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Lara Batista

Crítica: Duna - Parte 2 (2024)
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Crítica: Duna – Parte 2 (2024)

Em Duna: Parte 2, assistimos o nascimento de uma lenda. Denis Villeneuve adapta a história cheia de abstrações de Frank Herbert para um espetáculo de imagem e som.

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Dando continuidade ao primeiro livro, Paul (Timotheé Chalamet) e Lady Jessica (Rebecca Ferguson) se veem em território Fremen (Nativos de Arrakis) ao fugirem da armadilha que a casa Harkonnen articulou para eliminar a casa Atreides do poder. No deserto, o objetivo é único: sobreviver e voltar ao poder para vingar sua casa. Mas ainda que treinado pelos melhores sacerdotes e guerreiros, Paul não conseguiria prever o que significa ser um símbolo.

“Quando a lei e o dever, unidos na religião, são a mesma coisa, a pessoa nunca chega à consciência plena de si mesma. Será sempre pouco menos que um indivíduo.”

-excerto de “Muad’Dib: as noventa e nove maravilhas do universo”, da princesa Irulan

O povo de Arrakis, em sua genética, é programado a fazer muito do mínimo. Eles usam “trajestiladores”, trajes especiais que reutilizam os fluídos corporais e transformam em água para sua sobrevivência. Eles extraem água dos corpos de quem morre e armazenam como item sagrado, esperando pelo momento em que terão o suficiente para fazer a areia virar mar e as dunas, colinas verdejantes.

Esse sonho, anteriormente cultivado por outras Bene Gesserit que passaram pelo planeta, estrategicamente para momentos em que a genética de uma das Casas Maiores estivesse ameaçada, é a chave para a sobrevivência da casa Atreides. É acionando os gatilhos certos, criando mitos e reafirmando profecias que mãe e filho ganham a confiança do povo fremen: Lady Jessica através do fundamentalismo religioso e Paul através da luta e da estratégia, para trazer os céticos e construir seu exército.

No começo do filme, essa escalada para se tornar um fremen não é tão verossímil ao livro quanto o primeiro filme foi, o que a princípio pensei ser uma falha na continuidade mas percebi que era para que não só o público leitor se deleitasse com a história, mas também para que ela se comunicasse com a época contemporânea.

Não que Duna não seja atemporal. Como espécie, ainda temos os mesmos problemas: subdesenvolvimento decorrente da exploração, racismo, guerras santas, guerras por controle de recursos, genocídio…Mas Villeneuve fez escolhas que fizeram muito mais sentido para uma história que é feita por imagens do que apenas traduzir tudo o que o livro de 600 páginas, escrito na década de 60, diz. Por exemplo, a nossa noção de papel de gênero mudou bastante. No livro, Chani, a guerreira Fedaykin fremen por quem Paul se apaixona acaba por aparecer em poucos momentos, ainda que muito importante para o crescimento do Atreides, tendo seu ápice quando se torna mãe dos filhos de duna. Já no filme de 2024, Zendaya e Villeneuve fazem dela alguém que escolhe a honra de seu povo à amor, uma personagem implacável e fremen até a última gota de seu sangue. A Chani do filme não termina como consorte de Paulo enquanto a princesa Irulan, por estratégia, a esposa legítima, como no livro. Ela retorna para o deserto em cima de um shai-hulud, incapaz de lutar por alguém que também sabe que a religião é uma arma. Mal posso esperar para ver como o Paul do filme fará para que esta Chani volte.

Como o diretor mesmo disse em recente entrevista, imagem e som é o que fazem um filme ser inesquecível. Nesta 2ª parte eu percebi uma preocupação maior em mostrar o que está acontecendo, por quê, e para onde vai, fugindo um pouco mais de todos os detalhes que o universo de duna tem dentro do livro. É o que, para alguns espectadores, tenha passado a impressão de que este 2º filme é mais “agitado”. Sinceramente, quando olhei o relógio e vi que já tinha se passado 1h de filme, não acreditei. Acreditei menos ainda quando, depois de mais 1h, faltavam 40 minutos e o final do livro não estava nem próximo. Me contorci quando aceitei que a grande guerra ficaria para um 3º filme e quase gritei quando ela aconteceu, com a avó das tempestades de areia e tudo, bem na minha frente. E mais: O confronto final entre Paul e o Imperador.

Foi o momento em que me lembrei do que o termo adaptação significa e larguei mão de ficar procurando o que se parece com o livro e o que não. E esta foi feita com uma perspicácia que ainda não concebi como. E nem sei se quero. Todos os elementos para que leitores e não-leitores entendam a história estão ali, e ainda o fio que puxa para o 2º livro, o Messias de Duna.

Impossível não falar sobre esse elenco. Timotheé com a dor de um personagem que sabe de todos os caminhos que sua vida poderia tomar mas não pode escolher aquele que não seja o pior. Rebecca que precisa conciliar o ser uma santa com ser a mãe de um líder – dois na verdade. Uma história que a gente conhece muito bem.

Austin Butler é lindo à mesma medida que é aterrorizante como Feyd Rautha, o sobrinho do Barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgard, uma lenda), e Javier Bardem dá vida a um Stilgar muito divertido.

