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Coluna: Spotlight e sua denúncia sobre o silêncio

Fui ensinado de que existem três coisas que devem e merecem permanecer intocáveis: Política, futebol e religião. Você com toda certeza já recebeu esse conselho, não? Não mexe ai, isso é assunto seleto. Pois bem, eis aquele momento em que cai por terra todos esses costumes e bloqueios e você nota que política é assunto primordial para a vida de qualquer ser humano, futebol é facultativo e religião, bem, religião está por toda parte e a pessoa que se preze deve construir nem que seja um fragmento de opinião sobre isso. Já falamos por meses e meses sobre política aqui, debatemos sobre manobras, modos de se fazer política e sobre tudo o jeito como este país está sendo governado. Hoje não fugiremos da política, infelizmente (ou felizmente?), pois existem aqueles que desejam se apropriar da religião para se alavancar no meio citado. Hoje iremos nos aprofundar nos erros grotescos que ocorrem nas mais variadas religiões, falaremos sobre atos que nunca deveriam ter acontecido, e sobre os que acontecem e continuam por ser varridos para debaixo do tapete. Nossa inspiração? O longa “Spotlight”, indicado pela Academia em 6 categorias no Oscar 2016. Nosso embasamento? A falta de fé e palavra de alguns líderes.

O filme “Spotlight” trás para as telas uma investigação realizada por determinada equipe de uma jornal norte-americano sobre crimes sexuais cometidos por membros do clero da igreja católica de Boston. A partir de poucos casos descobertos de estupros e assédios cometidos por sacerdotes, os repórteres se aprofundam no caso, revelando um escândalo gigantesco, onde mais de cem vítimas foram totalizadas, isso repercutiu mundo a fora e todos nós sabemos a profundidade dos casos, até onde chegaram, como tais atos desumanos invadiram as paredes sagradas da cidade farol do catolicismo, como padres, bispos, cardeais estupraram crianças e passaram despercebidos, foram encobertos pela Igreja. Hoje temos em mente que a praça de São Pedro não só foi lavada por sangue das guerras santas, mas por lágrimas de crianças mundo a fora. O filme é de uma realidade que aterroriza, mas iremos nos conter por hora pois neste sábado uma crítica sobre o longa irá ao ar com detalhes cruciais do filme. Indicamos um outro filme com esta temática, e de certa forma avassalador assim como “Spotlight”. “O Clube” é o título do longa lançado também ano passado que conta como se dá “a punição” destes padres estupradores e criminosos perante a Igreja. Você confere o trailer abaixo:

Antes de nos aprofundarmos neste tema, é preciso dar destaque a algo: A religião é falha. Isto é fato. Não digo que suas escrituras são falhas, que pecam em cada frase, longe disso, ainda iremos falar sobre os livros sagrados pois é necessário de toda forma, mas o que desejamos passar é que a religião, por ser administrada por homens consequentemente encontra um caminho falho, já que homem nenhum é perfeito. No fim das contas, a religião é o reflexo de seus seguidores, e acima de tudo, daqueles que se dizem “Líderes” e comandantes de tal legião. Sobre os abusos sexuais até hoje são contabilizados mais e mais casos semelhantes aos descobertos em Boston, mas o ápice ocorrera durante o papado de Bento XVI. Fora lá que o mundo conseguiu encarar a face manipuladora da Igreja, novamente. O Papa sobre tal situação primeiramente proferiu declarações duvidosas, parecidíssimas com o que tanto fora repetido décadas após décadas sobre os crimes abafados. Após receber acusações de que estava por acobertar ainda mais os criminosos, o Papa remodelou seu discurso, o deixou apresentável ao público: Resumindo, falou o que os fieis e os não-fiéis desejavam ouvir, mas as ações que realmente deveriam ser tomadas só vieram emergir no papado seguinte, com o atual pontífice, Francisco, que por meio de mudanças drásticas na cúpula da religião está encaminhando uma onda de modificações no modo como a igreja reage frente a assuntos como esse. Que fique claro também outro quesito: Não se fala aqui da fé ou dos dogmas da religião, mas sim de seus representantes. Não é intensão nossa reivindicar mudanças nos dogmas religiosos, pois caso isso ocorresse deixariam de ser dogmas. Isto é assunto da Igreja para a Igreja, de determinada religião para esta e só, não cabe as pessoas que estão fora de tal âmbito querer interferir na fé alheia. Mas quando o assunto extrapola e atinge as áreas judiciais e cidadãs, bem, é dever de qualquer um, ateu, espírita, católico ou protestante, agir. Estupros que ocorrem sob o teto sacro não ficam apenas neste, eles em algum momento surgem para aqueles que procuram saber sobre e nenhuma proteção, nenhum abrigo deve ser dado para pessoas que cometem tão horrenda ação. Justiça, é a palavra-chave neste caso e nenhuma batina tem como serventia defender estrupidadores nos tribunais, pelo menos assim deveria ser.

