Faziam parte de seus planos as reformas de base, que pretendiam reduzir as desigualdades sociais brasileiras. Entre estas, estavam as reformas bancária (para ampliar crédito aos produtores), eleitoral (ampliar o voto aos analfabetos e militares de baixas patentes), educacional (valorizar os professores, oferecer ensino para os analfabetos e acabar com as cátedras vitalícias nas universidades) e agrária (democratizar o uso das terras).
O perfil de Jango logo preocupou as elites, que temiam uma alteração social que ameaçasse seu poder econômico. Entre as medidas adotadas para enfraquecer o então presidente está a adoção do parlamentarismo, que, em 1961 e 1962, atribuiu funções do Executivo ao Congresso, dominado na época por representantes das elites. O regime presidencialista foi restabelecido em 1963 após um plebiscito.
A crise econômica e a instabilidade política se propagavam no país. Jango propôs, então, reformas constitucionais que aceleraram a reação das elites, criando as condições para o golpe de 64. Com as reformas, ele pretendia controlar a remessa de dinheiro para o exterior, dar canais de comunicação aos estudantes e permitir que os analfabetos, maioria da população, votassem.
O estopim para o golpe militar aconteceu em março de 1964, quando Jango, após um discurso inflamado no Rio de Janeiro, determinou a reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo.
Imediatamente, a elite reagiu: o clero conservador, a imprensa, o empresariado e a direita em geral organizaram, em São Paulo, a “Marcha da Família Com Deus pela Liberdade”, que reuniu cerca de 500 mil pessoas. O repúdio às tentativas de reforma à Constituição Brasileira e a defesa dos princípios, garantias e prerrogativas democráticas constituíram a tônica de todos os discursos e mensagens.
Em 31 de março daquele ano, os militares iniciam a tomada do poder e a deposição de Jango. No dia 2 de abril, o presidente João Goulart partiu de Brasília para Porto Alegre e Ranieri Mazilli (PSD) assumiu a presidência interinamente. Dois dias depois, João Goulart se exilou no Uruguai.
Em 9 de abril, foi editado o AI-1 (Ato Institucional número 1), decreto militar que depôs o presidente e iniciou as cassações dos mandatos políticos. No mesmo mês, o marechal Castello Branco (Arena) foi empossado presidente com um mandato até 24 de janeiro de 1967.
Desde o suicídio de Vargas, em 1954, o Brasil vivia na iminência de um golpe pela pressão da oposição e instabilidade nas Forças Armadas. Militares e políticos ameaçavam se rebelar. Era como se pudessem tomar o poder a qualquer hora.
Um período de excessos que não se curvou até hoje a julgamento histórico de fato. Ainda que existam movimentos concretos de tentativa de apuração dos abusos, nada ainda aconteceu.
Torturadores e militares com as mãos sujas de sangue refestelam-se no sofá da sala quem sabe livres das dores agudas da consciência. Mas é sempre importante lembrar que, apesar do combate desigual, os opositores do regime sequestraram diplomatas, assaltaram bancos, mataram e orquestraram guerrilhas armadas. O País, governado por uma vítima da tortura, não consegue acertar as contas com o seu passado.
Nesses 50 anos dessa violenta ruptura institucional, não há absolutamente nada a comemorar. Não há vencedores, nem vencidos. Até porque alguns dos mais ilustres e impetuosos combatentes da ditadura – os supostos mocinhos deste filme de terror – estão presos numa cadeia em Brasília condenados pelo vil crime de corrupção.
Abaixo, publico o documentário “15 filhos” de Maria Oliveira e Marta Nehring, que retrata os horrores e crimes praticados pela repressão militar no Brasil.
A história registra que a queda de Jango se deu entre 31 de março e 2 de abril, mas desde então, duas correntes se dividem sobre a data: para uns, entre os quais militares, a “revolução” se deu no dia 31; para outros, principalmente os militantes de esquerda, em 1º de abril, o dia da mentira.
O Senado fez uma sessão especial para homenagear a data. Os discursos dos senadores relembram o golpe militar e comemoram a plena democracia do país.
