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Emanuel Antunes

Autorais

Autoria: Sei que sim

 

“Um de raiva delira, outro enlouquece…
Outro, que de martírios embrutece,
chora e dança, ali.

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus…

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba

Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!”

| Trecho de “Navio Negreiro – Castro Alves”

 

O moço do cartório perguntou: De onde? Papai não soube responder, na verdade ele não é daqueles que tem muitas respostas. Mais perguntas que respostas. Confuso sempre foi meu pai e continuará sendo, mesmo agora que está morto, bem mais que morto, mas seus questionamentos continuam. Certa vez estávamos sentados na varanda de casa, ele com sua cadeira de balanço, cigarro na mão e uísque esquentando em um banquinho, eu com um livro no colo, se lembro bem era uma das obras de Kafka, mamãe prestando atenção no vai e vem de carros lá longe e minha irmã com o celular sendo estuprado por dedos frenéticos, neste dia papai deixou todos nós sem saber como lidar, ele pousou o cigarro ao lado do copo e disse: E quando se morre, vai pra onde? Silêncio. Cada qual com sua percepção naquele lugar. Eu, com meus anos de catolicismo, respondi que quando se morre começa o julgamento, céu, inferno ou purgatório. Mamãe, recém-convertida ao protestantismo fez questão de criar confronto, de fazer birra frente a minha visão de pós-morte. Os dedos de Alice continuaram sobre a tela do celular. Eu acho, tentava começar meu pai. Eu acho. Ninguém deixava o homem falar. Mamãe dizia que eu estava enganado, que as coisas não são só assim, que tem mais página nesse livro. No fim de tudo acabamos por esquecer a morte e o que vem depois dela e entramos em discussão cheia de entremeios, minha mãe falava Lutero e eu citava o poderio da igreja. Papai continuou no uísque, por mais que mamãe usasse a bebida e o cigarro como exemplos de que seu marido não estaria salvo.

Eu acho

Conseguiu falar papai

Que quando se morre não tem porém, não tem mundo, nem luz. Acho que morre e pronto, se vai e acabou-se.

Hoje papai está morto e não sei bem o que fazer. Não tenho respostas para ele, nem para mim. O livro de Kafka daquela manhã se perdeu há muito, deve ter sido O Processo, sim, O Processo, presente de uma namorada. De Juliana, bons tempos, ah sim. Em que ouvíamos Elis como se fosse a primeira vez, juntos e felizes. Juliana se foi como papai, para mim morreu. Depois do que fez não quero ver nem um fio de cabelo de Juliana.

Mas à hora do enterro se aproxima e olho para esse cadáver que começa a feder. Enterrem logo esse homem, pelo amor de Deus. Quero ver a terra encobrir papai, ele sufocado em sua morte lá por baixo, preso em uma cela de madeira, preso em sua inutilidade. Quero ver como papai reagirá com tudo isso e muito mais. Sinto medo do que será de nós, mas tenho raiva imensa de papai que não deveria morrer, não agora que seu neto está por vir. O velho não sabia, nem eu, nem Bárbara. Fim de mundo é o que vem por ai. Mamãe chora no canto da sala, abraçada com Beatriz, a garota não demonstra nada. Morreu como o homem. Olho para a varanda onde tanto tempo gastamos, jogando conversa fora e falando sobre vida e depois dessa. Olho para a varanda e alguém se aproxima, não consigo ver bem quem seja, mas está usando terno, com flores na mão, algum amigo do velho. O sol se despede e fica nas costas do homem, seu rosto ainda está oculto pela distância, mas depois de alguns segundos vejo a barba que tanto conheço, seu sorriso amarelo por conta da nicotina e a cabeça cheia de perguntas. Papai fica defronte com seu sósia morto, deposita o buquê próximo ao caixão. Chega mais perto, senta ao meu lado e acende um cigarro.

Dia quente não é?

Concordo com a cabeça e espero sinceramente que ele se vá antes do enterro.

Atualizações

Confira a lista dos ganhadores do Critics’ Choice Awards 2016

Enfim temos os vencedores do Critics’ Choice Awards 2016. A 21ª edição da premiação só reafirmou o cenário já visto no Globo de Ouro e nos indicados ao Oscar, divulgados esta semana. Com DiCarpio figurando como melhor ator e Mad Max como melhor filme de ação, a lista apresenta algumas novidades, já em algumas categorias o que muito se falou durante semanas se confirmou. Confira os ganhadores em suas devidas categorias abaixo:

  • TELEVISÃO

Melhor Comédia – Master of None

Melhor Drama – Mr. Robot

Melhor Ator Drama – Rami Malek, Mr. Robot

Melhor Atriz Drama – Carrie Coon, The Leftovers

Melhor Ator Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme – Jesse Plemons, Fargo

Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme – Jean Smart, Fargo

Melhor Animação – BoJack Horseman

Melhor Apresentador de Reality Show – James Lipton, Inside the Actors Studio

Melhor Talk Show – Last Week Tonight With John Oliver

Melhor Reality Show Estruturado – Shark Tank

Melhor Reality Show Não Estruturado – Anthony Bourdain: Parts Unknown

Melhor Reality Show de Competição – The Voice

Melhor Atriz em Minissérie ou Telefilme – Kirsten Dunst, Fargo

Melhor Atriz Coadjuvante Drama – Constance Zimmer, UnREAL

Melhor Ator Coadjuvante Drama – Christian Slater, Mr. Robot

Melhor Atriz Comédia – Rachel Bloom, Crazy Ex-Girlfriend

Melhor Ator Comédia – Jeffrey Tambor, Transparent

Melhor Ator Coadjuvante Comédia – Andre Braugher, Brooklyn Nine-Nine

Melhor Atriz Coadjuvante Comédia – Mayim Bialik, The Big Bang Theory

Melhor Ator/Atriz Convidado em Comédia – Timothy Olyphant, The Grinder

Melhor Ator/Atriz Convidado em Drama – Margo Martindale, The Good Wife

Melhor Minissérie ou Telefilme – Fargo

Melhor Ator Minissérie ou Telefilme – Idris Elba, Luther

  • CINEMA

Melhor Filme: Spotlight
Melhor Ator: Leonard DiCaprio, The Revenant
Melhor Atriz: Brie Larson, Room
Melhor Ator Coadjuvante: Sylvester Stallone, Creed
Melhor Atriz Coadjuvante: Alicia Vikander, The Danish Girl
Melhor Atriz/Ator Jovem: Jacob Tremblay, Room
Melhor Elenco: Spotlight
Melhor Diretor: George Miller, Max Max: Fury Road
Melhor Roteiro Original: Spotlight
Melhor Roteiro Adaptado: The Big Short
Melhor Animação: Inside Out
Melhor Filme de Ação: Mad Max: Fury Road
Melhor Ator em Filme de Ação: Tom Hardy, Mad Max: Fury Road
Melhor Atriz em Filme de Ação: Charlize Theron, Mad Max: Fury Road
Melhor Filme Comédia: The Big Short
Melhor Ator Filme Comédia: Christian Bale, The Big Short
Melhor Atriz Filme Comédia: Amy Schumer, Trainwreck
Melhor Filme Sci-Fi/Horror: Ex Machina
Melhor Filme Estrangeiro: Son of Saul
Melhor Documentário: Amy
Melhor Canção: “See You Again,” Furious 7
Melhor Trilha Sonora: The Hateful Eight

 

Atualizações

Primeiras Impressões: Teaser da 4ª temporada de Bates Motel

Sim, meus bons e amados Baters, enfim temos uma parcela do que virá na quarta temporada de Bates Motel. A série que vem ganhando uma visibilidade imensa há um certo tempo, começa a tomar formas e faces diferentes. A A&E tem como atração principal de seu primeiro semestre a série inspirada na história adaptada por Hitchcock faz três anos, a mesma tentou preencher o horário com uma adaptação norte-americana de Les Revenants, logo após a estrela da segunda-feira, mas não funcionou, The Returned não entrou no embalo de Bates (mesmo com a ajuda da netflix) e não proporcionou o planejado. Agora Bates Motel surge com toda uma nova roupagem, percebemos isso no trailer, com efeitos que não foram usados nas três anteriores temporadas e um ar sombrio que vem se desenhando nas seasons passadas.

Depois do encerramento doentio da terceira temporada (com uma trilha sensacional), temos esse teaser que recupera a tensão que em alguns episódios foi perdida e algumas vezes ficou como segundo plano. Você pode conferir os poucos segundos da promo abaixo, mas antes de tudo queremos conversar sobre as primeiras impressões. O que deixou qualquer fã da série pensativo: Sim, Norma Bates nos deixará nesta temporada. Levando em conta que só teremos mais duas temporadas de Bates Motel (Isto fora o que a A&E confirmara, que Bates chega ao fim na quinta temporada), fica evidente que Norma se despede do público na season que estreia dia 7 de março, se vai para dar protagonismo total da famosa Mother. No teaser vemos essa despedida acontecendo, pelo menos é o que aparenta, Norman deixando seu lado maternal, seu lado “Normal” de lado para se encontrar com a verdadeira psicose. “Todos nós enlouquecemos as vezes”, está exposto no fim do teaser. E sim, estamos todos loucos por essa nova temporada. Para ver como cada acontecimento se desenrolará, se teremos uma fidelidade do depoimento do investigador de Psycho sendo empregada na trama. No mais, todos nós estamos prontos para encontrar com a surpresa e a insanidade do mais acolhedor motel de todos.

Veja o teaser abaixo:

Autorais

Crônica: É terra sem dono

Esse sou eu, emissário do futuro para aquele que desejar ler. Venho de lugares desconhecidos por todos, vocês que pensam ter o destino em mãos. Sou a desilusão que se aproxima no fim da madrugada, aquela que faz com que homens cometam erros pensando que estão acertando, sou eu e nada mais. Lembro bem que em meu passado distante, lá estava minha mãe a ensinar como se entra no mar. “Não, não vai entrando assim, tem que pedir licença.” E eu, com sete anos não sabia a quem pedir licença. “Mas a quem, mamãe?” Ela nunca me respondeu. Fora preciso alguns anos para compreender que o mar tem dona, tem domínio e não, não se pode invadir lugar tão sagrado de tal modo. Lembro também que em meu passado sempre me fiz de tolo e desgovernado, andava por ai sem saber com quem e como, mas a vida ensina e hoje, no futuro que tanto almejei, sei por onde ir. Esse passado nunca me condenou, longe disso, deu álibi para as tarefas futuras. Conquistas. Derrotas. Todas minhas, de mais ninguém. Compreendi que do mesmo modo que para entrar no mar é preciso permissão, para se fazer, qualquer coisa fora dele, também é necessário alvará. Entendi após erros e erros, muitos por conta de ingenuidade, outros por bem querer, sabendo que estava por errar.

