Críticas de Cinema, Filmes

Crítica: Suffragette (2015)

O que você faria se te obrigassem a escolher entre a luta por um ideal ou sua família? Como você agiria após ser espancado e humilhado na frente de todos por conta de sua ideologia? O que você faz hoje, agora, para mudar o panorama preconceituoso e machista? Durante esta crítica preciso que você realiza todas essas perguntas, que se questione várias vezes e no fim de tudo, continue por se perguntar: Quem sou eu? É assim que “Suffragette” atua, é desse modo que o filme produzido por Alison Owen e Faye Ward ganha forma, como um questionador constante sobre a lei e suas artimanhas, sobre aqueles que a elaboram e com que interesses o fazem. É um filme de persistência, de sangue e luta. Não é um filme para acomodados ou para os “está tudo certo”, é um filme para aqueles que escolhem problematizar ao invés de dizer: Sim, senhor! Um espelho das lutas libertárias que atinge o realismo graças aos seus minuciosos detalhes . “Suffragette” é um grito ensurdecedor nutrido de carga histórica, sem anacronismos ou faz de conta, belo por nada menos que sua brutalidade.

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A história tem por foco a entrada da trabalhadora Maud Watts na luta das sufragistas, desde seus primeiros contatos com o movimento até sua atuação na luta. Muita gente acredita que por ser um drama histórico, tendo por base fatos reais, que Maud exista. Na verdade os únicos personagens que ocupam o quadro principal, que são inspirados em personalidades reais, são o ex-primeiro ministro Britânico, Conde Lloyd-George (Adrian Schiller), a líder do movimento,  Emmeline Pankhurs (Meryl Streep) e uma das adeptas, Emily Davison (Natalie Press). Fora estes três, personagens como a própria Maud e Edith Ellyn, interpretada por Helena Bonham Carter, foram criadas para intercalar o que tornou-se história com ficção. É um arranjo sensacional, pois a medida em que o filme passa somos levados a um lugar comum para todo aquele que estuda e/ou atua no movimento feminista, lugar este que não fora muito explorado ao decorrer das décadas, mas que é recorrente quando se fala de sufrágio universal.

Mas voltando para o enredo, lá está Maud, trabalhando em uma lavanderia desde seus seis anos de idade, nascida e criada no estabelecimento, abusada pelo dono, tratada como escória, assim como todas as outras mulheres que ali circulam, ou melhor, assim como toda mulher no Reino Unido. Maud consegue visualizar uma brecha do que pode ocorrer caso uma daquelas mulheres sai dos trilhos machistas destinados à elas desde nascidas, tem um vislumbre do que seja a luta pelo voto por meio de uma amiga da própria lavandeira. Esta amiga, Violet, a coloca em uma posição em que nunca estivera, em certa ocasião do longa, Maud tem voz. Isso provoca um choque de realidade na mulher, lhe deixa abobado com o que pode fazer, com o que deve fazer. E o faz, vai em busca do que sua mãe nunca sonhara em ter (Ou sonhara e nada dissera?), Maud torna-se uma sufragista, mesmo com toda a pressão sobre seus ombros, mesmo tendo que deixar filho e marido para trás, ela ergue a cabeça e vê um futuro desejável. É inspirador visualizar um ser humano descobrindo que pode ser tal coisa, que pode e deve correr atrás daquilo que lhe é de direito.

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A interpretação de Carey Mulligan no papel de Maud Watts é digna sim de Oscar (Academia, que vergonha hein…). Da atriz foi-se exigido muito, nas cenas aprisionadas principalmente, e ela conseguiu corresponder, fez de seu papel aquilo em que ele fora planejado inicialmente, um ponto de referência do movimento. Maud não surge só como mais uma mulher lutando pelo voto, ela é aquele que reúne todos os problemas enfrentados individualmente por mulheres e mulheres que aderiram a luta, a personagem é essa união de questionamentos e ao mesmo tempo a resposta para todos, sendo assim Mulligan conseguiu interpretar com maestria, sobressaindo-se frente à Helena Bonham Carter e Meryl Streep (mas disso não existe dúvida, pois Meryl Streep só nos dá o ar de sua graça durante dois minutos e meio, sim, DOIS MINUTOS DE MERYL STREEP é o que temos, mas vale a pena, e como vale). Meryl Streep faz uma aparição breve no longa, incorporada como Emmeline Pankhurs da cabeça aos pés, Streep faz um discurso apressado mas que rende durante todo o filme, a voz da três vezes ganhadora do Oscar é atemporal e te coloca ali, sob a varanda, louco para ouvir a Sra. Pankhurs falar. O interessante é que a própria Meryl interpretara em 2011 também uma das grandes mulheres da história mundial, mas que se compararmos com Emmeline apresenta opiniões que diferem em muito. Meryl Streep fora Margaret Thatcher em “The Iron Lady”, o que lhe rendera a terceira estatueta. Thatcher se posicionava contrariamente ao movimento feminista, declarando em um de seus pronunciamentos no parlamento que o feminismo “é puro veneno”. Mas vejamos que ironia, tanto no cinema quanto na política, Thatcher só conseguira ocupar o cargo de primeira ministra (COM LOUVOR) por conta da luta antepassada FEMINISTA, mesmo assim, graças à suas ideias neoliberais se colocava nem a favor, nem tão contra ao movimento, opinando só quando lhe cabia. Thatcher e Pankhurs acabaram por ter a mesma atriz lhes interpretando nos cinemas do mundo inteiro, acabaram por serem lembradas como ícones, no mais, temos três grandes lendas em um mesmo local, Meryl Streep é isso, em poucos minutos consegue fazer todo um rebuliço, causar arrepios no telespectador com poucas frases. Você, se não assistiu ainda o filme, vai ficar bestializado quando Streep olhar bem em seus olhos e disser: Nunca se renda.

