O primeiro livro de uma trilogia, Dharma (Editora Paratexto, 130 pág.) da escritora, tradutora e professora acadêmica mineira Carolina Magaldi, oferece ao leitor um universo em que pessoas são selecionadas e treinadas para manter o fluxo de energia do mundo. A principal forma de evitar um cataclismo é direcionar e dar fluidez à energia emanada por todos a partir de emoções e sentimentos. A operação é silenciosa e realizada à sombra da maior parte da população. A obra, que se assemelha aos melhores livros de ficção e fantasia, pode parecer complexa à primeira vista, mas à medida que as primeiras páginas são passadas, mostra-se lógica, eloquente e cativante.
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O livro é dividido em 12 capítulos intitulados com variações da palavra mudra de origem oriental. “São diferentes mudras, que são gestos comuns às tradições budistas e yogis. Cada um tem um tema, que está ligado aos acontecimentos do capítulo”, explica Carolina. A escolha evidencia a inspiração nas tradições budistas que marcam a obra. No início da história o leitor é apresentado a Jade, uma jovem mulher, protagonista do livro. O enredo tem como pano de fundo a Dharma, o lugar em que as personagens vivem e desenvolvem suas próprias habilidades. A jornada da protagonista tem três momentos-chave: o início da história em que é lhe concedida uma nova missão, em seguida, o estreitamento dos laços afetivos com os colegas da Dharma, e, por fim, a revelação de segredos ocultos e a preparação para o enfrentamento do que tornou o mundo disfuncional a partir de um desequilíbrio energético.
As implicações emocionais desse percurso na protagonista, desde a hesitação, passando pelos medos e receios, e por fim a aceitação dos desafios impostos pelas circunstâncias, revela os assuntos que a autora quis destacar na obra. “Creio que os temas centrais sejam a evolução e o amadurecimento de cada um como algo positivo e natural, perpassando a vida mundana e a espiritual, como algo que se constrói aos poucos”, ressalta Magaldi.
A construção da personalidade de Jade na obra, em contraposição ao estereótipo de gênero visto em muitos livros de fantasia, também é um ponto para o qual a autora chama a atenção. “Há uma distorção no que se entende como personagens femininas fortes, que são em geral masculinizadas, além de personagens de
Se nesse quesito Dharma se afasta dos cânones desse gênero literário, em outros pontos a obra de Magaldi bebe na fonte dos mestres ao criar um universo com leis próprias e arranjos sociais singulares. A inventividade abrange ainda o vocabulário e a inclusão de palavras e termos que não existem no léxico português, como, por exemplo, catalista, que é função que Jade exerce no enredo.
A aposta é sempre arriscada porque ao elaborar um novo mundo é preciso rememorar no decorrer da escrita as engrenagens que fazem aquela história se mover. Magaldi cumpre com destreza esse desafio e o espectador se sente caminhando ao lado da protagonista, mestres e amigos durante toda a jornada, encarando com naturalidade os desajustes entre o mundo real e o ficcional.
Outro ponto que corrobora para essa sensação de pertencimento do
O aumento da tensão a cada capítulo reserva um final emocionante que responde a questões levantadas durante a trajetória do grupo protagonista, ao mesmo tempo em que ascende novos mistérios, empurrando o espectador inevitavelmente para ansiar pelo segundo livro da série, Samsara, que deve ser lançado em 2024.
Ano que vem a autora também estará à frente da versão em português da Kalevala finlandesa, uma coleção de antigas canções populares do país nórdico. E para o final deste ano, há a previsão de lançamento de mais dois trabalhos realizados como tradutora, o destaque é para o Livro de Casos de Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), um dos mais celebrados autores de livros de suspense e mistério do mundo.
Tradutora de mundos: a inspiração que vai do folclore filândes a literatura japonesa
Natural de Juiz de Fora (MG), Carolina Magaldi tem uma longa trajetória acadêmica que soma mais de 15 anos dedicados aos estudos. A escritora possui graduação em Letras – Língua Portuguesa (1998 -2001), Língua Inglesa (1999-2002) e Língua Italiana (2003-2007), é pós graduada em Globalização, Mídia e Cidadania (2003-2004), além de Mestre (2005-2006) e Doutora (2009-2013) em Letras, na área Estudos Literários. Toda a formação se deu como aluna na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) de Minas Gerais.
Em 2015, Magaldi retorna a universidade, agora como professora de tradução literária (inglês/português). Remontar a jornada acadêmica da autora é relevante porque Dharma nasce tanto dos estudos que ela fez enquanto universitária quanto da experiência como docente e tradutora. “Pesquiso épicos folclóricos, que são narrativas de fantasia originadas de tradição oral e registradas na forma escrita durante o Romantismo. Eles são uma fonte de inspiração e imaginação inegável, principalmente a Kalevala finlandesa”, revela a escritora.
No rol dos autores que a inspiraram no gênero fantasia, a autora revela sua preferência pelos consagrados J.R.R Tolkien e Ursula Le Guin. Magaldi cita ainda como referências escritores que denomina de impacto espiritual, como o alemão Herman Hesse e o libanês Khalil Gibran. Esse último, inclusive, a autora indica como influência direta na composição de Dharma, assim como o clássico japonês “O Livro dos Cinco Anéis”, de Miyamoto Musashi.
Dharma é o primeiro romance de Magaldi — antes havia se dedicado à ficção curta, como flash fiction, publicadas em revistas especializadas no Brasil e no exterior, e posteriormente em coletâneas. O processo de escrita do livro
Confira um trecho do livro:
Eram arroubos de energia, mas era ele, em essência e em amor. Naquele espaço, filho da Esperança e da Memória, tempo e espaço não tinham significado, ou mesmo existência. Tudo cabia dentro do presente, único momento verdadeiro e sagrado, que Jade vivenciava pela primeira vez. Era uma experiência de plenitude, que preenchia todos os seus sentidos, menos o olfato. O cheiro que ela sentia não era vindo das memórias (que nem eram dela), nem da mina, nem do assalto aos sentidos que percebia a cada chegada a Ouro Preto. Era um odor agradável, como grama recém-cortada, em um lugar em que nada florescia há séculos. Não vinha da natureza, mas vinha de alguém. Um alguém que tinha sido pego de surpresa por tudo: pelo abraço, pela estratégia, pela conversa no carro, pela batida em sua porta, pelo nevoeiro e pela saudade.
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