Fé, palavra que faltava e hoje, no futuro, é de grande presença. Era uma fé inexistente a que tivera enquanto vivia no escuro, uma consciência culpada por não ter essa tal fé. Hoje, no futuro, a tenho como guia, mas não só ela, pois já dissera vovó, mulher de fé, que ao exagerar no uso de certa coisa, se cega. Aprendi com vovó que ficar cego não é uma das melhores coisa do mundo. E do mundo ela me ensinou tanta coisa, desde quando cantávamos às cinco da manhã, até quando acendia seu cigarro, tossia por conta da asma, sorria para a doença e acendia logo outro daqueles que era para não dar espaço para a morte. Nunca tivera medo da morte, a velha, e nem tem, ela continua aqui, falando comigo e dizendo: Tem fé. E tenho. Graças à ela todo dia oito de dezembro é sagrado, e toda manhã é triste. Bate as cinco e ouço sua voz desafinada: Vai boiadeiro, que a noite já vem. Me ensinou tudo e quase, a mulher.

Em meu passado ouvia canções inspiradas em Pessoa, poeta sem medo. Poeta com fé. Escrevia sempre que podia, com oito, nove anos, e no fim de tudo matava os personagens que com tanto zelo e inocência criava. Era cansativo viver, mas vivia, não por algo sobrenatural que me guiava, mas por ser teimoso desde pequeno. Olho para aquele garoto, ciente de uma coisas, de outras nem tanto, mas corajoso, ninguém lhe dizia um não e esse não continuava por vigorar. Ah, maldito moleque negro e descalço que subia ladeira correndo, pensando em ser o maior entre todos. Espiava lá do alto, via casas e mais casas, e pensava ser dono de todas elas. Moleque independente, prisioneiro de sua mente sonhadora. Hoje não sonho tanto, matei o garoto e lhe joguei na vala mais próxima. Hoje penso no moleque querendo sonhar, mas não consigo, é só nostalgia e medo. Mas tem fé, criança.

Esse mesmo menino aguardava o carnaval como se fosse a última coisa que veria na vida. Achava maravilhoso a brincadeira que transcorria nas ruas, via de sua janela os homens voltarem no fim da tarde encharcados de álcool, espiava os blocos lotados de conhecidos, seus e da família. Era belo de se observar, gente triste que naqueles poucos dias se fazia a mais bela e feliz gente do mundo. A noite era hora de esperar, aguardava todas aquelas escolas passarem na televisão, até que chegasse a vez da Portela. Toda de azul e branco, desfilando em homenagem ao bom samba. Não se entra no mar sem pedir licença. O carnaval de meu passado era assim, azul, branco, frevo e samba, alegria sem tamanho que resguardo bem no fundo de meus arrependimentos.

Não fora de minha época, mas me lembro como sendo, aquela mulher cantando “Bandeira branca, amor”, com uma voz piedosa e vingativa. Ela cantava aquilo com um quê de perdão, mas sempre soube que ali residia raiva e ódio, mas ambos são primos do falsário amor. Da voz de Dalva lembro bem mais do que da minha, até hoje não a conheço, mas penso que canto bem, bandeira branca cantei por diversas vezes, como hino sem significado. Músicas que embalaram infância e adolescência, essas de longe, de um passado que tento lembrar aos poucos. Mas minha missão aqui não é fazer retrospectiva, muito menos lamentar e chorar o leite que não aproveitei direito. Venho do futuro e lhes digo com a certeza que nunca tivera: Fiquem onde estão, não se arrisquem, não venham. Tenham fé e apenas, não se esforcem nem pensem no que está por vir. Não tentem sair de onde estão. Ai é quente, é bom, é o que é. Aqui é incerto, é terra desabitada de esperança e paixão. Aqui é território do medo, não, não se esforcem.

Resenhas

Resenha: As Lendas de Saas – Parte I, Rebeca S. Melo

Ele conquistou todos os reinos do seu continente, tornando-se o primeiro Imperador da história de Saas. Ela escapou no dia em que seu reino foi tomado e sua família assassinada. E irá voltar para vingá-los. Ou pelo menos esse era o plano…
Ravel é a princesa perdida, a única que escapou com vida de seu continente; Leor é um garçom que sonha em ser médico; Nemat é a melhor amiga dele, uma jovem sem muita ambição; Hadin é um nômade caçador de recompensas em busca de vingança; e Shari é uma atriz de circo ambulante. Quando a vida dessas pessoas tão diferentes se conecta, um segredo é revelado. E a história de Saas está prestes a mudar… Outra vez.

Se fiquei surpreso com o que li? Bem, posso dizer que fui agitado e jogado no chão sem nem precisar sair do lugar. A história de Leor, Nemat e seus companheiros consegue fazer isso com o leitor, lhe tirar da zona de conforto com reviravoltas incríveis. Ocupa sim o lugar de um dos livros mais vendidos do país, porque merece, e porque não deve está em outra situação. Mas vamos começar do começo, nada de adiantar emoções e espantos.

