Categorias

Autorais

Autorais

Autorias: Infindável Outono, Yago Luiz

 Dê play e sinta-se acolhido, afinal estamos todos presos no limbo do Infindável Outono

Cá estou. Escrevendo na tentativa de me libertar dessa constante monotonia que define a minha pseudo-vida. Horas, dias, semanas, meses e anos se passam, mas parecem ser sempre os mesmos. O roteiro da vida parece estar pré-definido, sem lacunas a serem preenchidas. A cada gole de café, uma morte. A cada palavra lida em um clássico livro, um sonho destruído. Expectativas frustradas. Amores emergem e afundam subitamente. Tudo isso justificado pelo grande sonho de consumo da raça humana: a felicidade. Ironicamente, é improvável que você a encontre em uma mercearia na esquina do seu bairro.

O outono está logo ali, tão próximo. Rente a janela são perceptíveis diversas folhas caídas ao chão que variam do vermelho ao amarelo. O meu maior desejo seria ter ânimo em sair e sentir essa brisa matinal consumir o meu ser, mas tudo o que consigo fazer é sentar na velha e empoeirada poltrona que ocupa grande parte da sala, observando o café se esvair, a cada gole, da xícara. E a cena se repete a cada dia.

A realidade em que vivemos pode ser definida por uma única palavra: camuflagem. As pessoas usam máscaras. Todas querem ser protagonistas nessa peça cíclica. As personagens mentem e corrompem para obter êxito. Elas querem sobressaírem.

A realidade em que vivemos pode ser caracterizada por uma palavra: imoral. Confesso que não tenho alento em viver em uma realidade como essa. Entretanto, como diz aquele velho ditado: “A esperança é a última que morre”. Anseio que esse outono triste e vazio passe e que ceda espaço para uma linda primavera que traga consigo todo amor, veracidade e compaixão.

Todavia, enquanto as flores não desabrocham, encontro-me condenado a dias confinado, longe dessa realidade desumana, apenas escrevendo na tentativa de me libertar dessa constante monotonia que define a minha pseudo-vida.

Autorais

Autorias: Dez anos, Rafaela Donadone

Pai,

Pouco antes de você morrer, você me fez uma pergunta. Depois de nos mudarmos, e de eu ganhar um quarto como sempre quis você me perguntou “o que mais você podia querer pra ser feliz?”. Eu, no auge dos meus 15 anos, listei inúmeras coisas fúteis que queria na época e que hoje nem lembro mais o que eram, mas lembro da decepção em seus olhos com minha resposta. Há anos essa pergunta me atormenta, porque queria muito mudar minha resposta. Em minhas orações eu sempre refazia esse momento na minha cabeça mudando o final pra “Eu tenho você e minha mãe, eu não preciso de mais nada, pai. Obrigada”. Acho até que o senhor tá cansado de ouvir isso daí de cima né, pai?


Hoje, se você me perguntasse novamente o que mais eu podia querer pra ser feliz, meu primeiro impulso seria imediatamente dizer “você”. Mas na verdade minha resposta continua sendo “nada”. Eu não preciso de mais nada, porque todo o amor que você me deixou antes de partir é suficiente para uma vida inteira. Obrigada por isso.
Hoje são dez anos sem você aqui. Espero que você esteja sendo feliz em sua jornada e espalhando amor por onde passa. Com saudades,

Sua filha.

Autorais

Vai me fazer sentir?


Leia ouvindo

Eu sou daqueles que sempre diz que nos encontramos quando estamos perdidos. Sou daqueles que dá conselhos e não segue nenhum deles. Conselhos não servem para nós mesmos, né?

Não sei me encontrar perdido. Eu gosto da montanha russa da vida e da sua energia sempre viva. Daquele frio na barriga seguido de arrepio por estar fazendo uma coisa boa. Eu gosto de fechar os olhos e jogar a cabeça para trás e sentir o vento bagunçando o meu cabelo.

Gosto de tomar decisões repentinas. Gosto de me sentir vivo a cada respiração. Gosto de rir como se não houvesse amanhã e acordar dando bom dia aos céus em voz alta. De levantar cedo e sair para caminhar sentindo cada brisa cortar minha pele. Eu gosto de sentir.

Eu gosto de me encontrar todas as manhãs e me perder todas as noites. Gosto de ouvir problemas e resolve-los, já que os meus não tem solução. Gosto de me permitir sentir.

Intensidade. Gosto de sentir intensidade na alegria ou na tristeza. Gosto de 8 ou 80. Gosto de assuntos resolvidos e de brigas solucionadas. Gosto de poder sentir.

Gosto de gente que me faz sentir. Gosto de gente intensa, que não se esconde, que não tem medo do amanhã. Que não tem medo de dizer que te quer independente do que aconteça.

