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Crítica: O quarto de Jack (2015)

Não estou nas melhores condições para iniciar essa crítica, mas penso que mesmo que passem horas e horas, não conseguirei escreve-la do mesmo modo, esse é o efeito que “Room” provoca nas pessoas que o assistem. Um filme feito para devastar e provocar no ser humano as piores sensações, leva-lo aos seus maiores pesadelos, deixa-lo estagnado no chão, sem saber para onde ir ou o que fazer, é uma obra-prima em cada segundo, uma mistura de medo e esperança que engana em seu cartaz, em seu trailer e em toda sua propaganda. Quem leu a sinopse de “O Quarto de Jack”, surpreendeu-se ao assistir o filme, que leu o livro de Emma Donoghue, inspiração para o longa, também ficou atônito ao ver toda a produção. No mais, qualquer pessoa, independente de sua bagagem vital, cairá aos prantos após o primeiro minuto de “Room”, lidará com seus preceitos e visões, será confrontado a encarar o modo que encara o mundo. O mundo e o espaço, sim eles são diferentes, não é, Jack? O quarto, o mundo, o espaço, a árvore. Jack conhece todos eles ao mesmo tempo que não os reconheça, Jack é um pequeno garoto com seus cinco anos de idade. Jack tem uma mãe. E um cachorro que não existe chamado Lucky. Jack é toda a verdade invertida, colocada em um pequeno quarto. Em um pequeno e tenebroso quarto que serve como prisão para Jack e sua mãe, mas não, ele não sabe, ele sabe de muitas coisas, menos dessa, por hora.

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O filme relata a história de Jack e sua mãe, Joy, ambos vivem aprisionados em um “barraco” no quintal daquele que Jack conhece como “Velho Nick”. Todo o longa se passa pela visão de Jack, ou seja, nós vamos descobrindo as coisas aos poucos, junto à criança, mesmo supondo e tendo algumas certezas antes que ele tome conhecimento do que realmente ocorre. Não falarei mais sobre o enredo pois não quero lançar spoilers sobre o filme, você não pode perder as diversas sensações que este provoca só porque não consegui segurar minha ansiedade de querer falar mais e mais sobre tão fantástico filme. O que posso adiantar é que temos uma visão totalmente inocente em primeiro momento sobre o quarto, pois é apenas isso que transparece ser para Jack, todo seu encantamento pela história fantasiosa criada por sua mãe para evitar que ele tome conhecimento do que realmente está acontecendo invade nossa experiência e em certos momentos nos encantamos juntos ao garoto, mas isso são raras oportunidades, pois o real, o bruto, o medo e o terror se espalham na tela a partir que a porta se abre e o “Old Nick” invade o lugar. Causa náuseas e nos faz tremer de ódio certos momentos do longa.

“Room” é indicado nas seguintes categorias pela Academia: Melhor filme, Melhor Atriz, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado. Comecemos pelo último quesito. Emma Donoghue publicou “Room” em 2010, de lá para cá o livro da escritora irlandesa só arranca elogios da crítica, concorrente em diversas premiações, a obra de Donoghue é um achado da literatura contemporânea, o que provoca um clima de tensão na produção do filme. A adaptação poderia arruinar a narrativa literária, poderia ser um erro adaptar livro tão complexo e pregador de artimanhas naqueles que o interpretam. O livro encontra-se indisponível em todas as livrarias e sites do país (ISSO MESMO), de repente “Quarto”, publicado pela Record, some das prateleiras e estantes virtuais. O filme causou um pandemônio nas vendas, primeiro, por que é uma releitura fiel da obra, segundo, por que só deixou os fãs da arte ainda mais curiosos. Não é surpresa termos “Room” sendo indicado a Melhor Roteiro Adaptado. Aqui, em nosso Especial Oscar rasguei elogios ao filme “Carol”, tendo colocado tal como principal favorito nesta categoria, mas errei, e errei bruscamente. “Carol” encara “Room” com olhos estranhos, pois ambos apresentam um potencial incrível para levar a estatueta, mas existe um diferencial no modo como as histórias foram adaptadas: Carol decola da metade do filme para o fim, enquanto “Room” é intenso do início até sua conclusão, chegando a ser desafiador assisti-lo sem tentar fechar os olhos em algumas cenas por medo, nojo, ou impaciência. É revoltante e o roteiro conseguiu captar isso do livro.(Detalhe: A roteirista do filme é a própria Emma Donoghue, ou seja, facilita bem as coisas…) Através da inocência de Jack somos lançados em um mundo totalmente desumano e cruel. Mundo esse que dilacera o telespectador, que se encarrega de nos oferecer um choque de realidade e medo. No minúsculo quarto da tortura e do sofrimento somos reféns da incapacidade, de vermos aquilo acontecer diante de nós e não pudermos fazer nada, absolutamente nada. Inúteis somos a cada cena e nenhum ser humano gosta de se sentir assim.