O livro tem seu ponta-pé com uma espécie de explanação sobre o território onde este vai se desenrolar, desde as particularidades de cada lugar até a generalidade dos reinos. Esse é um ponto fortíssimo da obra, que para não voltarmos a este assunto mais a frente, abordarei agora, mesmo atrapalhando a introdução da história. Temos que encarar os tópicos básicos para dizer se um livro deste gênero (fantasia/aventura) é de boa qualidade, estabeleceremos três nesta resenha, o primeiro é ambientação. Não existe erro evidente sobre este assunto, é um acerto após o outro e fiquei admirado logo de início, não que estivesse esperando os erros, longe disso, mas é incomum que qualquer escritor consiga passar ileso por toda a obra sem cometer uma falha aqui ou ali, independente da época ou seguimento. Rebeca S. Melo consegue cumprir sua missão neste aspecto, primeiro porque nos é apresentado todo um mundo na quantidade de parágrafos necessária, nada muito extenso, que canse o leitor. O momento inicial é este, reconhecimento do terreno, somos inseridos em Saas aos poucos, como quem não quer nada, e de repente, estamos no centro da coisa toda. As particularidades, as que não são citadas na introdução, aparecem no decorrer do livro e de forma sutil.

O segundo ponto a ser observado é a estruturação dos personagens, como estes são colocados em cena e se conseguem atuar bem, sem parecerem forçados ou algo do tipo. Novamente um acerto imenso da autora, pois desde Shari, que aparece mais a frente no enredo, até Hadin, temos uma caracterização de personagens excelente. Mas vamos conhecer melhor os ditos para entendermos melhor a história. Tudo tem seu início com Ravel, princesa de Jope, o que ocorre com a princesa influencia os rumos de toda a história, podemos dizer que é por conta de Ravel que muita coisa chega a acontecer. Enquanto de um lado do Oceano que divide as duas porções de terra vemos um conflito, do outro lado encontramos um cenário totalmente diferente. É ai que as distinções existentes entre os mares ficam evidentes. Conhecemos Leor e sua amiga Nemat do outro lado do oceano, ambos trabalham em um bar (O Ninho) e são amigos por muito tempo. Em uma dessas noites de trabalho eles conhecem Hadin, um nômade misterioso que aparece na vila. Após a chegada de Hadin diversas coisas acontecem, algumas por conta deste outras por puro destino e Leor acaba por se separar da amiga, Nemat. O jovem embarca em uma missão entre reinos, tendo por guia uma garota que lhe abordara no inicio de sua aventura, chamada Shari. Enquanto Leor parte em busca de determinadas coisas terras a fora, Nemat estreita seus laços com o nômade, Hadin, que acaba por fincar bandeira na vila. Entre tantos eventos vemos uma série de reviravoltas, como foi dito no início, e isso deixa a história ainda mais atraente e prazerosa de ser lida, pois nunca sabemos se estamos seguros, se podemos confiar neste ou naquele personagem. Como o título deixa claro: Um mundo perigosamente humano. Tudo pode ocorrer em “As Lendas de Saas”, ninguém está a salvo, desde o início até a última página da obra.

Por fim, o terceiro ponto que levantamos neste comentário é o enredo. Posso dizer que o livro atende todas as necessidades para a construção de um bom enredo, não temos pontas soltas, é tudo muito bem encaixado. O modo como a autora comanda o trajeto dos personagens apresenta maestria e uma habilidade fora do comum. Podemos ver uma das revelações de nossa literatura em ação, sem tirar nem por. No mais, “As Lendas de Saas” cumpre o prometido, consegue encantar e prender o leitor como poucos livros o fazem, trás toda uma bagagem detalhista e transcendente, pois navega entre mundos colocando muito do que conhecemos à tona no meio da narrativa. Uma leitura que flui por ser bem elaborada e ter um vocabulário rico na sua construção.

A cada frase, a cada parte do livro vamos ficando cada vez mais maravilhados pela narrativa e por todo o mundo criado para o desenvolvimento da mesma. É encantador poder ter acesso a tanta coisa, adentrar em lugares que aparentam ter uma veracidade tremenda a medida que são desenhados e expostos. O primeiro volume da trilogia “As Lendas de Saas” enlaça todo e qualquer leitor, por todos os fatores citados acima e por muitos outros que você conseguira visualizar ao decorrer da leitura. Mexe muito com o particular de cada qual, nos identificamos com Leor, Nemat, Shari e outros personagens, entramos na vida deles e acabamos por passar horas com eles, como se fossemos velhos conhecidos. O talento da autora é singular, sua capacidade para destrinchar cada evento chega a ser fora do comum e temos que aplaudir de pé a escrita de Rebeca Melo. “As Lendas de Saas” é encantador e misterioso, um livro especial para os apreciadores da boa arte.

Você pode adquirir o livro na Amazon.com, seguindo este link. No mesmo site já é possível comprar o livro II, então não perca tempo. Confira ainda aqui no Beco Literário a entrevista cedida pela autora há algumas semanas, onde a mesma fala sobre assuntos como preconceito literário e processos de escrita, é só clicar aqui.