Os senadores Randolfe Rodrigues e João Capiberibe defenderam a revisão da lei da Anistia. A ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também promoveu um evento para relembrar a data. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu desculpas em nome do estado. Disse que a luta pela democracia foi vitoriosa, mas ainda há resquícios de autoritarismo que precisam ser combatidos.
Rio – Com medo de hostilidades e violência em possíveis manifestações contrárias ao golpe militar, a comissão que reúne os Clubes Miliar, Naval e de Aeronáutica escolheu a zona oeste da cidade, a mais de 20 quilômetros do centro, para sessão solene de comemoração aos 50 anos do movimento que derrubou o presidente João Goulart. Embora os três clubes tenham sede no centro, a solenidade, seguida de um almoço, aconteceu na unidade da Barra da Tijuca do Clube de Aeronáutica.
“Não deixaríamos passar a data em hipótese alguma. Mas, nas sedes do centro, não havia como garantir segurança das nossas instalações, do nosso pessoal”, disse o presidente do Clube de Aeronáutica, brigadeiro Ivan Frota, que classificou a Comissão Nacional da Verdade de “uma afronta à verdade”. “Há quase um massacre a um episódio da história que foi a participação dos militares (…)Nosso poder de comunicação é ínfimo diante da mídia, mas será a briga de Davi e Golias. A contrapropaganda é o que nos resta”, discursou o presidente do Clube Naval, almirante Paulo Frederico Dobbin. O almirante reclamou das edições dos jornais pelos 50 anos do golpe: “Da mesma maneira que apoiaram, agora criticam”.
Antecipando-se a eventuais celebrações, o governo tomou providências para evitar uma nova crise com o meio militar, como se deu em 2012 e 2013 por ocasião do aniversário de 31 de março. Por orientação da presidente Dilma Rousseff, uma ex-combatente da luta armada contra o regime dos generais, o ministro da Defesa, Celso Amorim, chamou os comandantes militares e passou o recado: o governo não vai tolerar manifestações do pessoal da ativa. As punições podem ir da simples advertência à prisão e exclusão das Forças Armadas.
O evento foi realizado no local onde funcionou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 2º Exército, no bairro do Paraíso. Outro pedido dos manifestantes foi a transformação desse edifício, onde hoje funciona o 36º DP, em um memorial em homenagem às vítimas. O local já é tombado e considerado patrimônio histórico.
O ato foi convocado pela internet e reuniu cerca de 140 entidades. Grupos de teatro fizeram apresentações alusivas ao golpe militar. Foi exibida ainda uma gravação do então deputado Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura.
Os presentes leram em voz alta um manifesto em que chamaram o 31 de março de “Dia da Vergonha Nacional”. O texto continha o nome das mais de 50 pessoas que morreram no prédio, entre eles o jornalista Vladimir Herzog. Em 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o atestado de óbito de Herzog fosse revisado para incluir que ele morreu em razão de maus-tratos.
Pessoas que foram torturadas no local estiveram presentes. Maria Amélia de Almeida Teles, de 69 anos, foi torturada com sua família no local. Ela era membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Maria Amélia afirmou que o estado brasileiro ainda tem as “mãos sujas de sangue” por não promover medidas para punir os militares que participaram de torturas e assassinatos e esclarecer as mortes. “Isso impede o avanço da democracia”, disse.
Já Anivaldo Padilha, de 73 anos, emocionou-se ao chegar na antiga sede do DOI-Codi, onde foi torturado por mais de um mês em 1970. Ele era estudante e membro da Ação Popular. Após a prisão, ficou 13 anos exilado e morando em diferentes países. Nesse período, tinha pesadelos quase todas as noites. Foi quando conseguiu perdoar seus torturadores. “Eu percebi que o perdão às vezes é mais importante para quem perdoa do que para quem é perdoado”, disse. Ainda assim, pede punição aos militares da época pelos crimes “contra a humanidade”.
Ele também pede a criação de um memorial na sede do DOI-Codi. “Vamos estabelecer aqui um marco de memória para que nunca se esqueça o que aconteceu no Brasil”, disse.