E você, consegue SE fazer sentir?

Autorais

A gente se acostuma com o que não deveria

Volto de Fortaleza, logo o avião pousa no aeroporto de Guarulhos. Adoro esse aeroporto porque ele joga na cara de paulistano e de quem mais desembarcar, a realidade da selva de pedra. Dura realidade. Dura mesmo. Dura de dar dó. Talvez seja por estas bandas que o absurdo tomou formato literal, um absurdo destruidor de essências humanas. Mulheres de salto em calçadas desniveladas. Homens de terno e gravata sobre o calor do asfalto. Gente sofrendo de falta de vitamina D e excesso de ansiedade. Tá certo isso? Alguém me responda, por favor! Tá certo esse troço todo?

E se a gente combinasse de abrir a janela para deixar o sol entrar? E se a gente combinasse de dar uma volta no parque, podemos até dar as mãos, se você quiser. Quanto tempo faz que você não  alonga seu olhar até a linha do horizonte? Maior tempão, aposto. E se a gente entrasse no mar de roupa? Estava pensando em raspar meu cabelo, raspado de máquina… sei lá… só pensando.

Sabe aquela fila enorme que a gente pega para tomar café? Então, eu decidi que não pego mais filas para commodities, quero fila de gente feliz, quero fila para pegar dedicatórias em livros e não para tratar de problemas bancários. Decidi também que eu tiro os sapatos em baixo da mesa, decidi que repito o prato se estiver com fome. Decidi também que não escondo mais minhas tatuagens em entrevistas de emprego, não escondo tatuagens e não escondo lágrimas de tristeza. Dou gargalhadas, desculpe, mas tenho acesso de riso, indelicado é ficar com cara de marra. Tem aquela cicatriz enorme na minha mão, também ficará a mostra, sinto se te incomoda, mas hoje ela é mais eu do que qualquer parte de você. Decidi que não me acostumo mais com o que não deveria.

E se a gente voltasse a dizer “eu te amo”? Quero dizer, falar olhando no olho, nada de <3

Topa? Acho que seria legal a gente se reencontrar.

Autorais

Onde estão os nossos poetas marginais?

Nos anos 70, um grupo de jovens poetas inspirados pelo teor subversivo da poesia tropicalista, em atitude contrária aos padrões mercadológicos das editoras, começou a publicar suas obras em folhetos e até pendurados em varais, afastando-se do formalismo dos artistas da época e trazendo a tona o combate ao sistema padronizado e o debate político propiciado pela literatura. Seguindo uma contracultura expressiva dos anos 60, os autores dessa geração, dialogando com os poetas modernistas de 1922, fomentavam uma poesia primeiramente de cunho social e uma literatura incisiva, tornando-se os rebeldes que a ditadura censurava e os escritores que o mundo precisava ouvir. Sem rimas, com uma estética desconstruída e quebrando com o conservadorismo da literatura até então, esses artistas clandestinos, chamados então de poetas marginais, não se importavam com o politicamente correto e prescreviam altas doses de realidade para dentro da sua produção literária.

Nesse cenário, Chacal (pseudônimo de Ricardo de Carvalho Duarte) surge como um dos principais expoentes dessa literatura furtiva.

PREZADO CIDADÃO

colabore com a lei
colabore com o light
mantenha a luz própria

(CHACAL, 2007, p. 355)

Suas poesias, frequentemente minimalistas, contestavam o padrão de vida vigente, criticando a falsa simetria e o conservadorismo da ditadura de 1964.

EXP 

mal vc abre os olhos
e uma voz qq vem lhe dizer
o q fazer o q comer
como vestir

todos querem se meter
numa coisa que só
a vc compete:
viver a sua vida

deletar, destruir, detonar
esses atravessadores

a vida é uma só
e a única verdade
é a sua experiência

não terceirize sua vida
viva viva viva
essa é a sua vida

(CHACAL, 2007, p.106)

Simbolizando o quanto somos apressados nesse novo mundo de tecnologias com as abreviações dos substantivos presentes no poema, Chacal reflete sobre como a vida na verdade nos é imposta em vez de naturalmente vivida. Somos constantemente bombardeados com regras e normas (que geralmente não satisfazem a todos igualmente), acreditando que apenas assim poderemos viver harmonicamente em sociedade.

O apelo da contemporaneidade é esse: a literatura como instrumento de reflexão. Onde foram parar os nossos poetas marginais, que se escondem por de trás de tanta literatura rasa e sem motivo? Onde estão os contestadores dessa gaiola invisível que chamamos de sociedade?  Por onde andam os poetas desnudos dos padronizados formalismos para questionar os preconceitos velados e as ditaduras diárias sob as quais vivemos?