Autorais

Autoria: Minha mãe, meu pai, meu povo

Meu grito de revolta é este. Esse pequeno texto que o faço sem mais nem menos, sem programação mental ou roteiro pré-estabelecido. É apenas isso que me vem, resultado de dias com falta de ar, produto de toda uma vida sem alegria ou motivação. Minha revolta pensada por eras, tenho medo de quase tudo. De ter, de perder, de conquistar, de fazer, lutar, ir contra a maré, esperar, tenho medo disto tudo e muito mais. Ah, mas não se sabe o tamanho do medo, ninguém conhece seus medos, fingimos conhecer, mas é pura hipocrisia, só se sabe o medo no momento em que ele é exigido. A vida para e fala: E agora, José? E você tem que correr para provar o contrário, dizer que é forte e inabalável, manter as aparências. É mentira. É falsidade. É uma enxurrada de desastres nesta tentativa de ser dono de si. Certo dia escutei uma bela canção, de Caetano, da Bahia, bela como o dia chegando ao fim entre São Lourenço da Mata e o comecinho do Recife. Um Índio, é o título da canção. E nela Caetano, filho de Canô e irmão de Bethânia, fala: “Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri”. Ele fala isto do índio, mas fico me perguntando, que Peri? Que infeliz música é essa Caetano, que fala de aberração, plenitude e fim do mundo. VIRÁ, O Índio virá. E fico nesta, sem saber o que a música fala, mesmo tendo em mente o significado de cada verso, mas a mente acusa e diz: Não, você não sabe dizer o que está escrito ali. É coisa grande. Gonzaguinha falara “Coisa mais maior que grande”. Belo álbum por sinal. Esse texto é inútil, é uma mensagem subliminar para pessoas, para bichos e lugares, mas com toda a certeza não chegará até eles. Minha revolta aumenta a partir daí. Que vontade de descontar nas paredes, nas janelas, explodir e amaldiçoar o mundo inteiro com palavras fortes e nutridas de ódio. Mas não podemos, certo? O que será de mim, ser temente e fiel a um Deus soberano. Pois bem, Deus, vamos conversar. O que faço em momentos como este? Como lido com colapsos e vontades sanguinárias de vingança? Me diga, Deus, pois nem tão cedo terei essa resposta facilmente. Ah, esqueci que o senhor não gosta das coisas fáceis. Vai trabalhar, vagabundo. O Índio virá. Tudo me causa ânsia de vômito. Erro de português (principalmente os meus), pessoa que fala demais, homofobia, calor, zunido de lâmpada, cantor que não desafina, criança sem curiosidade, filme sem fim, série boa cancelada, guerra mundial. Tudo isso me é a gota d’água. Ah, traição. A pior de todas, ai está, é a traição, independente da forma. Tudo isso me incomoda e me deixa a ponto de se transformar em dois, apenas para a cópia dizer: Te cala. Mas é algo fora, algo bem longe do que sou e do que somos, é algo que vem de cima, desse Deus que admira as dificuldades. Porque? Pra que? Vem de lá do alto essa história de conhecer a si mesmo e conhecer a verdade. Eventos sobrenaturais. Mesas que giram, já observara Kardec. Quanto trabalho, não foi, Kardec. Quantas tarefas Deus te deu e você venceu, Allan, meus parabéns, pela codificação, pelo pseudônimo e pela paciência. Gigantesca paciência. Me revolto só de pensar em como as coisas são difíceis, isso causa uma preguiça tão imensa que me causa raiva. Raiva e ódio. Palavras que combinam perfeitamente com amor e solidão. Pausa. Peço uma pausa se quer. Consegui descobrir o motivo disso tudo e ele está incrustado em cada frase. Mil desculpas, Deus, pela blasfêmia e pela incredulidade, são motivos que não devem lhe incomodar. Chulos, desnecessários, idiotas e inúteis para o progresso. Consegui oferecer uma resposta temporária para a minha pergunta, mas ate quando ficarei satisfeito com ela? Ouço lá no fundo um piano, Nina Simone o comanda, ela canta Sinnerman, não canta, derrama sobre toda a plateia. A plateia sou eu, Miss Simone, apenas eu e ninguém mais. Essa é a resposta, por hora, eu e ninguém mais.

Colunas

The Epic Battle: Sou de Esquerda sim, e você?

O compositor e cantor, Chico Buarque de Holanda, junto a um grupo de amigos, fora surpreendido em uma rua do Rio de Janeiro por senhores bem vestidos e encharcados de sarcasmo barato. Sim, você pode conferir esse vídeo no youtube ou no próprio facebook, está circulando há alguns dias. Chico Buarque, com dezenas de discos e livros nas costas, esse Chico que contribuiu e contribui para a identidade cultural do país, fora agredido verbalmente por conta de suas atitudes e escolhas políticas. Pararam Chico Buarque em uma esquina qualquer, lhe chamaram de santo e ainda por cima se acham no direito de se autonomearem “salvação do Brasil”. Tudo isso porque Chico é apoiador fiel do Partido dos Trabalhadores, filiado e membro ativo da instituição. Chico foi chacoteado em via pública porque não apresenta opinião semelhante a daqueles senhores de bem. Vou lhe dizer o que está acontecendo: É um sentimento fascista que se disfarça na democracia que por tanto tempo fora cultivada. Fascistas sim, esses que defendem uma unificação da ideologia. Eu sou de esquerda, e digo mais, não teria toda a paciência que Chico Buarque teve.

