A história de como eu terminei com você e como você perdeu a minha versão que ninguém nunca teve
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A história de como eu terminei com você e como você perdeu a minha versão que ninguém nunca teve

Eu nunca contei a história de quando eu terminei com você. De quando eu senti, dentro de mim que tudo tinha chegado ao fim. Quando eu decidi botar um ponto final. Quando eu senti que, se transformasse o ponto final em ponto e vírgula, eu me sentiria aprisionado, murcho, triste.

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Era um dia ensolarado de julho, um feriado. Minha mãe me convidou para ir para a praia, onde nasci e cresci. Eu te convidei para ir junto, mesmo a gente não se falando tanto. Estávamos em um ciclo vicioso de brigas, silêncios, vácuos, espaçamentos. Mas, chamei. Minha mãe tinha te chamado também e ela nunca tinha feito isso. Você ficou feliz e eu também fiquei. 

+ Será que algo disso foi real?

Fomos todos de carro até a praia mais importante da minha infância. Eu, você, minha mãe. Sentamos ali na areia na cadeira de praia e conversávamos sobre a vida enquanto minha mãe comentava sobre o divórcio dela. Eu estava de coturno na praia. Eu odiava como a areia entrava no vão dos meus dedos do pé. Você, dizia que isso era ridículo. Minha mãe concordava, rindo. Eu não estava nem aí. 

Saímos para comprar protetor solar, para comprar sorvete, para tirar fotos… Voltamos. Ainda havia hostilidade nos nossos diálogos. Como um quebra-cabeças que luta para dar certo na peça errada. Parecia que estávamos forçando a barra. 

Sentei ali, quieto e abri meu Instagram. Vi que um amigo meu estava vindo para a praia com o namorado dele. Não era a mesma praia que a nossa, mas eles pareciam felizes com o sol e com o vento na cara enquanto passavam pela serra quente. Eu queria sentir aquela felicidade ali com você mas não tinha como forçar. Abri outro vídeo, e outro amigo estava também com seu namorado na praia. Amigo esse que já fora meu ficante um dia e que terminei tudo para ficar com você. Poderia ser eu ali com ele. Poderia ser eu sentindo aquela felicidade que o namorado dele agora sente no banco do passageiro. 

Mas estou com você nessa luta de tentar encaixar peças que não servem juntas. E não estou com aquele sorriso no rosto. Droga, será que escolhi a pessoa errada?

Já é fim de tarde e o sol começa a abaixar quando resolvemos ir embora da praia. Vamos dar uma volta no centro da cidade e voltar para a vida normal. Lá, você tenta agradar minha mãe, mas fala mal de mim com ela. Você não entende que ela pode falar mal de mim mas você não pode concordar? Você não entende que ela quer te ver ao meu favor e não contra mim? Não é assim que você vai ganhar.

Você parece arrogante. Superior. Minha mãe tem umas falas doidas, a gente sabe, mas não é pra você falar com ela assim. Eu sinto que tem algo apagado dentro de mim quando diz respeito a você, mas ainda não tenho coragem de jogar fora. Não sei como jogar fora.

Entramos no carro para pegar a estrada de volta e eu vou olhar para a janela, como sempre faço em viagens longas. Quando passamos naquela avenida da praia que tanto amo, vejo meu amigo saindo do shopping com o namorado. Os braços dele estão passados por cima do ombro do garoto e eles parecem rir, gargalhar como se o mundo fosse apenas um plano de fundo para um roteiro incrível que acontece ali, entre os dois. Poderia ser eu com as mãos dele em cima dos meus ombros. Poderia ser eu, ali, naquela trama, rindo como se não houvesse ninguém em volta.

Paramos no sinal e observo aquela cena. Olho para o terraço do shopping que dá para a praia e vejo os outros dois, que mais cedo vi no Instagram. Como que pode? Eles sequer se conhecem e estão no mesmo lugar, ao mesmo tempo. Um deles estica o braço para tirar uma selfie dos dois com a praia de fundo. Ali, não poderia ser eu. Éramos apenas amigos. Mas não consigo deixar de imaginar que poderíamos ser nós. 

Eu não sei em que ponto o quebra-cabeças se tornou impossível de ser montado, mas ali, vendo aquela selfie, aqueles braços sobre o ombro, as gargalhadas, eu tive certeza que poderia ser eu, mas nunca poderíamos ser nós porque eu não queria mais montar esse jogo com você. 

Seguimos viagem e o sol estava se pondo quando estávamos passando pela serra. Nesse dia ele demorou. Teve um eclipse no meio do caminho que fotografei tão ávido. Lembra de quando você me deixou sozinho no eclipse pra conversar com outro menino? Não, mas eu lembro. O sol se abaixava na linha do horizonte enquanto eu pensava repetidamente:

Poderia ser eu sorrindo naquele carro. Poderia ser eu com os braços no ombro. Poderia ser eu naquela selfie no terraço. Poderia ser eu, feliz na cidade que amo. Poderia ser eu sem coturno na praia não me importando com a areia no vão dos meus dedos. Poderia ser eu com alguém que minha mãe gostasse genuinamente. Poderia ser eu com alguém que eu não precise lutar, que eu não precise me afirmar todas as horas. Eu poderia ser eu se não fosse por você. 

Não me entenda mal. Eu gostava de verdade de você, apesar de achar que a recíproca nunca foi verdadeira. Era eu. Poderia ser eu em todos os cenários, mas em nenhum deles poderia ser você.

E quando o sol se pôs e o dia se fez noite, eu tive certeza de que não havia mais nenhum motivo pelo qual eu devia estar com você. Quando o sol se pôs, você perdeu a minha versão que ninguém nunca teve. E que bom que ninguém nunca teve porque em todos os cenários que imaginei, nunca poderia ser você.

Nunca poderia ser você porque eu não me orgulho da versão que eu era de mim mesmo quando estava com você. Eu não era eu. 

Eu só pude ser eu quando não pôde mais ser você. 

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