Casamento às cegas é um reality show brasileiro da Netflix, que assim como a maioria, importou seu formato de fora do país. Consiste em um experimento: no início, homens e mulheres conversam entre si em uma cabine, um sem ver o outro. E a partir disso, precisam dar um match e se pedirem em casamento, para que então, possam se conhecer pessoalmente. Essa primeira fase, tem uma vibe meio “Solitários”, exibido pelo SBT há alguns anos. Os homens podem interagir entre si e as mulheres também, mas homens e mulheres só interagem na cabine. A primeira coisa que me chama a atenção nesse ponto é: temos apenas casais héteros e cisgêneros, dentro do padrão.
Depois que os casais se conversam, o experimento de Casamento às cegas vai para a segunda fase: a de formar casais. São cinco que conseguem dar o match e vão para uma espécie de lua de mel, em um resort, com tudo o que tem direito, para que possam se conhecer melhor. Nas conversas das cabines, me lembro de pensar: meu Deus, por que esse pessoal todo não se junta e faz um pacote de terapia? É nítido que a paixão que eles criam pelo outro, é por suas próprias fantasias e projeções. Você compra uma ideia na cabine que já vem de você, mas que parece estar no outro e acredita que aquilo é amor. Depois, na lua de mel, apesar dos primeiros atritos, tudo ainda é fácil. É simples dizer que ama o outro em um resort cinco estrelas, com champanhe e nenhuma preocupação cotidiana.
Na terceira fase do experimento, a coisa começa a ficar complicada: os casais vão morar juntos, experimentar a rotina de verdade de um casamento. Aqui, é o retrato mais real de uma vida conjunta. Os problemas surgem, o jeito do outro incomoda, tudo o que era uma qualidade nas conversas das cabines é um defeito agora… Mas, tudo é em nome do amor, certo? O fato é que é impossível amar o que não se vê e o que não se conhece. Os participantes são movidos pela paixão e pela fantasia que nutre esse sentimento e acham que isso é amor, quando na verdade, amor é escolha, é construção, é ver o outro como ele é. O amor é enxergar o outro despido de nossas projeções e de nossas fantasias e idealizações.
Em Casamento às cegas vemos as pessoas entrarem em atrito por perceberem que o outro não é responsável pelas suas expectativas. Compra-se uma ideia invisível, na cabine, que alimenta de forma não saudável uma ilusão do imaginário coletivo das pessoas. E quando a projeção já está estabilizada, ela é colocada com toda força no colo do outro, que não corresponde às expectativas. Afinal, a expectativa é sempre nossa. Ao meu ver, o programa escancara as vulnerabilidades de seres humanos imperfeitos e, talvez, os faça enxergar que primeiro vem o amor próprio, depois o amor recíproco. É preciso entender que quem segura os seus B.Os é você, e não o outro. O outro precisa vir para somar e essa é uma construção diária e que pode levar tempo.
A mensagem que o reality show nos deixa é que precisamos enxergar a outra pessoa para então, poder ama-la. Quando tornamos o outro invisível, alimentamos as nossas projeções e expectativas e as colocamos acima da pessoa humana real e tangível que está na nossa frente, com erros, acertos, desejos e sentimentos. O outro pode sim, corresponder ao que esperamos. Mas, não é sempre que vai ser assim. O que nós esperamos é fantasia. O que acontece no real é distante do que acontece no nosso imaginário. E é isso que Casamento às cegas nos mostra, de forma tão dolorida, disfarçada de programa de entretenimento.