mundo pelo ponto de vista da Jude. Apesar disso, não se torna cansativo de ler (como muitos em primeira pessoa). Ele é fluído. De início, você pode levar um tempo para engatar a leitura enquanto você se ambienta com Elfhame e os costumes de lá, mas depois de você passa da página trinta, você só consegue parar quando chega na 300.
“Você não é nada. A espécie humana finge ser tão resiliente. As vidas mortais são uma longa brincadeira de faz de conta. Se você não pudessem mentir para si mesmos, cortariam a própria garganta para acabar com sua infelicidade.”
Se eu já gostava da Holly Black na infância, agora na vida adulta parece que sua escrita e suas histórias me acompanharam. É um livro young adult, que não traz temas infantis como era em Spiderwick, mas também não deixa a desejar em nenhum momento quando o assunto é desenvolvimento de mundo e de personagem. Com certeza, uma leitura cinco estrelas.
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