Para começo de conversa, está estampado em todas as vias, em qualquer placa de bom senso, de lei, que intolerância é crime. Agredir pessoas verbalmente e fisicamente por conta de suas escolhas políticas (ou por qualquer motivo) é algo inaceitável e não pode ficar impune por que fulano é filho de tal juiz, ou de um empresário com suas diversas posses. Tenhamos em mente que o exemplo dado aqui, o de Chico Buarque, não é caso isolado, isso ocorre diariamente. Certa vez vi um vídeo de um ato parecido (de proporção gigantesca) no centro do Recife. Um senhor, com camisa vermelha, com a foice e o martelo estampados nesta mesma camisa, foi perseguido por bem mais de cem pessoas. Ele corria enquanto dezenas de pessoas lhe xingavam de “Ladrão” “Comunista safado” “Vai pra Cuba” entre outros adjetivos criados por aqueles que se acham “a direita que vai endireitar” o Brasil. Após esse vídeo tive medo de sair na rua com qualquer que seja o artefato referente ao meu partido (Que faço questão de divulgar aqui, pois não preciso me esconder sob máscaras, assim como o partido do qual faço parte também não precisa. O “Rede Sustentabilidade” sempre buscou o diálogo, divulga diariamente essa fusão de ideias, sejam elas de esquerda ou direta. Mas hoje vou contra à ideologia do Partido, vou porque se faz necessário e digo: Sou de Esquerda sim). Em épocas como essa que vivemos é obrigação de todos defenderem suas bandeiras, dizerem sim: Eu sou de Direita. Eu sou de Esquerda. Mas antes de tudo, essas pessoas devem saber que o respeito entre os lados não machuca, não denigre, não é falta de coragem. Cordialidade na política é algo que está faltando, não só nas ruas, mas até no próprio Congresso.

Você, meu caro leitor, pode ligar a qualquer hora do dia na “TV Câmara” e esperar alguns minutos e verá nem que seja uma ofensa direcionada a qualquer que seja o parlamentar. Não digo que isso seja o fim do mundo, claro que não, as pessoas se exaltam e muitas vezes soltam palavras que naquele momento parecem ser convenientes, mas são essas mesmas palavras que se transformam em discurso de ódio nas ruas (Claro, existe, e como existe, discurso de ódio explícito no senado e na câmara, esses já vão pré-fabricados para a população). O que se deve praticar é o respeito e nada além disso, se encararmos a opinião alheia, opinião essa que não vá de contra à Constituição, com respeito teremos um avanço na política. Como disse, todo esse respeito está para as ideias que buscam o fortalecimento da democracia, que tentam criar um estado de segurança e dignidade. Agora para com os discursos que denigrem as correntes políticas, para os ideais que defendem extermínio, intolerância e soberania de uma determinada classe, bem, para esse tipo de pensamento devemos responder com a lei e a justiça que durante esses vinte e quatro anos de democracia tentamos deixar estável. Para essas pessoas que dizem “Eu sou de Esquerda” e buscam o ódio, respondamos com o que já está escrito, o que consta na legislação. Para os que falam “Eu sou de Direita” e saem nas ruas para ridicularizar os outros, respondamos com esse mesmo peso e medida. Para a intolerância não revidamos, apenas aplicamos a lei e essa irá resolver o problema. Agora fica a pergunta: Qual a eficácia desta tão falada “Lei”? Será que os homens que a representam também não servem à intolerância e ao ódio?

No fim, te respondo: Do jeito que está, do modo que vemos as coisas, ou se defende o seu, ou nada resta. Ou abandonamos esse estado de inércia ou nada acontece, não, pior, acontece sim, mas não quer dizer que seja algo de bom. Acontece, mas não se evolui.

Atualizações

Canção “O Trono do Estudar” ganha clipe e participação de grandes nomes da Música

A canção, composta por Dani Black acaba de ganhar um clipe que está disponível no canal “Minha Sampa”, este você pode conferir abaixo. Reunindo pilares da Música Popular Brasileira e novatos, a gravação da música “O Trono do Estudar” surge como hino na luta dos estudantes em São Paulo (E todo o Brasil). Chico Buarque e Zélia Duncan figuram na lista dos interpretes, você confere a ficha técnica do vídeo por aqui mesmo, junto ao clipe.

https://youtu.be/14NqOdRY_Ls

Produção Executiva: Renata Galvão
Direção: Alessandra Dorgan
Direção Musical: Fabio Pinczowski
Idealização: Manoela Miklos

Direção de fotografia: Lívia Perini
Assistência de Direção: Cibele Galvão
Câmera: Alisson Louback Rodrigo Rosa Riccardo Melchiades

Montagem: Victor Cohen
Color Grading: Marco Oliveira

Still: Dubes Sonego Reikrauss Benemond
Maquiagem: Mima Mizukami

Mixagem: Fabio Pinczowski no Estúdio 12 Dólares
Masterização: Arthur Joly na Reco-Master
Gravado nos estúdios: 12 Dólares (SP), Marini (RJ) e Rockit (RJ) por Fabio Pinczowski.

