uma semana que eu esqueci como respira.
o processo de luto é muito peculiar. me pego várias vezes fazendo planos sem lembrar que minha vó se foi. em outros momentos, escuto a ligação da minha mãe me dando a notícia e o ar sumindo. de vez em quando parece que não tem mais ar pra respirar. e depois passa.
biel, a vokinha morreu. infartou.
depois vem a saudade boa. as lembranças boas. e então, parece que o ar vai faltar novamente. o ar parece que não preenche os pulmões. e eu volto pro início desse ciclo. eu sempre soube. mas jamais estaria preparado.
tem horas que a saudade aperta tanto que não dá pra respirar. é engraçado porque moro longe da minha vó há alguns anos. mas, agora saber que nunca mais vamos nos ver nessa vida é sufocante, torturante.
em horas que estou distraído e penso: meu deus, preciso comprar uma caixa de skol beats para o natal. aí lembro que não preciso de uma caixa esse ano. minha vó não vai estar lá pra beber igual água comigo e sozinho não bebo tanto.
essa lembrança que assombra da ligação da minha mãe me dando a notícia é a pior. é ainda pior que entrar naquela sala minúscula do iml pra reconhecer o corpo. é ainda pior que ver que sim, era minha vó ali. ainda quente com as bochechas coradas.
biel, a vokinha morreu. infartou.
só não é pior que perceber a impotência e a impermanência da vida. ali, não tinha nada que pudesse ser feito. nenhum dinheiro no mundo, nenhum querer no universo, nenhuma simpatia, magia, misticismo ou medicina poderiam reverter.
a hora tinha chego. o meu ar tinha ido. e o apesar de pesava. pesava muito. o ar pesava muito. parecia chumbo nos pulmões. e o sangue ainda corria. não podia ser um engano? médicos também se enganam. ninguém morre assim, né? do nada. sem reanimar. sem nada.
como que pode isso? como que pode não ter nada na medicina que possa ser feito? tanta tecnologia, tantos anos de estudo e nada pode ser feito? eu tenho que aceitar? como se aceita o inaceitável? como se aceita o peso da ausência física eterna?
como se aceita o entender que minha vó nunca mais veria eu me formar. eu ter um filho. eu envelhecer. como se aceita o conformar de que eu nunca mais vou comer aquele frango frito que só ela fazia? como substituo os verbos no presente pelos verbos no passado?
como deixar algo no passado que eu quero que faça parte do meu presente e do meu futuro? como? como existir em um mundo onde não se existe mais? onde nunca mais poderemos rir, fazer planos e até se desentender, brigar?
como existir sem a existência física? como respirar esse ar pesado, irrespirável, sufocante? eu não sei.
esqueci como respira.
por enquanto, vou tentar me lembrar como se respira.
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