Entrei na sessão pensando em como as pessoas nunca vão conseguir dimensionar o tamanho do que foi o efeito Muad’Dib. Como se mostra anos e anos de tradição sendo construída? Como mostrar a presciência? Como fazer entender as reverendas madres que se apoderam da mente de um feto? A tecnologia? A geografia de duna e os outros planetas? São tantas perguntas mas acredito que Villeneuve apenas não subestimou o público e fez um dos melhores filmes da década de 2020.

Crítica: Jogos Vorazes - A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (2023)
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Crítica: Jogos Vorazes – A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (2023)

Passando pelos cartazes de próximas estreias, e sentindo o cheiro de pipoca ao ver o display da mais nova adaptação da franquia Jogos Vorazes eu quase senti que tinha voltado para 2015 – quase.

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes conta a história de um jovem presidente Snow antes de tornar-se o governador de Panem e posteriormente o vilão da 1ª franquia, título que a autora Suzane Collins faz o leitor questionar muitas vezes durante o livro prequel, que se pauta em teorias como a de Hobbes e Rousseau para discutir tudo o que levou o protagonista a ser quem ele é.

+ Resenha: A cantiga dos pássaros e das serpentes, Suzanne Collins

Para humanizar um personagem como Snow (Tom Blyth), Suzane Collins precisou de 576 páginas, concluindo a saga com o maior livro entre os 3 e deixando muito pano pra manga para uma adaptação muito fiel. Não foi isso que aconteceu de totalidade nos 157 minutos de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes.

Fazer um estudo de personagem seria insustentável numa franquia como Jogos Vorazes, visto que muitas questões circunstanciais atravessam demais personagens da mesma forma que o protagonista, mas o diretor  Francis Lawrence (Em chamas, A Esperança I e A Esperança II) flertou por este caminho quando deu a Snow o maior tempo de ponto de vista, o que cumpre seu papel no objetivo de dar elementos para o público enxergá-lo de outra forma mas tropeça quando deixa Lucy Gray (Rachel Zegler) de lado.

O filme foi separado em partes como nos capítulos do livro e todas foram utilizadas para expor os motivos pelos quais Snow mente e manipula para levar sua família de volta à elite de Panem, rico em detalhes que mostram a realidade com a qual a família Snow lidava e a dificuldade que Corialanus tinha para manter o padrão frente à seus colegas mais abastados. Dentro do universo deste personagem existem alguns que servem como forças motrizes para levar o protagonista ao limite do bom e do ruim. O mesmo não pode ser dito sobre Lucy Gray, artista, nômade, tributo e vitoriosa do distrito 12.

Lucy Gray – assim como Snow – Forjou-se de maneira que pudesse sobreviver ao ambiente em que estivesse, com as armas que tinha à disposição. No caso dela, o entretenimento. O filme apresenta Lucy como se ela fosse uma peculiaridade que caiu no colo de Snow por azar e que ambos caíram de amores por terem se conectado de forma imediata mas a verdade é que ambos estavam tentando ganhar seus próprios jogos. Antes de Snow, Lucy já era um espetáculo nato e usar isso à seu favor foi reflexo, assim como flertar com Snow. Mas a relação ambígua dos dois fica confusa por causa da velocidade com a qual o longa mostra os acontecimentos, sem dar o tempo que levou para o desenvolvimento da parceria entre ambos no livro e deixando tudo muito romântico para quem não leu o prequel.

Diferente dos primeiros filmes, este falta com a frieza e a solidez das imagens do distrito 12, bem como investe pouco nos diálogos, que são muito mais fortes no livro de Collins do que na adaptação. Ocorrência que não se vê nos outros 4 longas.

Mas desacelerar a adaptação significaria fazer um filme com mais de 2 horas e chuto que, depois de separar A Esperança em 2 filmes, Lawrence tenha decidido por acomodar tudo num só. Talvez porque não estamos mais em 2015 – quando era viável estender a presença da franquia no imaginário do público por mais 1 ano numa época em que distopias estavam faturando barbaramente mas fato é que: 8 anos depois, Jogos Vorazes ainda é espetacular.

O filme usa os protagonistas para passear do “homem nasce naturalmente mau e precisa de um Estado absoluto para ditar regras” para o “homem nasce naturalmente bom, mas a sociedade o corrompe” enquanto tira o fôlego do espectador ao transcrever a violência com a qual Suzane Collins termina seus capítulos para as imagens. É brutal e é intimamente humano no que tange às guerras mundiais que estamos presenciando, como assistimos à morte de crianças e escolhemos “times” ao invés de lembrar quem é o verdadeiro inimigo.

É preciso elogiar o elenco, destacando Tom Blyth, Viola Davis, Peter Dinklage e Rachel Zegler, que confesso ter me emocionado na cena com as serpentes e quando recitou “The Hanging Tree”, música que viria a ser o hino e o estopim da revolução que causa a 2ª guerra de Panem. Cancelamentos a parte, quem diria que escalar uma atriz que também é cantora faria diferença, né?

Parecendo ter poucas saídas criativas dentro de uma franquia muito consolidada, Lawrence entrega o que os fãs querem e parece trabalhar melhor na metade do filme para o fim, ainda incitando fome de mais um jogo voraz.