Um poeta para empoderar mulheres, destilar o racismo, o machismo e a homofobia para os quais fechamos os olhos e preferimos não ver. Onde estão os poetas que vão escancarar o que há de feio e grosseiro nesse mundo de amarras sociais, políticas e religiosas? Só nos resta esperar a clandestinidade virar roda de debate.

Autorais

Crescendo

Eu costumava detestar ser tratada como criança isso nos meus 10 pros 13 anos, me frustrava ouvir “Sai pra lá menina, isso é assunto pra adulto” Mal sabiam eles que quanto mais diziam isso mais eu forçava me reafirmar como a adulta formada que pensava ser naquela época.

Hoje, na fila do banco enquanto escrevo isso ouço um rapaz atrás de mim dizer “Senhora, a fila já andou. É  a sua vez” Fico perplexa ao ouvir  essas palavras, coisa que lá na minha infância me faria ficar deslumbrada vendo que alguém percebeu o quão evoluída eu sou e que de fato devo ser tratada como tal, me fez parar e pensar quando foi que eu cresci e me tornei mais uma adulta? Será que foi quando tive minha primeira aula de direção? Ou foi quando bebi pela primeira vez? Provavelmente deve ter sido naquele dia que disse pra minha mãe que iria pra uma festa e só voltei no outro dia, quem sabe até deve ter sido quando decidi morar sozinha. É engraçado como uma série de pequenas coisas acontecem de forma tão sutil que nem percebemos até chegarmos ao presente inimaginado por nossas versões mirins.

Avancei na fila e fui embora.

Autorais

Esta Noite

Agora, eu deveria somente fechar os olhos toda vez que alguma memória nostálgica passasse pelos meus pensamentos. Aos poucos, fui percebendo que por todos os lados eu poderia ver uma memória de qualquer um, e que desta vez, eu que escolheria qual lembrança seria.
Do mesmo modo que tudo que ele me deu ficou guardado em mim, me fez crescer, dentre todos os momentos bons que eu recordo, e isso me faz sorrir de vez em quando porque não é sempre que eu me deparo com sentimentos assim. Mas eu gosto de pensar que eu tive um sonho, e esse sonho que já era sonho antes de ser real, virou sonho novamente.
Eu já não me sinto mal quando a saudade decide aparecer, e a esperança de tudo voltar a ser um dia o que era é só uma forma carinhosa que eu tenho de lembrar do passado, daquele rio que eu mergulhei quando era mais nova, e que não existe mais.
E quando eu acordo nos dias frios e eu lembro do seu calor, eu tenho mais certeza de que tudo que aconteceu foi maravilhoso e me fez ver coisas que outro alguém não seria capaz de me mostrar. Eu sou muito agradecida pelos dias que passamos juntos, pelo seu verão, pelo meu outono e a nossa primavera… Mas agora é inverno, e eu esfrio mais a cada dia, o que me conforta ao longo dos meses que se passam, é que eu sei que todo momento em que meu coração abraça ele eu perco o medo de ser quem eu sou, medo este, que o tempo levou, junto com ele.

Atualizações, Autorais, Colunas

Autoria: O funcionalismo da sociedade esquizofrênica

Que o Brasil dá um passo pra frente e dois para trás todos nós já sabemos. Claro, vivemos em uma sociedade totalmente funcionalista, que preza acima de tudo o conservadorismo e discursa bonito, apesar de ter uma prática totalmente nojenta. Heranças talvez, de uma colonização justificada pelo evolucionismo de Morgan e Freezer, onde culturas foram nos enfiadas goela abaixo sob a justificativa da evolução e seleção natural dos melhores e mais aptos.

A sociedade atual é cada vez mais intolerante. Ao invés de caminharmos rumo ao estruturalismo utópico que a antropologia toma como objetivo, regredimos dentro do funcionalismo esquizofrênico onde, apesar de ser cada um por si, e Deus por todos, ninguém se importa em dar uma opiniãozinha na vida alheia. Fazer o quê, né? A vida do outro sempre é mais interessante que a nossa. Talvez estejamos apenas fartos das nossas vivências limitadas e precisamos viver aventuras já vividas por outros indivíduos. Precisamos, como um parasita dementador, sugar e distorcer tudo o que está ao nosso redor. Acho que isso nos gera um prazer pessoal maior que qualquer outra relação sexual.