Fotos:
Minha Sampa
Não Fechem Minha Escola
Gabriel Uchida/VICE
Felipe Larozza/VICE
Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo
Rodrigo Zaim/R.U.A Foto Coletivo

Ilustrações: Layla Cruz

Agradecimentos:

Alessandra Orofino
Anna Livia Arida
Dado Villa-lobos
Daniel Ferro
Estevão Casé
Felipe Arêas
Gui Coelho
Isaías Rodrigues
João Erbetta
Juliana Boscardin
Kassin
Laura Dorgan Menezes
Marcos Felix
Maria Gadú
Max Galvão Montanari
Minha Sampa
Nossas Cidades
Paulo Miklos
Polar Filmes
Regina Zappa
Rosa Galvão Montanari

Música: Trono do Estudar – Dani Black

Artistas:

André Whoong
Arnaldo Antunes
Chico Buarque
Dado Villa-Lobos
Dani Black
Felipe Catto
Felipe Roseno
Fernando Anitelli
Hélio Flanders
Lucas Santtana
Lucas Silveira
Miranda Kassin
Paulo Miklos
Pedro Luís
Tetê Espíndola
Tiago Iorc
Tiê
Xuxa Levy
Zélia Duncan

 

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Autoria: Para eu não me doer

Foi quando Iracema teve sua primeira face pintada, foi lá, que ela nasceu. Rebentou como faz menino que não avisa à genitora que está por vir, vem de lá seu rosto de índia, seu olho e pele de índia. Nativa de terras estranhas, filha de deuses desconhecidos por todos e por ela mesma, Deuses vingativos e carniceiros, esgotados de paixão e raça nas tintas e penas que se vestem. Gentios para os crentes em um só, mas guerreiros e sábios para os que em tudo acreditam. Índia que provoca guerra entre tribos e homens que qualquer pingo de honra almejam. Guerreira por ter nascido onde nascera, brotado entre as vitórias-régias que por sorte lá estavam, é uma mistura de América do Sul com Europa transcendente, trás consigo a delicadeza de Parisienses, mas quando mexem com os seus, transforma-se em onça que cruza Amazônia, Sertão, Rio e Mar. Mulher dos deuses, não, mulher sobre todos esses.

É mania sua escrever o que sente e o que não conhece, mas conhece por que acusa saber, nem que seja de um modo supérfluo, mas conhece porque afirma: Eu sei. E sabe, que de longe, entre Palmeira e Pau-Brasil, está seu sangue, cunhado de tristeza e raiva. Ódio da existência que lhe propiciou tanta maldade e rancor. Filha do fogo de Ogum, é cicatriz na história de todo um povo, vem banhada das águas de Janaína, emergindo no mar de ouro, é rainha de corações que nem ela mesmo tem conhecimento. Entre tantos reinos, os menos valiosos são seus, mas ela é flecha  certeira, sabe bem o que deseja e o que lhe motiva é nada mais que o melhor entre todos.

Quando pisaram os primeiros aqui na costa, como caranguejos sedentos de água e lama, lá estava, sobre o monte, derrubando cruz e sacerdote, lhe jogando de volta para o inferno de onde viera. Ela é problema, é mistério a ser decifrado. Mulata que aguenta meses no tronco de qualquer senhor, porque é forte como nenhum homem consegue ser. Despejo tudo que conheço sobre ela e ela repudia, menospreza o pouco saber que obtive neste tempo que Deus deu, para ela é pouco, e sabemos, é pouquíssimo para tamanha beleza, tamanha mente maquiavélica e necessitada não de profetas e ciências, mas de amor e do mais bruto. Ela é bruta como aquela pedra desprezada por alguns, mas cobiçada por milhões, pedra escura e profunda, presente na mais afogadora lagoa de toda a Bahia.

Me incomoda saber que um ser desses caminha por ai, entre todos nós, como se fosse comum termos alguém assim respirando o mesmo ar, sentindo o mesmo odor que os esgotos expelem. Me incomoda pois tenho medo de topar com essa pessoa, temo seus movimentos e suas palavras. Ela é perigosa como os raios que pendem nas noites de verão, como o sol escaldante guiado por Carcarás nos dias de inverno. Maltrata saber que ela vive por viver, desde que viera para este lugar. Não é que os compositores sejam tolos, longe disso, mas é que ela sintetiza todas as letras, transformando-se em sinfonias e xotes do mais talentoso sanfoneiro de meu Pernambuco. Ninguém consegue definir quem seja a Índia dos olhos de Índia. Olhos que reúnem paixão e desprezo, quando ela se move a terra entra em transe apenas para observar cada traço de seu corpo, moldado perfeitamente por uma natureza que não erra. Se a natureza errasse, ela seria o único acerto. Mas não, ela não consegue falhar, e toda a perfeição, todo o sincretismo de meu povo, toda a mística de São Luís até Salvador vive em seu trejeito. Meu cérebro cultiva tumores só ao primeiro rastro de sua lembrança, é devastadora como um mar de gente.

Seu rastro tem cada mulher que por aqui passou, seu passado é nutrido de histórias e histórias, não apenas suas, mas de todos, pois é seu rosto um emblema para cada Capitu. Capitu, ah, cigana dos sonhos, você é a realidade que duela com essa, você se transformou em personagem da vida, Capitu, e deixou, o pobre escritor, o desolado escritor sem reação. Cada sorriso seu brilha como os símbolos de minha bandeira, você é o Recife beijando Olinda, é a estrela que do mar nasceu, dançando entre os corais de Iemanjá, é o que de mais belo existe e que venha a existir.