A partir de agora colocaremos o assunto acima, que serviu como guia para onde acabamos de chegar, de lado. Spotlight é uma obra prima e nos apareceu como a ponta do iceberg. Se mergulharmos bem mais fundo veremos uma montanha grotesca de hipocrisias e atos que vão de contra ao que as seguintes religiões pregam. Sem querer, pois estava ouvindo música no youtube, deparei-me com um vídeo interessante e que me causou vergonha alheia de principio, mas após alguns segundos pude observar a gravidade de tudo aquilo. Lá está no vídeo o pastor Marco Feliciano, presidente da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, pregando em mais um dos rotineiros cultos da Igreja. Até ai, tudo bem, nada mais normal que isso, não? Um pastor pregando? Mas o tema até que é engraçado, aos poucos o pastor vai introduzindo uma narrativa cheia de entremeios, com algumas (várias) mentiras nas suas frases, até chegar no cantor e compositor Caetano Veloso. O pastor simplesmente acusa Caetano Veloso de ter recebido auxílio de satanás, o próprio, para a venda de um disco seu que continha a música “Sozinho” (as vezes no silêncio da noite... você conhece). Feliciano neste vídeo que é antigo (2013) mas que comprova a pessoa do pastor, usa dados que para ele e seus fiéis são verídicos para destinar todo o sucesso de Caetano a pactos realizados em terreiros de candomblé. Em uma das partes do vídeo ele faz uma interpretação digna de Oscar para revelar o segredo de Caetano Veloso ter conseguido vender um milhão de cópias, e por fim fala que a força do cantor vem de uma mãe de santo, nomeada Mãe Menininha do Patuá. É ai meus amigos que a coisa começa a virar uma piada completa (já era). Quem conhece o candomblé, ou ao menos um pouco sobre a religião, sabe que um dos expoentes da mesmo é Mãe Menininha do Gantois (que na pronúncia fica Gantuá), veja, Marco Feliciano só precisaria fazer uma simples pesquisa para deixar sua fantasia ainda mais convincente, mas não, é muito trabalho para enganar milhares de fiéis. Esse discurso de Feliciano, ao colocar a Iyálorixá como servidora do demônio, e transformar os Orixás em o próprio satanás adentra na mente das pessoas, chega no ouvido de crianças, pais e mães e as deixa completamente desnorteadas. Em uma sociedade onde o negro é associado a escravidão, e religião negra é associada ao submundo por questões históricas que se transvestem nos dias de hoje para reproduzir o maior nível de preconceito possível, tais palavras vindas de um líder só pode repercutir em algo maior. E infelizmente aconteceu isso. Além do preconceito habitual gerado pelas diversas religiões em relação as de matrizes africanas (que não deve existir), um caso chocou o país há algum tempo. Uma garota, vinda do culto de candomblé, foi apedrejada. Os presentes relataram que os agressores portavam bíblias. Perceba, todo o discurso de ódio reproduzido por Felicianos nas mais diversas igrejas, independente da religião, resultam em atos fanáticos que tiram vidas ou deixam pessoas gravemente feridas. É certo que, como falei, não devemos agir no que condiz a ações internas das religiões, mas é um erro grotesco ficar parado ao ver que os atos de tais religiões em seus templos resultam em uma guerra constante nutrida de palavras de ódio e violência. O amor ao próximo, o respeito, a fraternidade ensinada por Jesus transformou-se em “desrespeitai, odiai e matarás” o teu próximo. Atingimos um estágio de alienação popular que deixa qualquer um bestializado. Voltamos a época em que negros não podem cruzar pontes, em que qualquer cidade do interior ou da capital transformou-se na nova Selma. Sobre esse processo de uso da oratória para enganar milhares com tão pouco, indicamos o filme “A Onda”, que para muitos já é clichê, mas pode servir como um “alerta” sobre determinadas coisas. Confira o trailer abaixo:

Realizando uma quebra no assunto “Intolerância religiosa”, vamos para um tópico que se enquadra muito bem nesta questão de se contradizer. Em Uberaba, centro do Espiritismo no Brasil, ano passado, presenciei uma cena que deixaria qualquer um entendedor da Doutrina revoltado. Nos foi informado que nenhuma loja da cidade estava autorizada a vender material que estivesse estampado com qualquer que fosse a figura relacionada a Chico Xavier (Grande nome da religião não só no país, mas em todo o planeta), até ai tudo bem, os responsáveis estariam preservando a imagem do médium, mas o que ocorreu, neste mesmo dia fomos até o museu destinado a Francisco Cândido Xavier e encontramos de tudo. Bolsa, chaveiro, camisa, caneca, copo, tudo que um bom capitalista iria adorar ver se encontrava no local estampados com o rosto sorridente e sereno de Chico Xavier. O que aconteceu em Uberaba (e ainda deve está acontecendo, não sei, quem for de Uberaba ou passara por lá há pouco, conte-nos nos comentários, estamos curiosos) fora nada menos que um monopólio comercial; realizado por REPRESENTANTES, eu disse, do legado do médium. Homem que pregara o desprendimento das coisas materiais. Trabalhadores de uma religião que tem como eixo principal a caridade e valorização dos bons atos, doutrina que nada necessita materialmente, mas oferece espiritual e fisicamente. Também em Uberaba, nos foi informado que em alguns centro espíritas (entre os mais de sessenta da cidade) falsos médiuns fingiam incorporar o espírito de Chico Xavier, trazendo mensagens descaradamente comerciais, e os homens e mulheres, nauseados por uma fé cega, acreditavam e atendiam as exigências demandadas pelos charlatões. No distrito central da religião no país, atos como esses se repetem e nos perguntamos: O que a religião faz sobre isso? Vou melhor formular minha pergunta: O que os representantes da religião fazem sobre isso?

