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Crônica: O átomo

 

          Tudo passa por ali. A banda, um samba popular, qualquer que seja o você, mas por ali passa. E todos comentam, diga-se de passagem, falam aos montes sobre qualquer que seja o assunto. Logo assim que um tema é lançado, as crianças se jogam como se fosse dia de Cosme e Damião e começam uma briga para decidir quem é quem, e quem, no meio de todos aqueles é o dono da razão. Não existe filosofia capaz de barrar uma mesa de bar. É lá que surgem os grandes escritores, os pensadores de uma época, é na mesa de bar onde se fala sobre política, futebol, amor e economia. É na mesa de bar onde a criatura se liberta, dizendo o que pensa e muitas vezes sendo julgado por isso, mas faz parte da mesa de bar. Faz parte do mundo. É sexista, essa tal mesa de bar, não permite muito a inclusão de outras pessoas, mas também nada apresenta contra elas. Ai, esse discurso já ficou gasto.

          Mas a mesa de bar significa bem mais que uma oligarquia, um conceito antigo de “conversa jogada fora”. Digo pois fiquei surpreso certa vez com uma dessas por ai. Era terça, o sol fazia questão em deixar tudo ainda mais angustiante, as pessoas se estressavam com qualquer erro, xingavam quem quer que fosse. Não era um belo dia. Mas tive uma miragem, avistei, de minha casa mesmo, uma mesa de bar. E lá todo mundo era espontâneo, todo mundo soltava o verbo e ele nem estava no principio, foi posto ali porque era necessário. Alguns até se arrumavam para ir à mesa de bar, eu, vestido da pior forma possível como sempre, fiquei intimidado, mas aquele homem era único ali. Só ele usava terno e gravata (Em uma mesa de bar). Toda a áurea que circundava aquele lugar era bem mais que curiosa, as pessoas não paravam um só instante, um fluxo de assuntos imenso transcorria naquelas mentes. Se você chegasse e sugerisse algo não ficava por menos, tal sugestão entrava na corrente e se misturava ao ritmo da mesa de bar.

           Não precisa beber não. Mas beba. Ou não. A mesa de bar ensina, o bom e o ruim. Mostra que dentro de mundos existem outros, e nesses outros mundos, bem menores, coexistem e por ai vai, até chegarmos ao bendito átomo. Ai está, até o átomo é assunto de mesa de bar. Mas onde estávamos… ah, claro, a terça sem humor. Tudo ao redor da mesa de bar era um caos, um acidente acabara de ocorrer na rua e em primeira mão o dono do bar já contava claramente o que havia acontecido: “O cara vinha na contra mão, a dona não teve culpa, tava acabando de sair da carage, deu ré e pá, voou junto com o outro. O bestalhado capotou, acabou caindo na pracinha como vocês tão vendo, já a dona foi pra o hospital, ela e o marido. O menino que tava no banco de trás, pois é, não tem mais menino…”

           “Morreu?”

           “Porra nenhuma, pulou antes que o outro carro batesse!”

            “Mas perai, menino, deixe de frescura!” fez questão de observar Adão.

           “E eu num to dizendo. Se eu to dizendo é porque é verdade!” continuou o dono do bar “O pirraia, tem uns doze anos, cês sabem, pulou até a outra porta, conseguiu abrir e se jogar pra rua, foi quando o carro bateu e os dois, eu digo os dois, passaram voando por cima do menino. Adivinhe, macho, adivinhe quantos arranhão o menino levou?”

             O bar todo em coro falou:

            “Nenhum!”

            “Como vocês sabem?”

            Ombros se moveram e por essa ficou.

            “Pois então, agora eu vou na cozinha ver se a carne ta pronta. Eu tava cozinhando na hora do acidente!” E lá se vai o dono do bar, para sua cozinha sem visualização alguma da rua.

               Lá do outro lado da rua, consegui ver, mesmo que me esforçasse muito para enxergar (a idade começa a não me fazer bem), quatro mulheres, elas debatiam com todo gosto, gesticulando loucamente. Andei disfarçadamente até um ponto próximo, ali conseguia ouvir um pouco da conversa.

               “Bateu, e com força!” disse uma moça de cabelos encaracolados.

               “Mas não me diga, e o menino?”

               “Disseram que foi pra o hospital, ele ainda conseguiu sair do carro, mas quebrou o braço na queda. Coitado do menino!”

               “Mas não me diga!”

               “Digo sim!” confirmou a outra.

              No fim eu não sabia a quem ouvir, em quem acreditar, mas a verdade é, naquela manhã quem dirigia era meu pai. O moço do carro, o que causou o acidente, nem teve culpa porque foi problema do veículo, minha mãe nem da cama saiu, pegou uma gripe daquelas e eu, bem, eu estava sentado ali, a vista de tudo e de todos, mesmo que ninguém me visse, na problemática mesa de bar.

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