Ao receber uma tarefa de inglês – escrever uma carta para alguém que já morreu – Laurel não imagina que na verdade vai escrever umas mil. Desde que perdeu sua irmã mais velha, May, Laurel vê sua família ser destruída e sua vida se desestruturar. Enquanto tenta levar uma vida normal e lidar com a saudade de sua irmã (e melhor amiga), Laurel começa o ensino médio e tenta fazer novos amigos, mas na verdade, ela não conhece novas pessoas, ela conhece a si mesma.
É muito estranho lidar com a morte. Existem dois grupos de pessoas com diferentes reações: quem nunca perdeu alguém se encaixa na primeira categoria. Eu não digo alguém que conhecia, digo alguém “de verdade”, alguém que participava da sua vida, que sabia das suas manias, alguém cuja voz você consegue, mesmo depois de tanto tempo, ouvir quando fecha os olhos. Essa categoria acha que a melhor forma de lidar com a morte é não tocando no assunto. É esquecendo, perguntando sobre novas coisas pra pessoa superar. “Superar” também é uma palavra estranha. Não existe superar a morte. Você não supera uma pessoa que estava ali do seu lado e que de repente não está mais. Você não supera as lições que ela te ensinou. Você não supera todos os momentos e as risadas que passaram juntos. Não existe superar a morte.
Da mesma forma que não existe falar sobre outros assuntos e tentar distrair quem perdeu uma pessoa querida. Não há distração, porque na verdade, nós precisamos falar sobre a morte. E essa é a segunda categoria de pessoas: As pessoas que falam sobre a perda. As que precisam saber que outros também sentem falta daquela pessoa que tanto amavam, precisam saber que ninguém vai esquecer ou substituir sua irmã, sua mãe ou seu pai.
“Carta de Amor aos Mortos” foi um livro difícil pra mim, porque me encaixo na segunda categoria de pessoas. Sempre que leio um livro ou vejo um filme que tenha a morte como tema, analiso de uma maneira totalmente diferente, e na maioria das vezes só vejo erros. Vejo como, no final, o protagonista precisa “superar” a perda, como as famílias se reintegram e como todos encontram um par no final, que ajudam a “distrair” a mente de quem está sofrendo. Como, no final, toca uma musiquinha feliz ou uma cena do sol se pondo e as mãos dos mocinhos entrelaçados – para nos dar a certeza de que está tudo bem, e que a morte veio, passou, deixou suas marcas e foi embora. Seria muito legal se fosse assim.
Em “Carta de Amor aos Mortos” eu só li verdades. Teve sim, suas doses de clichê, e de lições como “ame as pessoas enquanto elas estão por perto” que todo livro desse tema parece se sentir obrigado a abordar, mas eu senti que Laurel sentia a morte da irmã em todas as suas faces. Muitos pensam que quando alguém se vai, o maior sentimento que fica é o de saudade. A saudade fica, sim, e ela é enorme. Mas quase tão imensa quanto a saudade é o sentimento de raiva. Raiva de a pessoa ter ido embora, raiva de sentir a solidão, raiva de não ter podido fazer nada, raiva de relembrar os momentos que passaram juntos e a pior das raivas: aquela dos momentos que nunca irão chegar.
Ava Dellaira consegue passar tudo isso na sua escrita: por meio de cartas que Laurel escreve aos mortos que marcaram sua vida: Kurt Cobain, Janis Jopin, Amy Winehouse. É através delas que é narrado tudo que acontece na vida da garota desde que ela perdeu sua irmã, May. Conseguimos sentir, pelas cartas, a raiva, a saudade e a solidão que preenchem Laurel, e como a vida da gente pode mudar de uma hora pra outra. Eu tenho a sensação que a autora perdeu alguém muito especial, porque não imagino “inventar” tanta dor e tanto sofrimento. Não se assustem, “Cartas de Amor aos Mortos” não é um livro depressivo, ele é apenas real, e mesmo lendo tantas coisas tristes, nos enchemos de amor e apreço pela vida. Após a leitura, fiquei bem uns 20 minutos olhando pro epílogo e lembrando de tudo que eu tinha acabado de ler, e sempre que eu precisar, vou pegar o livro na minha estante e ler de novo todas as palavras que me fizeram bem. Espero ansiosa por outros livros de Ava Dellaira, porque ela começou uma carreira melhor do que muita gente termina.
“Você acha que conhece alguém, mas essa pessoa sempre muda, e você também está em transformação. De repente entendi que estar vivo é isso. Nossas próprias placas invisíveis se movem em nosso corpo, e se alinham à pessoa que vamos nos tornar”