Recentemente presenciamos a festa de Iemanjá em Salvador e em outras cidades do país. Milhares de pessoas enviando suas oferendas à Dona Janaína. Junto a festa também surgiu um questionamento que há tempos se vem fazendo presente mas que desta vez ganhou maior evidência: Para onde vão esses barcos e oferendas maiores? Vão para o fundo do mar que acaba por ficar poluído com uma demanda gigantesca de material que não dissolve fácil, que vai passar anos vagando por ai ou regressar para a praia. O candomblé tem seu Deus maior, Olorum, criador de tudo e todos. Fora Olorum que criara os Orixás e esses se fazem presente como entidades ligadas à natureza, eles são a natureza. Sendo assim é necessário no candomblé todo um respeito imenso para com a natureza. “Kosi Ewé, Kosi Òrìsà”, em Iorubá significa “Sem folha não há Orixá”, ou seja, sem folha não há nada, sem natureza não existe candomblé, então porque, para o culto a determinado Orixá tanto dano se causa à natureza? Líderes da religião tentam ao passar dos anos transformar os rituais, adapta-lós para a atualidade. Um filme que pode ajudar a compreensão de tal tema é “Jardim das folhas sagradas”. Nele, além da questão já levantada anteriormente, vemos o debate religioso interno sobre o sacrifício de animais nos cultos, assunto esse que não adentraremos pois não nos cabe, como já deixamos claro diversas vezes nessa coluna, modificar dogmas que não afetam a sociedade como atos ilegais e/ou possam causar danos futuros por conta de discursos de ódio ou repressão. Para dar uma olhada rápida no trailer do filme citado acima, clique no vídeo:

Como foi demonstrado, a religião é falha, por ser guiada por homens que em sua plenitude não condizem com as escrituras que seguem, ou nem mesmo em poucas parcelas são o retrato daqueles ensinamentos. Não falamos da fé, pois isso é íntimo, mas é preciso que as pessoas “orem e vigiem”, notem o que está acontecendo de errado e falem, coloquem um basta em certas atitudes que só perpetuam o ódio e o preconceito. A constituição vigente permite o culto livre, então que se faça, sem precisar ser apedrejado por adorar seu Orixá, sem ser ridicularizado por acreditar em fenômenos mediúnicos ou ter como guia milagres relatados em escrituras que para aquela pessoa é sagrada. Não se pode julgar as pessoas por suas vestes ritualísticas ou por comemorarem natal ou Hanukkah. A fé, a crença ou a descrença são pertencentes aqueles que destinam suas energias para tais, não para pessoas que em nada pertencem aquilo, mas existe um limite que não deve nem ser extrapolado por quem está fora, nem por quem está agindo em determinada situação. Não podemos fechar os olhos para estupros só porque existe uma religião envolvida, é ai que todo cidadão deve reunir forças para combater atos criminosos. Ouvir discurso de ódio, na igreja ou fora dela e ficar calado é contribuir para a proliferação deste. Escutar pastor, sacerdote, palestrante ou rabino falar que gay, negro e mulher são seres inferiores e ficar calado é fazer parte do insulto, do preconceito e da monstruosidade nutrida por determinados representantes religiosos. O longa “Spotlight”, nosso amigo que nos fez chegar até aqui, também deixa explícito uma questão básica que muitos de nós temos em mente desde que eramos um feto, e é o seguinte: Não se aposta contra a Igreja. Essa frase é repetida mil vezes durante o filme. Não se aposta contra a Igreja. Não se aposta contra a religião. Bem, amigos, é onde chegamos e por aqui nos despedimos, mas quero dizer: Quando a religião, por meio de seus representantes se mostra errática, bem, se aposta contra sim. Quando se nota que em determinado momento estado e religião são a mesma coisa e que estamos em um labirinto que de “Laico” só tem a placa, é o momento de ir contra qualquer que seja o culpado por tal erro ocorrer.

Neste sábado (10/02) nossa crítica do filme “Spotlight” entrará no ar, enquanto isso você pode ver o trailer e dar aquela conferida no filme.

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