Colunas

The Epic Battle: Como se portar no Brasil europeu

Hoje tive uma choque de realidade, daqueles que te deixam no fundo do poço e por lá se fica, sem mais nem menos. Estávamos nós, eu e vovó, vendo mais um programa da tevê aberta. Da Globo, como sempre. E uma atriz, negra, apareceu. Vovó, que por muito tempo permanecia em uma cochilo interminável na sua cadeira, virou e me disse: Que cabelo feio o dessa menina. Engraçado, que vovó, branca, de olhos verdes, tem um neto negro e pobre, assim como ela. Bem, o choque de realidade me veio porque ele sempre por aqui esteve e eu não conseguia tatear o problema, o preconceito em si. Vovó está entre tantos que reproduzem o preceito de que belo é o limpo, o branco, o de cabelo liso e perfeito, perfeito em suas percepções, de que lindo é ter olho azul e lábios finos, ter corpo esteticamente branco, de que o certo é branco e fim. O ruim nem está somente nisso, a coisa piora quando não é só vovó, com seus oitenta anos que pensa assim, mas meu primo, com seis, que tem pele negra, tem rosto negro, tem voz de negro e me vira, em qualquer dia desses e diz: Eu sou branco. Vamos falar um pouco sobre isso.

Minha geração tem como lema “Ser cópia”. Não tem essa coisa de singular não, tem que ser igual a tudo e a todos. Chega a ser cansativo de ver isso, não consigo parar para observar as pessoas se deteriorando para que no fim de tudo consigam ser parecidas com esse e aquele ser. Eu sei, isso é comum ao homem independente da época, seguir tendências que de uma hora para outra mudam, mas também é comum ao homem ter esses momentos de inquietação. A literatura nacional é um exemplo grotesco disso, pode procurar, lhe desafio a fazer isso, pesquise os “grandes nomes” da escrita do Brasil na atualidade, pode conferir todos os resultados, se encontrar mais de dez negros ou indígenas nesse seu senso, faço toda a questão de me retirar desse site, deixar de escrever o que for por toda a minha vida, não que isso signifique algo para você, mas para mim tem toda a importância. Tenho toda a certeza que seu resultado vai ser quase, mas um quase pendendo para o unanime. Entre esses escritores seus temas geralmente são: “juventude precoce” “olá, eu sou um youtuber” “Não tinham o que publicar, me publicaram”. Podemos dividir entre dois blocos, os seguidores da onda “conformista”, onde a escrita não resulta em nada de útil para o leitor, onde não o faz pensar em coisa alguma, e outro bloco, formado pelos “vamos ser iguais”. Esse segundo bloco é o mais perigoso, é onde o íntimo do leitor se transforma, ele necessita, tem toda a pressão para se tornar aquilo que o autor é, esteticamente perfeito, sem uma espinha, de cabelo perfeito e sorriso desenhado por alguma divindade. Vamos falar sobre esses escritores também.

Não estou aqui para debater sobre o dinheiro de seu ninguém, claro que não, mas também me aponte um autor destes que são de classe média, só um e fico satisfeito. Não, você não irá encontrar nenhum, que seja ou que tenha advindo de uma classe social pobre, não existe esse. Está se formando uma quadro de autores que são modelados para influenciar os jovens a serem seus retratos. As redes sociais estão atoladas desses exemplos. A forma como se fala, o jeito que se portam em determinadas situações. Parem, em nome de qualquer que seja o deus, parem porque está se tornando exaustivo. É maçante conviver com pessoas que não apresentam senso, que não conseguem filtrar o conteúdo que lhe é arremessado. O que temos hoje são pessoas que compram um violão porque é legal ter violão, mas não conhecem uma música para tocar naquele instrumento, não sabem manejar. Compartilham fotos de Chicos e Caetanos, mas só conhecem “Construção” e afasta de mim esse cálice, porque nem o título sabem. Pai, afasta de mim esses milhões de jovens que não conseguem discernir sem pedir ajuda aos múltiplos fazedores de moda. Pai, não permita que todos e todas se tornem assim, meras cópias que de nada servem para a criação de conhecimento. Mas eis que ainda existe esperança, sabemos que sim, tem-se estudantes lutando para que suas escolas não fechem, outros correndo atrás de causas que parecem inalcançáveis. Ainda existe esperança mas ela é pequena por demais. O que existe é uma tendência maldita onde quem é negro tenta ser branco, porque eles são brancos, de quem é pobre tentar se comportar como filho de empresário. Sai dessa, favelado, porque você é favela e sempre vai ser, não adianta se disfarçar, tuas raízes, teu povo, eles estão impregnados no teu rosto por mais que você tente modificá-lo. Essa gente que tu renega, ah, ela vai te perseguir até o fim. Corre dela, mas corre muito, porque essa gente é rápida e astuciosa. Escravo é assim, não é, cheio das artimanhas. Pois bem, somos escravos, mas não nos rendemos a esse perfil europeu, a esse modo de ser totalmente elite. Meu desprezo a esses senhores e senhoras que defendem o não preconceito mas o multiplicam diariamente, minha resistência aos que negam suas origens. Como diria Pessoa, “fechem tudo isso a chave, e joguem a chave fora”. Façamos isso, juntamos toda a pressão existente nas crianças e adolescentes que por ai existem e joguemos fora. Quem dera, quem dera pudêssemos fazer isso. Mas concluindo essa confusão que é ser Brasil em uma Brasil que aparentemente não existe. Quem for do seus, que o faça, que não deixe se padronizar a cultura, a música e a literatura, o homem em todas suas expressões, que não se transforme tantos em um só.