Autorais, Histórias

Onde não da pé

Estou desesperadamente há horas te falando que ali não dá mais pé pra mim. E você grita que ali é onde você consegue estar. Que dá pé, sim.

Eu te respondo que pode dar pé para você mas tamanha profundidade não dá pé pra mim. Explico que nadar numa piscina assim depende da sua altura e da sua habilidade. Talvez eu tenha menos altura e você, mais habilidade. Você insiste que não. “Só vem, dá tudo certo.”

Não dá. Eu me afogo e volto pro meu raso. “Não consegui, viu? É complicado pra nós sem altura e sem habilidade.”

“Você não faz do jeito certo”, você grita de lá. “Aqui dá pé tranquilamente. Eu consigo assim, olha.”

Tento de novo. E me afogo pior dessa vez. “Não dá mesmo.” Acho que engoli água com cloro, meus pulmões pegam fogo. A frustração tenta me alcançar e toda aquela água parece tentar sair pelos meus olhos vermelhos.

“Você tem que entender. Se você não entender, não tem como dar certo”, você diz, dessa vez mais incisivo. “Você precisa confiar em mim.”

Tento de novo. Sinto meus pulmões apertarem, acho que entrou água demais. Minha vista tá escura. Alguém me puxa e meu peito encontra alívio. “Não consegui mesmo, me desculpa. Aqui não da pé pra mim mais.”

“Mas dava antes”, você responde. “Acho que você só quer que não dê mais.”

“Mas você me viu tentando. Várias vezes.” Tento fazer minha voz te alcançar.

“Sei não. Eu te expliquei que é questão apenas de você querer. Eu não acho que seja tão grave assim se afogar três vezes. Na quarta você consegue, vai se acostumar.” Você está bravo. “Mas não vou implorar para que venha.”

“Você não consegue voltar pra cá?”

“Consigo.”

“Então por que não vem?”

“Porque cansei de implorar que venha. Não vou se você não vem.”

“Eu não consigo. Meus pulmões doem muito.”

“Você não quer, é diferente.”

“Eu quero. Estou treinando todos os dias para isso, só não deu ainda.”

“Não posso te esperar para sempre.”

“Mas eu estou tentando. Você viu o quanto eu me afoguei agora.”

“Vi.”

“E isso não conta?”

“Eu já disse que não implorarei mais.”

Tento mais uma vez, com empenho. Eu já consegui transpor essas águas até chegar ao lado que não me da pé, eu já consegui antes. Eu sinto a água entrar na boca com força. Meus pés não encontram apoio. Meus braços não tem mais força. Meu pulmão… Não trabalha mais. Sinto um zumbido fino no ouvido. A água agora parece me fazer flutuar.

“Oi???????” Acordo tossindo. Não é ele. É vermelho vivo. “Não fale nada. O que você pensou que estava fazendo?”

“Eu…”

“Não fale nada. Não dá pé para você ali. Você é maluco de ficar tentando? Queria se matar?”

Não. Eu só queria mostrar a ele que dava pé. Ele disse que eu não queria o suficiente. Que eu não conseguia compreende-lo.

Eu só queria mostrar que compreendia, apesar de não dar pé pra mim. Apesar de não conseguir ainda, que eu estava desesperadamente tentando. Meus olhos tentam encontra-lo. Ele me olha negando com a cabeça.

“Eu desisto, viu?” Ele falou movimentando os lábios, em silêncio e veio em minha direção. “Deixa pra lá. Não vou implorar mais pra você vir. Entendi que não quer.”

Tento fazer minha voz sair para rebater. Não consigo e ele volta antes para a piscina.

Ele está agora onde me dava pé.

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