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A atuação do garoto e de sua mãe são arrebatadoras, comecemos a listar os acertos do pequeno Jacob Tremblay. A voz narrativa do filme é de Jacob, e este oferece toda fragilidade de sua idade para compor o clima de inocência referente a Jack. Seus momentos de felicidade, de surpresa ao encarar os fatos, de ira. É de uma habilidade incrível o modo como Tremblay interpreta, colocando cada sentimento em seu devido lugar, lidando com certas situações que outros atores não conseguiriam encarar. O garoto mereceu o SAG que levou para casa na semana passada, e merece bem mais que uma só estatua, tem um futuro brilhante e podemos ver isso graças ao produto de seus esforços em “Room”. Vibramos com o garoto, choramos, damos as melhores risadas contidas, sonhamos com os gestos da criança e caímos em uma abismo chamado ilusão. Ilusão de que tudo está harmônico, de que se mudar estraga, de que a verdade é o que nos contam e nada mais. Jacob deixou de ser Jacob para encarnar Jack e de uma forma singular, o ator perfeito para um papel desafiador.

Sobre Brie Larson, bem, é indescritível o que a atriz fizera em “Room”, mas vamos devagar e quem sabe conseguimos falar um pouco sobre a brilhante interpretação de Brie. Antes de mais nada, você não reconhecerá Brie Larson de primeira, não achará a atriz no papel, a única parcela de Larson que encontramos neste filme é seu talento, ela está completamente transfigurada, é a garota que passou sete anos enclausurada sendo estuprada diariamente. É a mulher que teve seu filho dentro de um minusculo quarto, que lidou com isso todo miserável dia, que questionou aos céus, única coisa que conseguia ver do mundo por meio de uma claraboia. É o rosto do sofrimento que vemos em cena e isso coloca Larson bem a frente de todas as candidatas à melhor atriz. Dona do SAG 2016, de tantas outras premiações, Brie Larson chega forte na briga e por justa causa, por ser a Joy que o filme exige, temos uma vencedora, senhoras e senhores, temos?

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Todo o cenário, não exclusivamente do quarto, mas principalmente deste, foi pensado de uma forma espetacular. Os desenhos de Jack refletem muito o que ele sente diariamente referente a tudo aquilo, temos, graças aos planos escolhidos pelo diretor, algumas cenas que evidenciam apenas estes, desenhos feitos entre acontecimentos que qualquer criança desejaria esquecer. Entre uma espiada pela claraboia até sequência de estupros bem ali, ao seu lado, mas a mente pura do garoto deixam isso passar, o que nos deixa ainda mais aflitos.

A fotografia de “Room” é excelente. Em alguns momentos ela brinca conosco, por exemplo: Temos várias visões do quarto. Em algumas cenas ele é enorme, pois é assim que Jack o vê, em outras, tornar-se o menos lugar do mundo, tudo isso varia de acordo com o roteiro, produzindo sensações mistas no telespectador, nos jogando naquele lugar. É bela graças a sua realidade extrema. A direção de Lenny Abrahamson também merece elogios, pois cada tomada foi corretamente utilizada, não existe cena desnecessária, não vemos falhas, nada de mais e mais coisas apenas para encher fita até o ápice, nada disso em “Room”, tudo que aparece no longa é altamente necessário para a compreensão da história e a direção de Abrahamson surge para afetar diretamente nisto.

Este é “o filme” da Academia. É aquela obra em que a Academia assiste e sugere logo de cara para melhor filme, não me surpreenderia se levasse a estatueta, ou melhor, tendo assistido todos os indicados a Melhor Filme, aposto em “Room” para vencedor da mais cobiçada categoria da premiação, é merecedor de tal prêmio. É um longa desafiador, que busca em cada cena transmitir mensagens diferentes, que mostra o horror, o que tais situações podem causar na vida de pessoas e mais pessoas. Parece ser pequeno, coisa pouca, por sua propaganda e sinopse, mas é grandioso segundo após segundo, é emocionante e avassalador como nenhum outro é. Entre todos os filmes que a Academia indicara este é aquele que podemos assistir daqui a vinte anos e saberemos o que acontece em cada cena, pois marca todo ser humano, produz sensações agonizantes em quem assiste. É arte brutal o que vemos, arte que imita a tão desafiante vida, um retrato de casos e mais casos mundo a fora. Você não será o mesmo após “Room”, não encarará as pessoas do mesmo jeito, não olhará para o céu como o faz todo dia. “Room” nos arremessa, nos faz deitar no chão frio e chorar, por indignação e repulsa, nos faz comemorar junto ao garotinho em seu momento de glória e por fim, dar adeus. Adeus.

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