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A adaptação do ambiente foi muito bem feita, a Londres do início do século XX foi captada de forma excelente, a fumaça como um prelúdio da batalha que se forma a medida que os dias passam, o modo como o interior da casa de Maud fora fabricada é impressionante, até um dos atos mais comuns como saldar o rei, a imagem do rei posta na parede, ganha destaque. O que faltou na adaptação do cenário político-social foi a presença das mulheres indianas, presentes em grande número na luta pelo sufrágio no Reino Unido. Podemos ver entre os atos alguns homens, mas nenhuma pessoa com nacionalidade indiana aparece no longa e isso podemos anotar como um erro, mesmo que não seja de grandes proporções, do filme. Se oculta a imagem de mulher que lutaram do mesmo modo pela causa. Ainda nesta caracterização do cenário vemos as cores usadas pelo movimento, os trajes idênticos aos mostrados em gravações da época, tudo em seus conformes no figurino (QUE FIGURINO). Agora eis um momento, logo no início do filme, em que o grupo que aguardava um anúncio em frente ao Parlamento entoa “The march of the Women”, e meu bom Deus, é de dar gargalhadas orgulhosas, de rir por pura felicidade de ver tudo aquilo, toda aquela beleza reunida em uma só cena. Junto a todo esse clima de guerra iminente, temos uma trilha sonora original que só deixa tudo mais tenso e heroico. Composta por Alexandre Desplat (autor de trilhas como a de “Harry Potter” e de “O jogo da Imitação) a trilha é encantadora, apresenta o clima necessário para o filme, introduz harmonia nas cenas e faz com que algumas situações se tornem bem mais graves do que já são. Se você é assim como eu, viciado em trilhas sonoras, pode ouvir a de “Suffragette”no spotify.

No papel de Edith Ellyn temos dona Helena Bonham Carter, farmacêutica e protagonista do movimento. Edith como foi dito logo no começo dessa crítica, não chegou a existir, mas é de uma presença fora do normal. Carter como sempre empresta seu poderio frente às câmeras para fazer da personagem algo bem melhor do que a roteirista imaginava. E sobre a roteirista temos muito o que falar. Abi Morgan, roteirista de “The Iron Lady”, que já citamos e de “Shame”, filme onde Carey Mulligan também atuara, consegue criar uma rede de histórias transformar-se em uma imensa trama, que deve ser elogiada por todos aqueles que assistirem. Todas as falas estão ali porque são necessárias, só se fala o que é preciso, diferente do que ocorre comumente em alguns filmes, onde temos minutos e minutos da famosa enche-linguiça (Não é, “A 5º onda”…). Antes que encerremos os comentários sobre as atuações, devemos falar de Ben Whishaw que estava meio sumido desde seu filme de estreia, Perfume (2006). Depois daquela atuação muito se esperava de Whishaw, mas o jovem foi sumindo, sumindo… até que aparece como marido em segundo plano em “Suffragette”. Que bela interpretação de Ben Whishaw, conseguiu transparecer o que um homem da época sentiria ao ver a mulher agir de tal forma, o que um homem da época faria, inundado de machismo e conceitos arcaicos, pequena mas notória foi a interpretação de Ben.

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A fotografia de “Suffragette” utiliza alguns efeitos de desfoque, principalmente nas cenas de conflito, como se quisesse provocar um contraste entre o que deve ser exibido e o que está sendo colocado na tela. Tudo em seus conformes na fotografia, recheada de roxo, branco e verde. Cores de luta e empoderamento. O filme consegue se desprender da narrativa histórica convencional em alguns momentos, e isso é bom, não é um relato já conhecido e repetitivo, é uma mistura de tudo isso. São visões acerca do movimento, prós e contras se misturam no longa, vemos as tentativas de impedimento organizadas pelo governo, admiramos o modo como as mulheres de todos os lugares conseguiram burlar tais tentativas, somos telespectadores de uma luta vitoriosa onde sangue e sacrífico foram postos à mesa. Se assiste um tributo às milhares de mulheres que morreram e morrem pela causa, é um filme encorajador e brilhante. Uma produção que ressalta a necessidade do protagonismo feminino na luta, na busca, no ato de se fazer a lei e por ela dedicar esforços inimagináveis.

 

EQUALITY FOR WOMEN

 

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