Durkheim já dizia, complementando a teoria antropológica do funcionalismo, em seus conceitos: você nasce em uma cultura sem escolher, e você toma seus ensinamentos e costumes como verdade absoluta. É impossível ser coercitivo sozinho, você nunca vai mudar toda uma sociedade apenas arregaçando suas mangas. Você não vai conseguir ser o tordo da revolução sozinha, Katniss Everdeen. Uma feminista não vai conseguir direitos iguais para todas as mulheres. Um gay não vai conseguir aceitação para toda a comunidade LGBT – e aqui conseguimos gancho para o impasse, de algo que ser grande e evoluído, mas é puxado pela sociedade funcionalista como uma âncora. No pensamento estruturalista de Levi-Strauss, você tem sua passividade com relação a sociedade em que vive, mas pode transformá-la em atividade. Isto é, se você não se adequa a sua comunidade, você tem total autonomia para criar a sua comunidade alternativa. E o povo LGBT não fez isso, você me pergunta? Tentou.

Mas a âncora doente do funcionalismo invadiu sua sociedade alternativa com seus preconceitos sem fundamento, e marginalizou de sua convivência essa célula desfuncional, como sempre fazem. É um impasse totalmente pragmático. A comunidade começa a ganhar seus direitos, e aqui devemos abrir um parêntese: são direitos humanos e não privilégios o que as minorias querem. Mulheres querem igualdade. LGBTs querem ser reconhecidos na sociedade como cidadãos de bem. Querem usar seu nome social em paz. Querem se casar legalmente. Querem adotar crianças (abandonadas por casais héteros, detalhe). Querem viver e serem livres para amar.

Hora ou outra, conseguimos conquistas aqui e ali. Mas não se pode conseguir muito, porque logo chega o cão funcionalista, dizendo que é tudo privilégio. Claro, é fácil chamar de privilégio algo que você já tem e nem percebe. O cão então, trava nossa batalha de minoria. Ele é maioria. Sua justificativa? Está na Bíblia. A Bíblia diz que não pode. Sim, devemos respeitar. Afinal, vivemos em Israel ainda, no início dos tempos. Opa, corre ali. Seu amo te espera.

Não percebe o quão esquizofrênico é isso? Nós não temos a oportunidade de chegar a utopia do estruturalismo nunca. O cão funcionalista insiste em nos perseguir, e nos puxar passos atrás como um peso morto. Nunca chegaremos ao futuro, justificando o presente pelo passado. Conflito.

E sobre os gays que estão no armário? Ou as moças abusadas todos os dias? Continuam presos na generalidade, seguindo padrões errados impostos em uma sociedade que não escolheram estar. Os funcionalistas determinaram a heteronormatividade, então é isso que você precisa ser, pelo menos. Não precisa ser hétero, mas não dá pinta, tá? E você, moça, abaixa a cabeça pro seu marido, ok? É isso que nós, funcionalistas, estamos determinando a você. E ah, rapaz, a moça foi estuprada. Não percebe que poderia ser sua filha? Sim, você precisa pensar na moça como algo próximo de você para ter um pouco de compaixão, afinal, você não consegue controlar seus instintos, né? Homem é homem. Risos.

Enquanto isso, nós vamos ali, naquela multidão, discursar sobre o quão diversa é a nossa cultura e quão miscelâneo é o nosso país, Sobre como aceitamos todo o tipo de diferença e seguimos rumo ao primeiro mundo. Não se preocupem.

Autorais

Tristes fins

Tristes fins

Vivi

Sorrisos falsos

Vendi

Ilusões perdidas

Achei

Tristezas infinitas

Doei

Em um coração

Achei

Doce confiança

Guardei

Falsa liberdade

Criei

Mágoas passadas

Resguardei

Autorais

Cidade nova

As luzes piscavam lá em baixo e da minha pequena varanda eu tinha uma boa visão para os carros que na avenida passavam.

Na correria de um e outro eu pensava em como minha vida havia mudado de julho para agosto num piscar de olhos.

Adeus. Abraços. Lágrimas. Carro. Algumas horas depois. Prazer, São Paulo.

Antes o que iluminavam minhas noites eram as estrelas, hoje eram os postes de luz.

Antes os sons que adentravam aos meus ouvidos eram das cigarras cantando, cachorros latindo e zumbidos aos quais nunca consegui identificar, hoje eram os freios dos automóveis.

Antes as cores que cintilavam aos meus olhos eram o verde das árvores, o colorido das frutas e o azul do céu, hoje eram as inúmeras aquarelas dos outdoors e seus devidos piscas-piscas.

Antes as pessoas me cumprimentavam a cada passo em que eu dava na rua, hoje até mesmo me xingavam se eu permanece muito tempo parada no mesmo lugar.

Dentre essas haviam outras milhares mudanças e por mais difícil que tenha parecido essa troca repentina de vida, nada preenchia mais meu coração do que deitar a cabeça no travesseiro e dizer: obrigada, cidade nova.